O mundo está preso em uma séria crise climática em decorrência do dramático aumento de gases antropogênicos (isto é, causados pelos seres humanos) na atmosfera, que causam um perigoso aumento na temperatura global, o que é conhecido como aquecimento global. No entanto, apesar de ser um processo global, ele não tem sido causado tão “globalmente” assim. Nem todos os seres humanos são culpados por essa situação nem os que historicamente têm contribuído com a maior parte do problema –países industrializados do norte- estão assumindo sua responsabilidade.
Fortes reclamações –incluindo as nossas- alegam que a causa final subjacente do problema pode ser achada no atual sistema consumista “exportado” dos países industrializados do norte do mundo, onde a produção, o comércio e o consumo engolem grandes quantidades de combustíveis fósseis.
A chamada comunidade internacional (organizada nas Nações Unidas) tem reconhecido a crise, tem investido muito dinheiro em longas reuniões internacionais e tem proposto uma mistura de medidas baseadas no mercado e compromissos de redução pobres e insuficientes, para lidar com a mudança climática. Além de não conseguir lidar com a raiz do problema, essas medidas têm até permitido poluir países para evadir esses compromissos de reduções. O resultado é que as emissões de gases de efeito estufa continuam aumentando.
A Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC) se tem focalizado recentemente no desmatamento e na degradação das florestas como fonte de emissões de carbono. No entanto, recordando o que foi dito há algum tempo, na premissa de que o carbono liberado a partir do desmatamento é o mesmo que o carbono resultante da queima de combustíveis fósseis é falsa, já que a mudança climática não tem sua origem nas emissões das florestas, senão no constante aumento do estoque total de carbono atmosférico decorrente da queima de combustíveis fósseis. É esse carbono, armazenado no subsolo durante milhões de anos sob a forma de carvão, petróleo e gás, que gera o problema. Tal carbono- que não faz parte do ciclo natural do carbono emitido e absorvido permanentemente pelos vegetais- começou a se acumular na atmosfera e originou o aquecimento global, que por sua vez desencadeia a mudança climática. Pretender que as emissões de carbono dos combustíveis fósseis possam ser “compensadas” pelo singelo trámite de evitar emissões resultantes do desmatamento é um argumento falso, dilatório e letal. (1) Obviamente, isso não quer dizer que o problema do desmatamento deve ser deixado de lado, no entanto, deve sublinhar-se que o REDD está apenas abordando uma fonte de carbono menor, enquanto ao mesmo tempo não aborda o complexo conjunto de impulsores diretos e especialmente subjacentes do desmatamento.
Em 2005, sob a COP 11 da UNFCCC, as chamadas estratégias REDD (redução de emissões decorrentes de desmatamento e degradação das florestas) entraram em cena. Depois, em 2008, a COP 13 acrescentou os conceitos de “conservação, manejo sustentável e melhoria dos estoques de carbono das florestas”, dando lugar ao que é conhecido como REDD+. Os incentivos financeiros já têm acudido a uma série de projetos que supostamente estão destinados a conservar as florestas em países tropicais ou subtropicais do sul, por causa do carbono.
Os programas REDD+ implicam complexas estratégias de monitoração, relatórios e verificação (MRV, por sua sigla em inglês), onde os governos nacionais estão sendo assistidos em sua preparação por organizações das Nações Unidas –incluindo a FAO, PNUMA e PNUD sob o programa Nações Unidas-REDD- enquanto o Banco Mundial tem estado liderando a provisão de incentivos econômicos através da Forest Carbon Partnership Facility (FCPF –Parceria para o Carbono Florestal-) do Banco.
