O conceito de áreas protegidas, nascido no século XIX nos Estados Unidos como uma idéia de conservação através do estabelecimento de “parques nacionais”, fez parte da colonização do “Oeste Selvagem” e tem sido em muitos casos um instrumento que serviu para a apropriação de território indígena que passou às mãos de Estados, centros de pesquisa ou interesses empresariais.
Se bem um organismo internacional como a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) reconheceu que na hora de estabelecer uma área protegida era necessário respeitar os direitos dos povos indígenas a suas terras e reconhecer o valor de suas formas de vida, a grande maioria das áreas protegidas estabelecidas desde então têm violado esses direitos.
No passado mês de março, na cidade de Mérida, Yucatán, México, teve lugar o III Congresso Mesoamericano de Áreas Protegidas. Paralelamente, os povos indígenas, as comunidades locais e afro-descendentes do México, Belize, Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua, Costa Rica e Panamá se reuniram no Terceiro pré-congresso de povos indígenas, comunidades locais e afro-descendentes da Mesoamérica sobre áreas protegidas e direitos territoriais, a fim de reivindicar “que estamos neste território desde tempos imemoráveis e antes da conformação dos atuais Estados- Nação”.
Do encontro surgiu a “Declaração de Yucatán” (1), na qual reafirmam que, “Em nossa concepção ancestral, o território vai além do espaço físico porque nele nascemos, crescemos e nossa cultura se reproduz, e é lá onde devemos continuar a vida após a vida; também representa a segurança e a continuidade das futuras gerações.
A territorialidade é onde desenvolvemos nossa condição de sujeitos de direitos políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais na autogestão do Bom Viver e a continuidade histórica de nossa cosmovisão.”
Esta reafirmação resulta pertinente haja vista o acontecido nos últimos quarenta anos, em que os ricos territórios indígenas da região “têm sido objeto de reiterados sistemas colonialistas de despojo, expropriação, biopirataria, bioprospecção, alienação, declaração de áreas protegidas e megaprojetos”.
Nesse contexto, a declaração reclama o reconhecimento do direito dos povos indígenas, das comunidades locais e afro- descendentes à livre determinação e a reservar-se o direito de estabelecimento de áreas de gestão/ conservação sob seus próprios sistemas normativos e instituições, garantido por um quadro jurídico implementado em cada um dos Estados da Mesoamérica. Portanto, “os Estados não declararão áreas protegidas ou de conservação de qualquer tipo nas terras e territórios que os povos indígenas, as comunidades locais e afro-descendentes, histórica ou tradicionalmente, têm usado, possuído ou ocupado, sem o consentimento livre, prévio e informado”. Nos casos em que foram declaradas áreas protegidas sem o consentimento livre, prévio e informado, exige-se que se iniciem processos de restituição de terras e territórios.
A declaração alerta contra projetos impulsionados pelos governos nacionais tais como o Corredor Biológico Mesoamericano, o Plano Mérida, a Estratégia Mesoamericana de Sustentabilidade Ambiental ou o programa de Redução de Emissões derivadas do Desflorestamento e Degradação (REDD), que envolvem diretamente os territórios indígenas e que, portanto, deveriam garantir a participação plena e efetiva das comunidades locais.
Em definitivo, o que está em jogo é a livre determinação dos povos e seu direito ao Bom Viver.
(1)http://www.indigenouspeoplesissues.com/attachments/4378_Declaracion_Yucatan.pdf