Durante 11 anos- de 1991 a 2002- uma violenta Guerra civil, alimentada pela distribuição desigual de poder e de recursos dizimou Serra Leoa. Agora, o país enfrenta uma situação de insegurança alimentar e tornou-se um importador líquido de alimentos não só por causa da guerra como também das receitas do Banco Mundial e do FMI. Com o objetivo de promover uma economia com base no mercado, essas instituições impuseram políticas que reduziram os programas agrícolas estatais e os investimentos em agricultura.
Atualmente, o governo está promovendo a “agricultura para o desenvolvimento” sob o modelo do agronegócio, com estabelecimentos maiores e mais mecanizados, e com incentivos para os investimentos agrícolas estrangeiros em plantações de grande escala, especialmente de dendezeiro e cana-de-açúcar para a produção de agrocombustíveis. Várias são as medidas que facilitam o acesso de investidores estrangeiros às terras, por exemplo, a isenção de impostos durante 10 anos para os investimentos em monoculturas de árvores.
O resultado é um processo de apropriação ilegal de terras no país; as terras anteriormente voltadas para o cultivo de alimentos estão sendo disponibilizadas para as grandes empresas, através de arrendamentos, que costumam ser de longo prazo, para produzir produtos não alimentícios destinados à exportação. O relatório sobre Serra Leoa elaborado pelo Instituto Oakland (1) revela que “cerca de 500.000 hás já foram arrendadas a grandes investidores agrícolas, principalmente estrangeiros”, com o argumento de que só entre 12% e 15% da terra cultivável do país está sendo “usada” ou “cultivada”- o que implica que o restante está disponível para os investidores.
Contudo, como explica o relatório, 60% das terras cultiváveis em Serra Leoa está ocupado por pequenos proprietários que praticam o sistema agrícola de pousio florestal, segundo o qual as terras são cultivadas durante alguns poucos anos até a fertilidade do solo se esgotar, e depois as deixam em pousio durante 10 a 15 anos. Esse período de inatividade desempenha importantes funções: a recuperação dos nutrientes do solo que possibilita o novo crescimento de muitas espécies de árvores e plantas e assim conservam a biodiversidade; a captura de carbono: a proteção de bacias e reservas de água. Além disso, o sistema permite obter, lenha, madeira para a construção e ferramentas, forragem para o gado, plantas medicinais, inhame, carne de animais selvagens, frutas silvestres- sendo todos elementos vitais para as comunidades.
O grande valor ambiental, social e econômico do sistema de pousio florestal está sendo desmontado por políticas que permitem que grandes empresas estrangeiras saiam em disparada para a Serra Leoa a fim de tentar obter lucros a mais. O relatório do Instituto Oakland revela que a Quifel Agribusiness (SL) Ltd. (subsidiária da Quifel Natural Resources de Portugal) adquiriu 126.000 hás de terras de terras agrícolas de planície ou de florestas em pousio principalmente no Distrito de Port Loko, localizado na região leste do país. O foco da empresa é a energia renovável e a agroindústria, e já tem uma planta de biodiesel no Brasil.
Três contratos de arrendamento foram assinados nos subdistritos de Masimera, Koya e Loko Massama, todos por um período de 49 anos com a possibilidade de ser renovados por 20 anos mais, a US$5 por hectare, aumentando a cada ano até os US$8 por hectare. De acordo com o relatório do Instituto Oakland, os três subdistritos onde estão localizadas as terras arrendadas pela Quifel estão habitadas por pequenos produtores que cultivam arroz em arrozais de planície chamados bolilands, bem como dendezeiro para uso local, mandioca, batata doce, abacaxi, taro, feijão, milho, diversas hortaliças, mango, banana, plátano, papaia, coco, laranja, limão e grapefruit. Eles produzem para seu próprio consumo e vendem o excedente. Quando os pequenos produtores da comunidade de Petifu na subdistrito de Loko Massama viram suas terras em pousio sendo derrubadas para clarear a parcela da Quifel, eles organizaram um protesto manifestando que tinham sido enganados ao deixarem suas terras férteis. .
É comum que “agentes” locais sejam contratados como “coordenadores” para negociar os arrendamentos. As comunidades locais, os chefes e os proprietários são levados a acreditar que com esses acordos irão obter só benefícios. Os acordos carecem de transparência, as pessoas potencialmente afetadas não foram consultadas, e os riscos possíveis tais a como perda de terras agrícolas ou os impactos ambientais negativos nem sequer são considerados; também não é realizada nenhuma análise dos efeitos sobre a sociedade e a saúde.