Enquanto a focalização em desmatamento em países do sul reduz a pressão sobre os países industrializados do norte para reduzir suas próprias emissões, as instituições que governam o REDD+ têm sido empoderadas para formar e definir, validar ou marginalizar decisões relacionadas com a posse da terra, a distribuição de benefícios e o manejo florestal em países do sul. Além disso, uma série de princípios e standards vão definir como medir os estoques de carbono –bem como quem participa do processo e em que medida. Como foi sublinhado em um relatório sobre REDD+ por Thompson, Baruah e Carr (2), esse controle sobre a participação e a validação de determinadas práticas, dados e análises na abordagem da mudança climática atinge não apenas as comunidades locais mas também os estados que estão limitados por estruturas que socavam sua soberania, na medida em que essas estruturas definem o que será medido e como.
De outro lado, os projetos REDD+ tendem a reforçar a função do estado, incluindo muitos estados que não reconhecem devidamente os direitos à terra dos povos da floresta e relacionados com a floresta, que têm sido realmente os verdadeiros guardiões da floresta. Os dados de satélites usados pelo Woods Hole Research Center e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia têm mostrado que as terras de florestas onde os direitos indígenas têm sido reconhecidos detiveram o corte em regiões fronteiriças de alto desmatamento na Amazônia. Apesar disso, REDD+ outorga incentivos econômicos aos governos para deixar as florestas intactas, o que implicará despejo e marginalização dos povos das florestas. Além disso, a repressão dos usos tradicionais da terra de florestas terá um impacto inevitável sobre os meios de vida e portanto sobre a segurança alimentar e a soberania das comunidades locais, bem como sobre suas estruturas históricas e formas de vida que nutrem sua identidade. Enquanto isso, as indústrias de combustíveis fósseis, as companhias de plantação e outros desmatadores industriais são ignorados.
Os povos indígenas também enfrentam o problema de falta de informação. Citando o referido relatório: “muitas críticas das atividades de REDD+ no mundo inteiro citam informação insuficiente fornecida aos povos indígenas, resultando em maior marginalização de grupos já vulneráveis”.
As reclamações apontam não apenas para a falta de informação. Em janeiro de 2010, um líder nativo da Papua Nova Guiné dos Povos Kamula Doso, Abilie Wape, denunciou que foi forçado, enquanto lhe apontavam uma arma, a entregar os direitos do carbono da floresta de sua tribo: “Ele vieram e me prenderam à noite. A polícia veio com uma arma. Eles me ameaçaram. Forçaram-me a entrar no veículo. Então fomos para o hotel à noite. Eles me disseram: ‘Assine. Se você não assinar, vamos trazer um policial para encarcerá-lo.’”(3)
A estrutura REDD+ também pode dar forma a um assunto fundamental como é a posse da terra, que está relacionada não apenas com as comunidades locais, mas também com o desmatamento. Um estudo realizado pelo IIED sobre posse da terra em REDD (4) explica que “a posse pouco clara ou insegura pode por si mesma promover o desmatamento. Os usuários de recursos podem ter pouco incentivo para proteger o recurso se sentirem que não têm participação nele. ... Além disso, a posse pode influenciar a distribuição de riscos, custos e benefícios de transferências financeiras vinculadas à conservação da floresta. Uma posse mais segura é portanto provável que outorgue aos povos locais mais alavancagem em negociações com o governo e o setor privado.”
O relatório, que tem identificado regimes de posse em sete países de florestas tropicais e alguns dos desafios que apresentam para REDD explica que: “Como é provável que os esquemas REDD estejam regulados pela legislação nacional em vez da legislação tradicional, um assunto principal é o grau no que os sistemas de posse tradicionais são reconhecidos e protegidos sob a legislação nacional”. E conclui: “Será difícil determinar quem deveria ser apoiado sob os esquemas REDD, isto é, quem deveria obter os pagamentos, já que a posse é pouco clara sobre grande parte das terras sob ameaça de desmatamento. A experiência nos diz que, enquanto o valor das florestas em pé ou terras de florestas aumenta, os atores poderosos tendem a capturar esses valores em detrimento dos pobres menos poderosos, dependentes das florestas. Se REDD aumentar o valor, também pode aumentar os conflitos, enquanto que os reclamantes ganham mais adquirindo controle. Os perigos críticos com a incerteza da posse incluem: violação dos direitos tradicionais em favor do investimento estrangeiro, interesses comunitários contidos em contratos abusivos de longo prazo; e especulação a respeito da terra pelos investidores às expensas dos interesses comunitários.”
