Na história dos povos que moram na floresta amazônica desde antes da chegada dos colonizadores europeus, a invasão dos seus territórios tem sido uma constante. No caso dos indígenas mundurukus, hoje em dia, a ameaça mais forte vem do projeto de construção de sete hidrelétricas: o complexo Tapajós. Outras ameaças vêm de garimpeiros e madeireiros, e os mundurukus tiveram que lidar até mesmo com uma empresa estrangeira que, através de um projeto do carbono florestal ou REDD, queria tomar o controle do seu território. Eles se opuseram a todas essas ameaças e agora se mobilizam contra mais uma que bateu recentemente à sua porta: três concessões florestais que o governo pretende fazer, em um momento em que o povo está mobilizado na luta pela regularização do seu território, fazendo a autodemarcação de parte dele.
O povo Munduruku, que vive na região do rio Tapajós, está em luta pela regularização do seu território. Uma das principais frentes de luta hoje é a demarcação do território tradicionalmente ocupado por eles e chamado de Sawré Muyby. A ocupação tradicional foi confirmada em um relatório elaborado por técnicos do governo. Portanto, o governo federal tem o dever constitucional de demarcar sem mais demora esse território, para que os mundurukus que lá vivem tenham sua sobrevivência futura garantida.
Mas o próprio governo não tem cumprido a legislação do país e tratados internacionais em matéria de direitos indígenas, e tem um motivo bastante claro para isso. O território que os mundurukus buscam conservar para o futuro do povo faz parte da área que será gravemente afetada pela maior hidrelétrica que o governo brasileiro projeta para os próximos anos: o complexo hidrelétrico do Tapajós. Os interesses econômico-financeiros por trás desse projeto bilionário, justificado pelo governo como necessário para o “desenvolvimento” do país, buscam se impor sobre os interesses dos mundurukus. A hidrelétrica do Tapajós levaria à inundação de grandes áreas do território indígena, tornando impossível que os mundurukus continuassem a viver lá.
Em 2014, o governo federal, numa clara tentativa de intimidar ainda mais os mundurukus e sua luta, anunciou que leiloaria concessões florestais nas florestas nacionais Itaituba I e II à iniciativa privada, para a exploração de madeira. O instrumento da concessão florestal é relativamente novo no Brasil, tendo sido introduzido pelo governo federal, que promete não repetir os erros e problemas que ocorrem em outros países, garantindo ouvir as populações locais, introduzindo salvaguardas socioambientais e prometendo “desenvolvimento” para a região e a conservação da floresta (1).
No entanto, como no caso dos mundurukus, a utilização do instrumento de concessões florestais não representa nada disso, e parece consistir muito mais em um uso para atender determinados interesses político-econômicos e uma clara violação dos direitos coletivos desse povo. Em carta aberta, o povo Munduruku se pergunta: “Será que as autoridades do Governo e da Justiça Federal podem estar de acordo com a preparação de um leilão que vai destruir parte de nossa terra indígena?” Os indígenas afirmam que as aldeias do povo se localizam próximo à da fronteira com as concessões e que a floresta que será leiloada é fundamental para seu povo para atividades de pesca, caça e agricultura. (2)
O Ministério Público Federal (MPF) do Pará deu apoio aos mundurukus, ajuizando, em março de 2015, uma ação pela qual pede à Justiça brasileira a suspensão da licitação para as concessões que os afetariam. Argumenta o MPF que “o edital de licitação ignorou informações do próprio plano de manejo, segundo o qual há famílias indígenas e não indígenas e patrimônio arqueológico nessas áreas”. O MPF argumenta ainda que “uma das omissões do edital é a referência do plano de manejo à terra indígena Sawré Muybu, de ocupação tradicional do povo indígena Munduruku. O procedimento de demarcação da área se arrasta há 14 anos e foi paralisado inexplicavelmente em 2013, quando quase todos os trâmites administrativos já estavam concluídos”. Em outra ação na Justiça, o MPF cobra do governo federal a demarcação desse território. (3)
Por fim, vale lembrar que o anúncio do governo federal, de que concederia licenças para explorar madeira que afetariam os mundurukus, veio logo depois de eles iniciarem a chamada autodemarcação do território Sawré Muyby. Cansados de esperar pelo governo federal, eles resolveram se organizar, entrar na floresta e fazer a demarcação por conta própria. Essa tática tem sido praticada por vários povos indígenas diante da morosidade do governo em garantir seus direitos.
Numa carta aberta, os mundurukus escrevem que: “Na região do Tapajós, enquanto todos os dias se mata mais e mais florestas, com os madeireiros invadindo os Parques e Flonas [florestas nacionais], inclusive a terra que estamos autodemarcando, enquanto aumenta a quantidade de balsas de garimpo matando o rio Tapajós, bem em frente ao Parque Nacional da Amazônia, o governo se preocupa em atacar o povo Munduruku e a negar o nosso direito da terra tradicional, em vez de fazer a sua obrigação de proteção do meio ambiente que pertence a todos os brasileiros. Se eles pensam que a gente vai desistir da luta pela nossa terra, na proteção da floresta e de todos os seres que vivem nela, na luta pelo futuro de nossos filhos, estão enganados. Seguimos fortalecidos e unidos pela sabedoria de nossos pajés e caciques, e pela ligação com a natureza e os espíritos que Karosakaybu [o deus mundukuru] nos ensinou” (4).
Veja o documentário “Munduruku: Tecendo Resistência”, em:
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- http://www.ipam.org.br/uploads/conteudos/fbb5e4f19476726c709621762
f95267d45216837.pdf. - https://autodemarcacaonotapajos.wordpress.com/2014/11/24/carta-ii-da-
autodemarcacao/ - http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2015/mpf-pede-suspensao-da-concessao
-das-florestas-nacionais-itaituba-i-e-ii - https://autodemarcacaonotapajos.wordpress.com/2014/11/24/carta-ii-da
-autodemarcacao/