A Amazônia peruana abarca 61% da superfície do país, ocupando a quarta posição mundial em tamanho de floresta tropical. Por ter essa grande área florestal, o Peru também é um país extremamente biodiverso, ocupando, por exemplo, o quinto lugar do mundo em diversidade de plantas, com cerca de 25 mil espécies registradas.
As florestas amazônicas no Peru estão muito ameaçadas, como já relatamos em boletins anteriores do WRM (188, 166, 161). Entre as causas diretas do desmatamento estão os grandes projetos de mineração, a extração de petróleo e gás, as concessões florestais para madeireiras, a construção de estradas – inclusive no marco do programa de infraestrutura regional IIRSA –, a criação extensiva de gado e, mais recentemente, as plantações de dendê. A isso se soma o desmatamento pela mineração “ilegal”, além das atividades agrícolas, como os cultivos de coca ditos “ilícitos”. Por outro lado, as populações indígenas e camponesas que dependem da floresta e convivem com ela sem destruí-la travam uma árdua batalha para defender seus direitos e seus modos de vida. Como consequência dessa longa luta, cerca de 15 milhões de hectares já se encontram sob algum tipo de controle indígena legalmente reconhecido. Ainda restam ao menos 8 milhões de hectares de reservas pendentes que não foram delimitados, nos quais muitas comunidades são ocupantes de suas próprias terras. Além disso, ainda falta sistematizar centenas de comunidades e territórios.
A implementação oficial do REDD+ no Peru, em curso desde 2009, criou expectativas na população da região, por meio de um atrativo discurso que anuncia querer atacar as causas do desmatamento, como a indústria extrativa, garantir a participação e o respeito aos direitos da população, melhorar a frágil e desarticulada gestão das florestas e gerar riquezas. No entanto, na prática, o REDD+ demonstra cada vez mais que se trata de promessas vazias, enquanto um pequeno grupo de atores busca aumentar seus negócios com a floresta e a biodiversidade.
Culpando os pequenos agricultores pelo desmatamento
Nos últimos anos, e como resposta à mudança climática, o Banco Mundial deu início a dois programas vinculados a florestas, que promovem os mercados de carbono e o florestamento comercial. Um deles é o FIP – o Programa de Investimento Florestal. A informação mais recente desse programa no Peru, com apoio do Banco Mundial e do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), mostra que o desmatamento aumentou de 91 mil hectares no período 2000-2005 para 163 mil hectares entre 2005 e 2009, o que coincide com o aumento dos índices de “crescimento” da economia – em média, 7,5%. Esse crescimento se deve principalmente à exportação de recursos naturais, com a mineração como principal atividade, sendo equivalente a 63% do valor das exportações. Por sua vez, o FIP do Peru afirma que 75% do desmatamento foram causados pela abertura de pequenas áreas florestais por agricultores, principalmente camponeses migrantes e empobrecidos que tratavam de sobreviver, e que os grandes projetos exportadores têm apenas um papel secundário. Contudo, o que faltou explicar ao FIP, inclusive quando os camponeses migrantes andaram desmatando, foram as causas subjacentes desse fenômeno, além de explicar que, para que essas pessoas chegassem à Amazônia, foram construídas estradas anteriormente, algo que em geral está motivado pelo interesse das empresas e do Estado na região, para colocar em circulação produtos e recursos naturais.
Assim como outras iniciativas anteriores do Banco Mundial, o FIP parece mostrar pouco interesse em uma análise das causas subjacentes do desmatamento no Peru. Em lugar de apontar acusadoramente os pequenos agricultores pela criação de pequenas áreas destinadas à agricultura de subsistência, seria o caso de esperar que o Banco tivesse aprendido a lição de suas fracassadas tentativas anteriores de frear o desmatamento. Essas tentativas, além disso, caracterizaram-se por uma falta de análise, de compreensão e de ação sobre as causas subjacentes que motivaram a perda de florestas.