Como Tom Goldtooth, da Indigenous Environmental Network disse: “O debate deve ser sobre direitos à propriedade; direitos tradicionais à terra e posse da terra; e como se define isso dentro das discussões de REDD e terras de florestas. A inserção de linguagem estrita que reconheça os direitos dos Povos Indígenas é muito importante aqui porque não se trata apenas de participação plena. Como é possível ter participação plena sem direitos?” (5)
Um REDD+ baseado no mercado, o resultado mais provável do processo inteiro, inclusive para propostas de REDD+ baseadas em fundos, outorgará mais poder aos interesses corporativos, na medida em que tenham mais dinheiro e experiência do que as comunidades locais no momento de apresentar projetos e cumprir com requisitos complexos. Portanto, as companhias comerciais entram em cena, transformando-se em atores no mesmo nível que as comunidades que por muito tempo têm protegido a floresta enquanto a usam para satisfazer suas necessidades.
Para as mulheres, o impacto dos mecanismos baseados no mercado é duplo. Elas geralmente ocupam uma posição marginal nas economias monetárias, enquanto sua função como cuidadoras da família -a cargo de criar os filhos, cozinhar, trazer água, cuidar os anciões, etc.- e das florestas é economicamente invisível. Além disso, raras vezes participam na concretização de transações. É mais provável que percam aqueles em uma posição de negociação inicial mais débil.
Enquanto que um grande defeito do enfoque de REDD+ como uma suposta solução ao desmatamento é que descuida as causas subjacentes do desmatamento e a degradação das florestas, culpando finalmente às comunidades da floresta, outro grande defeito é que REDD+ tem aberto a porta para as plantações de monoculturas de árvores.
O Protocolo de Kyoto se adere à definição de florestas da FAO, que inclui qualquer área com uma determinada quantidade de árvores. Portanto, até as plantações de árvores industriais geneticamente modificadas são consideradas um tipo de florestas –florestas plantadas. As atividades REDD+ provavelmente adotarão essa definição, inclusive mais na medida em que o enfoque REDD+ reforce a visão reducionista das florestas – agora transformadas apenas em “estoques de carbono”.
Temos mencionado alguns dos principais defeitos de REDD+ mas talvez o pior de todos é que não lida com o urgente problema que deveria a resolver: a mudança climática. Em tempos nos que uma ação concertada em grande escala em muitos países –principalmente aqueles com mais níveis de emissão- é urgentemente necessária, REDD+ se transforma em uma falsa solução que desvia a atenção da medida real: reduzir as emissões de carbono na fonte.
(1) Boletim 160 do WRMhttp://www.wrm.org.uy/publications/briefings/From_REDD_to_HEDD.pdf
(2) “Seeing REDD+ as a Project of environmental governance”, Mary C. Thompson, Manali Baruah, Edward R. Carr, 2010, pp 100-110, ELSEVIER,www.sciencedirect.com
(3) “Carbon Markets Violate Indigenous Peoples' Rights and Threaten Cultural Survival”, Comunicado à Imprensa, 1/13/10, Indigenous Environmental Network,http://www.globaljusticeecology.org/pressroom.php?ID=345
(4) “Tenure in REDD – Start-point or afterthought?” Cotula, L. e Mayers, J. 2009, Natural Resource Issues No. 15, International Institute for Environment and Development, Londres, UK, http://pubs.iied.org/pdfs/13554IIED.pdf
(5) “The REDD train is going pretty fast and it’s left us at the station: Interview with Tom B.K. Goldtooth”, por Chris Lang, http://www.redd-monitor.org/2009/01/14/interview-with-tom-bk-goldtooth/