Há uma pressão visível por parte da indústria para apresentar as plantações industriais de árvores como uma solução benigna para a crise do clima e da biodiversidade, até mesmo como indispensável para superá-la.
A indústria destaca a capacidade das árvores de absorver carbono e fornecer matéria-prima para uma economia “descarbonizada” e “bio”. Mas a propaganda (e os interesses) que promovem essas afirmações ocultam muitas contradições e injustiças. Aqui, destacamos apenas algumas delas.
Para começar, o carbono absorvido pelas árvores nunca será capaz de compensar aquele que é liberado dos depósitos de petróleo e carvão armazenados por milênios no subsolo. A ideia de que o impacto climático de todo o carbono é o mesmo, seja ele oriundo do desmatamento ou da queima de petróleo, gás ou carvão, é uma (falsa) premissa fundamental na sustentação das compensações – que, por sua vez, são o principal pilar dos mercados de carbono, do REDD+, da “emissão líquida zero”, do “desmatamento líquido zero” e, agora também, das chamadas “soluções baseadas na natureza”.
“Afirmar que todo o carbono é igual também ajuda a ocultar a violência, a destruição ecológica e o abuso de poder que foram a base dos impérios das grandes empresas de combustíveis fósseis. Também leva essa violência e esse abuso aonde os projetos de compensação supostamente armazenam uma quantidade equivalente do carbono liberado.” (1)
Outro ponto crucial que é completamente ocultado na propaganda de empresas e governos sobre a expansão das monoculturas é que as plantações industriais são muito mais do que árvores e fazem parte de um modelo de monocultura que foi imposto violentamente na época colonial. Esse modelo é baseado no racismo, no roubo de terras, na opressão violenta das pessoas que são expulsas de suas terras, na devastação ecológica e na destruição das economias e das relações sociais, espirituais e culturais locais.
As plantações industriais foram centrais para o processo do colonialismo e sua expansão. As monoculturas impõem uma forma específica de organizar a terra (e, consequentemente, as pessoas) que substitui violentamente outras formas de organização da terra (com pessoas), por exemplo, na forma de bens comuns florestais ou de acordo com as práticas e sistemas de governança dos Povos Indígenas. (2) Como apontou Larry Lohmann em sua apresentação de 2011 de “Plantations and Colonialism”, “as plantações escravistas do passado e as plantações industriais de hoje não apenas sustentam o colonialismo; elas são constituídas por colonialismo”. (3)
Existe uma clara conexão econômica com esse processo. As colônias escravistas das Américas, baseadas em plantações, não apenas forneciam mercadorias especiais, mas também eram um mercado cativo para ferramentas de metal, têxteis e provisões para o império britânico de início a meados do século XVIII. As próprias plantações eram subprodutos de um novo sistema econômico.
A seguinte grande expansão das plantações industriais no Sul global ocorreu na década de 1960 e foi impulsionada pelas “necessidades”, fabricadas pela indústria, de aumento do consumo de celulose e madeira nos países industrializados. Portanto, a indústria das plantações tem sido fundamental para gerar uma expansão cada vez maior do consumo de produtos à base de madeira, principalmente no Norte global. “As plantações são estabelecidas porque atendem a determinados interesses, [e] estão em sintonia com determinados discursos.” (4)
Como forma de enfrentar a resistência e as críticas (também cada vez maiores) a essas monoculturas, as empresas de plantações afirmam não só que esse modelo de monocultura é uma solução para a crise do clima, da biodiversidade e do desmatamento, mas também que podem gerar produtos à base de madeira “sustentáveis” – como “biocombustíveis”, “fibras à base de madeira”, “plásticos à base de madeira” etc. Além dos muitos argumentos e depoimentos que contrariam essas afirmações, como explica Lohmann na apresentação mencionada acima, falar sobre plantações industriais “sustentáveis” de eucaliptos ou dendezeiros é como falar sobre colonialismo sustentável ou superacumulação sustentável.
Essa nova pressão vem com novos eufemismos – como “reflorestamento”, “restauração”, “soluções baseadas na natureza”, (6) “remoção de carbono”, entre muitos outros.
Mas o mais urgente hoje em dia é que as empresas de plantações estão pressionando para promover ainda mais nesse modelo de monoculturas, argumentando enganosamente que ele também pode trazer desenvolvimento e riqueza para proprietários de terras rurais que aderirem a esquemas de agricultura integrada com empresas. O esquema de produtores ou pequenos proprietários integrados (também conhecido como agricultura por contrato) é uma estratégia usada pelas empresas de plantações para continuar expandindo suas monoculturas, apesar da forte e constante resistência às grandes concessões que recebem.
“Essa abordagem permite que as empresas continuem ampliando o controle sobre mais terras e aumentem sua produção [de óleo de dendê] sem ser acusadas de se tornar grandes proprietárias de terras ou de despejar famílias camponesas. Os governos também começaram a promover esses esquemas para evitar os conflitos sociais provocados pela entrega de grandes concessões a empresas. A agricultura por contrato também se tornou uma tática para as empresas [de óleo de dendê] acessarem novos financiamentos, muitas vezes públicos, de bancos de desenvolvimento, agências de desenvolvimento, governos e outros financiadores. Elas alegam que esses contratos beneficiam os camponeses, quando, na verdade, quem se beneficia são as empresas e seus financiadores.” (7)
As promessas (ou seja, mentiras) das empresas de plantações não são novas, mas seus discursos e suas fraudes certamente são moldados de acordo com seus atuais interesses em aumentar as oportunidades de mercado e a demanda por suas plantações, e com as resistências e críticas dos afetados.