Não obstante, o FIP segue com seu hábito de não se mostrar muito preocupado com os grandes projetos de extração de minerais, petróleo e gás, porque afirma que, ao se fazer um EIA (Estudo de Impacto Ambiental) nesses casos, os impactos dos projetos citados são devidamente identificados e mitigados. Porém, o FIP não menciona os problemas estruturais vinculados à realização desse tipo de estudo no Peru, demonstrando ser um instrumento extremamente frágil para evitar e/ou reduzir impactos, algo que não ocorre apenas no Peru. Por acaso se poderia dizer que mitigar os impactos dos grandes projetos de extração é tão fácil, quando o próprio FIP admite que, em 2012, houve 148 casos registrados de conflitos entre empresas e comunidades, 105 dos quais estavam relacionados à mineração e 24 à extração de petróleo e gás?
Os autores do FIP admitem que, em zonas com algum tipo de proteção, inclusive em terras indígenas, ocorre menos desmatamento. Ou seja, nada seria mais óbvio do que propor a regularização de todas as terras indígenas e as de outras populações que dependem da floresta e a cuidam, bem como envolver essas populações no manejo florestal. O que acontece na prática é que as populações locais não são prioridade para o FIP. Tanto que, pelo menos 70% dos cerca de 50 milhões de hectares que foram dados em concessão ou estão sendo negociados por empresas de mineração, petróleo e gás na Amazônia se sobrepõem a territórios indígenas. O FIP se alinha aos interesses corporativos que iniciaram a “venda neoliberal” da Amazônia e, em lugar de identificar os grandes projetos como as causas do desmatamento, culpa os pequenos agricultores. Além disso, o programa parte de uma premissa totalmente diferente: considera a floresta, seus “recursos naturais” e a biodiversidade como oportunidades para desenvolver os mercados. E agora também se incluem o mercado de carbono e os “serviços ambientais” em geral, para promover um “desenvolvimento sustentável, inclusivo e competitivo na Amazônia”. Isso significa, obviamente, as grandes empresas e não as comunidades indígenas e camponesas que têm afirmado constantemente que não compartilham a visão mercantilista sobre a floresta.
A Federação Agrária Departamental de Madre de Dios (FADEMAD), por exemplo, recebeu de uma ONG chamada AIDER, em março de 2013, a proposta de plantar 5.000 hectares por meio de agrossilvicultura. Na reunião, um representante peruano da organização LIVELIHOODS expressou gentilmente seu interesse em apoiar a proposta. Mas, ao final da conversa, disse que já tinha “compradores” no “primeiro mundo” que estavam interessados em compensar suas emissões no Norte, apoiando o florestamento no Sul. Os representantes da FADEMAD responderam que gostariam muito de desenvolver o projeto de agrossilvicultura, algo que costumam fazer, mas que não têm interesse em fazer negócios com o carbono. Suas razões se basearam em outro projeto conhecido na região, pelo qual a população que assinou os contratos teve que abrir mão de seus direitos. A FADEMAD observa também que algo que eles costumavam fazer desde muito tempo antes – a agrossilvicultura – apenas agora parece interessar a ONGs e empresas, porque se podem fazer negócios (de carbono) com ela.
Quem se beneficia com o REDD+? (*)
Certamente, o REDD+ implica um grande benefício a alguns, por exemplo, os consultores que prepararão os estudos – como a finlandesa INDUFOR, contratada para elaborar o FIP no Peru, – as ONGs que atuam como intermediárias dos contratos entre os compradores estrangeiros de carbono – poluidores como empresas de petróleo ou bancos – e os “provedores” locais – na maioria, camponeses e/ou indígenas –, além de outros que vão desenvolver e implementar as formas “complexas” e, por tanto, onerosas, de “medir” e “monitorar” o carbono da floresta. O caso do Peru também mostra que o foco no mercado, nos negócios, parece ser quase equivalente a uma constante falta de transparência com quem é “objeto” da negociação, algo que tem ocorrido em todo o mundo.