As promessas de emprego e outras supostas oportunidades de “desenvolvimento” da Quifel foram as principais razões pelas quais os proprietários de terras e os chefes aceitaram arrendar suas terras. Contudo, não se sabe de nenhum relatório ou documento que indique quantos empregos serão gerados ou se esses empregos poderão compensar a perda de renda e a diminuição de alimentos. Até agora, as oportunidades de emprego têm sido extremamente limitadas.
Outra empresa agroindustrial que investe em Sierra Leone e que foi estudada pelo Instituto Oakland é a empresa Sierra Leone Agriculture (CAPARO Renewable Agriculture Developments Ltd.) – dedicada à produção de dendezeiro para agrocombustíveis, óleo comestível e sabão. A empresa arrendou de 43.000 a 46.000 hás para um projeto de plantações de dendezeiros.
Conforme dados obtidos do relatório e fornecidos pela empresa, o o arrendamento em Serra Leoa é por 45 anos com a possibilidade de ser renovado a cada 21 anos, e abrange 43.000 hás, para estabelecer plantações de dendezeiros nos arrendamentos destinados à produção de óleo de dendê para o mercado local. O projeto irá envolver refinarias e plantas de processamento, o que supostamente irá gerar de 3.000 a 5.000 empregos. Contudo, alerta o Instituto Oakland que nada disso foi feito público no país.
Quanto às mulheres, o relatório evidencia que elas são “extremamente vulneráveis nas negociações territoriais. Apesar de as mulheres representarem uma parte sumamente importante da população agrícola e serem vitais para a segurança alimentar, elas (embora haja algumas exceções) não legalmente proprietárias de terras. Por causa disso, é comum que as mulheres não estejam presentes nas reuniões com os investidores e, mesmo que estivessem lá, elas não têm voz. Em muitos casos, nem sequer são cientes de que as terras que estão cultivando estão sendo arrendadas. Não é de surpreender, portanto, que as mulheres não tenham direito a receber uma parte do aluguel, nem sequer quando elas perdem sua própria terra.”
Existe atualmente uma forte pressão para reformar de forma rápida o sistema de posse de terras em Serra Leoa. Tal processo, financiado pelo Banco Mundial, parece ser movido por um desejo de facilitar os investimentos agrícolas em longa escala. O instituto Oakland diz que “ preocupa que a reforma do sistema de posse, ao favorecer os investidores ignore os direitos das populações locais e em especial das mulheres. Por exemplo, as organizações da sociedade civil receiam que o investimento estrangeiro vá deslocar as mulheres agricultoras que não possuem títulos de propriedade das terras e que, portanto, não têm a possibilidade da compensação pelos arrendamentos.”
O dendezeiro tem sido uma cultura tradicional para muitas comunidades africanas, mas agora que está nas mãos de cobiçosas corporações movidas pela demanda internacional de óleo de dendê e agrocombustíveis tornou-se uma ameaça. A conscientização, no entanto, está aumentando. A ONG Green Scenery, de Serra Leoa, denunciou a situação de inúmeros agricultores que reclamam do governo a renegociação do contrato de arrendamento de 40 anos sobre quase 6.500 hectares de terras agrícolas de primeira com a Socfin Agriculture Company Sierra Leona Ltd (Socfin SL), subsidiária da empresa belga Socfin. Os camponeses argumentam que não foram devidamente consultados e que foram enganados: “a compensação pelas plantações e a renda anual da terra resultam ridículas diante do que representa a perda da terra e do meio de sustento das famílias rurais” (2). A resposta à reivindicação foi prisão e iminentes sentenças judiciais.
A organização Salva la Selva lançou uma ação de protesto para deter o projeto de plantação de Socfin e devolver as terras aos agricultores. Você pode se unir a ação em https://www.rainforest-rescue.org/mailalert/814?mt=1264,
Artigo baseado em: (1) “Understanding Land Investment Deals in Africa. Country Report: Sierra Leone”, The Oakland Institute, 2011, http://www.oaklandinstitute.org/understanding-land-investment-deals-africa-sierra-leone; (2) Our Concern, relatório da Green Scenery sobre o caso Socfin,http://www.greenscenery.org/index.php/component/content/article/32