“As empresas e os investidores responsáveis por essas plantações sempre negaram seus impactos negativos e graves, e desenvolvem campanhas regulares de desinformação destinadas a angariar apoio do governo, conquistar a mídia, convencer investidores a financiar suas plantações e persuadir os consumidores a comprar seus produtos. Igualmente importante é o fato de que essas campanhas têm como alvo as próprias comunidades impactadas por essas plantações e muitas vezes contribuem para intimidar e criminalizar seus membros que lutam contra as plantações, a fim de silenciar qualquer resistência.” (8)
As plantações industriais, independentemente do discurso e da propaganda, sempre estiveram relacionadas ao controle das empresas sobre as terras férteis das comunidades. É inerente ao modelo de monocultura colocar em risco a sobrevivência, a soberania alimentar e a autonomia dessas comunidades, e impor a mesma forma destrutiva e opressiva de organizar a terra (e, portanto, as pessoas) da era colonial.
Os impactos avassaladores dessa apropriação maciça de terras para o lucro das grandes empresas são imensuráveis. (9) No entanto, nós, do WRM, aprendemos durante nossas conversas com mulheres que vivem dentro e próximo dessas plantações industriais que um aspecto inerente ao modelo das plantações permaneceu muito pouco visível: o modelo de monocultura também aprofunda a violência do patriarcado.
“Quando essas plantações industriais invadem terras de comunidades, a violência sexual, o estupro e o abuso contra mulheres e meninas aumenta muito. Isso acontece onde quer que as plantações industriais sejam estabelecidas e independentemente de a plantação ser de dendê ou seringueira.
A maioria das mulheres que são vítimas de violência sexual dentro e próximo dessas plantações industriais sofre em silêncio. Poucas relatam incidentes de agressão, estupro ou assédio sexual por medo de represálias e mais abusos por parte das autoridades e funcionários das empresas. Isso, por sua vez, expõe as mulheres a mais violência e abuso sexual, pois os autores não correm praticamente nenhum risco de ser responsabilizados pela violência que infligem às mulheres. Normas culturais que estigmatizam mulheres estupradas, culpam-nas pela agressão e expõem suas famílias à vergonha aumentam muito o sofrimento dessas mulheres. Muitas vezes, elas sofrem não apenas em silêncio, mas também sozinhas”. (10)
À medida que as empresas se expandem cada vez mais, as comunidades tecem diferentes formas de resistência.
Uma das primeiras fábricas de celulose resultantes da expansão dessas plantações foi a da Aracruz, no Brasil, construída literalmente em cima da aldeia indígena tupiniquim chamada Macacos. Para instalar suas plantações industriais de eucalipto, a Aracruz roubou as terras de dezenas de outras comunidades tupiniquins e destruiu a Mata Atlântica, incluindo os muitos córregos e rios dos quais dependiam os tupiniquins nessa região. A destruição devastadora das aldeias e de seu território foi, ao mesmo tempo, o início de uma luta de 40 anos, (5) com a qual as comunidades tupiniquins, em aliança com comunidades guaranis que se uniram à sua luta nos anos 1960, recuperaram grande parte de seu território. Sua luta inspirou outras comunidades no Brasil e em outros lugares a resistir ao avanço das plantações de eucalipto e reivindicar terras tomadas por multinacionais de papel e celulose.
As lutas dos Povos Indígenas e comunidades que dependem das florestas contra as monoculturas industriais de árvores se dão na defesa de suas terras e florestas, seus bens comuns, suas relações e seus espaços de vida nutridos com suas histórias, saberes e visões.
Rosalva Gomes, ativista do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, no Brasil, explica: “Não existe receita pronta para resistir. Depende de cada território, do alcance de cada território, vai depender muito da fortaleza interna de cada território e da especificidade de cada país, estado e comunidade. Mas existe uma estratégia unificadora. Porque de uma coisa temos certeza: se não contribuirmos com fortalecimento, unindo forças, vamos sofrer impactos muito grandes, ainda maiores. Já estamos atravessando muitas dificuldades. A união de forças entre comunidades e organizações é um dos caminhos da resistência”. (11)
O WRM continua se esforçando para apoiar e acompanhar as resistências da comunidade.
Secretariado Internacional do WRM
(1) Is all Carbon the same? Fossil carbon, violence and power, in ‘15 years of REDD. A Mechanism Rotten at the Core’. See also, WRM, What could be wrong about planting trees?.
(2) Plantations and Colonialism. Presentation by Larry Lohmann at the 4 December 2011 Fake Forest Day in Durban, South Africa; See also a video of this presentation as delivered in Durban, South Africa in 2011.
(3) Idem 2
(4) Carrere, Ricardo and Lohmann, L (1996), Pulping the South, Industrial Tree Plantations and the World Paper Economy.
(5) WRM Bulletin, A Struggle Lasting More than 40 Years.
(6) WRM Bulletin, Nature-based Solutions: Concealing a massive land robbery.
(7) WRM, Nine Reasons to Say NO to Contract Farming with Palm Oil Companies.
(8) WRM, 12 Replies to 12 Lies about Industrial Tree Plantations.
(9) Find many articles and materials highlighting the struggles against industrial monoculture plantations here.
(10) Breaking the Silence: Harassment, sexual violence and abuse against women in and around industrial oil palm and rubber plantations.
For more information see: Sexual Exploitation and Violence against Women at the Root of the Industrial Plantation Model; Impacts of Large Scale Oil Palm Plantations on Women.
Patriarchies in the Forests in India: Communities in Peril.
(11) WRM Bulletin, The sowing of resistance and collective organization.