Com a mira nos mercados, o FIP está centrado em ações que buscam formas de aumentar o “estoque” ou os sumidouros de dióxido de carbono e, com isso, o volume financeiro dos “créditos de carbono” que podem ser negociados a partir da floresta ou de plantações. Essas ações incluem: (1) dar concessões para a extração de madeira sob o que se chama “manejo florestal sustentável”, preferivelmente com “certificações” – por exemplo, como a do FSC. O FIP sugere a associação com o Instituto Brasileiro de Florestas para a formação de técnicos, o que significa um forte incentivo a uma atividade que já foi muito questionada no Peru por parte das comunidades indígenas e camponesas, e uma importante causa de desmatamento, algo que é minimizado pelo FIP; (2) promover a agricultura do “carbono positivo”, como as plantações de dendê - que já contam com o apoio estatal e internacional como alternativa às plantações “ilícitas”. Trata-se de uma falsa suposição porque, além de promover um monocultivo que gera numerosos impactos social e ambientalmente negativos, o uso do óleo de dendê como fonte de energia pode gerar até 25% a mais de emissões em comparação com os combustíveis fósseis, se forem incorporadas ao cálculo as mudanças no uso do solo; (3) promover plantações de árvores em grande escala nas regiões das quais estão vindo os camponeses migrantes, sugerindo a plantação de 250 mil hectares em Cajamarca e Huánuco, próximo a San Martín e Ucayali, o que geraria emprego e capturaria carbono; um projeto semelhante no Equador já mostrou como essa proposta gera muito mais problemas para as comunidades camponesas e só é interessante às empresas de plantações (http://wrm.org.uy/wp/es/libros-e-informes/sumideros-de-carbono-en-los-andes-ecuatorianos/); (4) promover um mercado interno de carbono buscando uma “inovação dos produtos financeiros”, incluído o capital financeiro especulativo, como, por exemplo, os “fundos de capital de risco”. Tudo isso representa não apenas um processo de financeirização e maior privatização da natureza, mas também um aprofundamento do processo neoliberal que já estava em curso no Peru e na América Latina há décadas, com graves impactos sociais e ambientais.
O FIP para o Peru também cita a nova lei florestal como algo positivo, por exemplo, ao permitir que os grandes empreendimentos “compensem” a destruição eventualmente causada, o que pode abrir ainda mais oportunidades de negócios. O principio da “compensação” é algo repetido e fundamental na proposta do REDD+, na medida em que qualquer desmatamento necessário em um futuro desejado de “desmatamento zero” recorre a esse princípio, por exemplo, promovendo plantações de árvores, falsamente chamadas de “florestas”. Sobre essa nova lei, a FADEMAD diz: “Uma análise rápida (...) nos mostra as incoerências da proposta de crescimento econômico e sustentabilidade ambiental (sob cujo pretexto está se fazendo o saque de nossos recursos naturais); em mais de trinta artigos da Lei, além de mencionar os serviços dos ecossistemas, mencionam-se também as plantações florestais e até a agrossilvicultura”.
Adicionalmente, o programa FIP afirma que busca “sinergia” entre mais de 100 iniciativas no âmbito do REDD+ no Peru, o que já representa cerca de 400 milhões de dólares em investimentos, entre eles, KfW e GIZ (Alemanha,) USAID (EUA), FAO-Finlândia e o governo do Japão, inclusive a JICA, além do Banco Mundial (BM) e do BID que, juntamente com o braço privado do BM – a Corporação Financeira Internacional (CFI) – se concentrariam na titulação das terras e no apoio às empresas madeireiras para trabalhar “sustentavelmente”. Também participam ativamente fundações que buscam promover a “economia verde”, como o Instituto de Crescimento Global Verde (Global Green Growth Institute), com o objetivo de “desenvolver rigorosas estratégias de crescimento econômico verde”. Outra fundação privada é a GBMF que, junto com a KfW-Alemanha, financia o componente de medição, registro e verificação (MRV) do REDD+ no Peru, enquanto o FIP promete ajudar em sua implementação. O MRV é uma peça fundamental para se conseguir que o carbono possa ser comercializado nos mercados internacionais. Todos os países citados têm fortes interesses econômicos no Peru, além de consumir parte dos recursos naturais exportados.
Por fim, o FIP admite que, ao criar um melhor ambiente de “negócios” na Amazônia peruana, com mais infraestrutura e atividades econômicas, poderia haver aumento de fenômenos indesejados, como a migração e a ocupação “desordenada” do território e, consequentemente, o desmatamento. Em resposta a isso, são apresentadas propostas como o ordenamento territorial, a “sinergia” entre as instituições, além da proposta de uma “gestão descentralizada”, como um conjunto de medidas que prometem resolver, num passe de mágica, qualquer problema maior.
Observações finais
A proposta do REDD+, desde que começou a ser defendida, trata do carbono, ou seja, da redução dos gases do efeito estufa provenientes do desmatamento e da degradação florestal. Por mais que as organizações preocupadas com a destruição florestal busquem transformar esse conceito e incluir uma visão holística da floresta – com direitos dos povos da floresta, biodiversidade e outras coisas – e ainda que o REDD+ tenha supostamente ampliado o conceito do REDD, os que querem promover o REDD+ pensam principalmente no carbono e sonham com um mercado de carbono. Como em qualquer mercado, os compradores se preocupam em primeiro lugar com o valor e a qualidade da mercadoria, além de querer explorar outros mercados. É assim que o REDD+ está se desenvolvendo no Peru, e a experiência dos últimos anos está pondo em evidência que os projetos de REDD+ não defendem nem melhoram os interesses dos povos indígenas e dos pequenos agricultores.
Sendo assim, o REDD+ é outro mercado de negócios, em plena crise climática, que – em sintonia com mercados como o das indústrias extrativas, o das empresas de dendê e das madeireiras – termina aumentando as ameaças já existentes aos povos da Amazônia. Além disso, a ação dos promotores do REDD+ tem um caráter ainda mais perverso: gera graves divisões nas comunidades e tira proveito do fato de que essas comunidades e suas organizações travam uma árdua luta com muitas dificuldades. Como diz a FADEMAD: “Nossa debilidade estrutural, vista de fora, é a melhor oportunidade para todos aqueles que pretendem implementar seus planos no contexto da Amazônia. O divisionismo e as lutas internas não apenas debilitam os processos de fortalecimento, mas também abrem caminho ao oportunismo político e à agressão aos bens comuns”.
Por ter sido projetado para funcionar como um mecanismo de mercado, o REDD+ não vai reduzir o desmatamento (nem, portanto, a contaminação) e sim conceder “direitos” para seguir contaminando. Desse modo, agravará a crise climática e a situação de depredação na Amazônia por parte dos grandes projetos extrativos. E isso também afetará cada vez mais as florestas tropicais e seus habitantes no Peru – um país já marcado como um dos mais afetados, em nível mundial, pelas mudanças climáticas, tanto na região andina quanto na amazônica.
(*) O Programa REDD+ (Redução de Emissões por Desflorestamento e Degradação de Florestas) se baseia na ideia de que o dióxido de carbono que as árvores absorvem naturalmente poderia compensar as emissões poluidoras produzidas em outro lugar. Isso dá lugar ao que se conhece como “mercado de carbono”, onde os poluidores podem comprar créditos de carbono de projetos de compensação. Para ver os preocupantes efeitos que o REDD+ vem tendo em territórios e populações indígenas em nível mundial, ver a publicação “10 alertas sobre REDD para comunidades”, http://www.wrm.org.uy/publicaciones/10AlertasREDD-esp.pdf e vários outros artigos e publicações em http://www.wrm.org.uy/temas/REDD.html
Fontes: Crítica ao FIP por parte da IDESEP (http://issuu.com/aidesep/docs/an_lisis_pif_versi_n_14.02.13?mode=window); Plano FIP, versão de 15-03-2013 (http://wrm.org.uy/paises/Peru/PIF-PERU.pdf), Relatório público da FADEMAD – Federação Agrária Departamental de Madre de Dios (http://wrm.org.uy/paises/Peru/Informe-FADEMAD-Peru.pdf), La realidad de REDD+ en Perú: entre el dicho y el hecho, produzido por AIDESEP, FPP e outros (http://www.forestpeoples.org/sites/fpp/files/publication/2011/11/la-realidade-de-redd-en-peru-entre-el-dicho-y-el-hecho-para-el-sitio-web_0.pdf)