São Tomé e Príncipe: vontade popular freia a expansão das plantações industriais de dendê

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Santo Tomé y Príncipe

Em um de seus últimos trabalhos - “Oil palm in Africa: Past, present and future scenarios”, de dezembro de 2010 – nosso querido companheiro Ricardo Carrere apresentou um panorama histórico e atualizado dos monocultivos de dendê na África (ver em http://wrm.org.uy/oldsite/countries/Africa/Oil_Palm_in_Africa.pdf, em inglês).

O dendê tem sido um cultivo tradicional de numerosos países africanos e, processado artesanalmente, vem servindo para usos domésticos e locais, da fabricação de cestas à produção de vinho (de dendê), além do azeite extraído da planta, que adquiriu muita importância para a economia local.

Não obstante, a demanda internacional por óleo de dendê para a indústria de alimentos, de cosmética e, mais recentemente, de agrocombustíveis, abriu uma porta ampla à expansão de grandes plantações de dendê, impulsionada por empresas do agronegócio.

No caso de São Tomé e Príncipe, o dendê crescia naturalmente nas ilhas desabitadas, mas seu uso remonta à época da invasão portuguesa, quando os invasores introduziram o cultivo de cana de açúcar com base em mão de obra escrava. Foi assim que chegaram africanos de Benin, Congo e Angola, trazendo consigo os usos tradicionais do dendê.

Depois da independência de São Tomé e Príncipe, em 1975, estabeleceu-se no sul da ilha de São Tomé uma plantação de dendê em 650 hectares e uma fábrica de azeite de dendê (Empresa de Óleos Vegetais – Emolve), com verbas do Banco de Investimento Europeu e da Comunidade Europeia.

A Emolve acabou abandonando o negócio, mas, em 2009, chegou à ilha a empresa belgo-francesa Socfinco, registrada localmente como Agripalma, que faz parte do poderoso grupo de investimentos Bolloré, com sede na França.

A Socfinco tinha como projeto produzir azeite de dendê para a fabricação de agrocombustíveis na Bélgica, para a qual planejava plantar cerca de 5.000 hectares entre Príncipe e São Tomé.

Em 2009, o Estado deu a concessão dessas terras à empresa Agripalma, mas a população de Príncipe, segundo a publicação local Téla Nón, rechaçou o acordo e impediu que o estabelecimento de plantações industriais de dendê em sua ilha destruísse mais de 1.000 hectares de florestas.

Em São Tomé, por sua vez, o acordo teve sucesso, e inclusive o governo procurou obter mais terras na ilha como forma de compensar os 1.000 hectares negados em Príncipe e, assim, cumprir ao acordo com a Agripalma.

Foi assim que os habitantes de São Tomé começaram a ver retroescavadeiras avançando sobre as florestas primitivas da região sul da ilha, onde a natureza exuberante, alimentada por vários rios e riachos, forma a maior bacia hidrográfica do país.

As retroescavadeiras da Agripalma afetam também a base alimentar da população local, que gira em torno do coco, um cultivo que começou a escassear. “Os nossos pais e avôs tinham roças aqui. O certo é que tomaram todas as terras para a Agripalma plantar palmeiras. O coco é uma das coisas que garantem a nossa alimentação aqui, os coqueiros estão todos a serem abatidos, qual é a nossa vida?”, refletia um jovem da aldeia de Monte Mário.

Um dos protestos que começaram a ser levantados à medida que avançava a devastação foi: “O governo decidiu que seria mais proveitoso para o país trocar toda a sua biodiversidade, única no mundo, por umas quantas toneladas de óleo…!”

Foi assim que alguns habitantes de São Tomé começaram a se mobilizar para lutar contra o que consideram um crime ambiental por parte da Agripalma, apresentando uma medida cautelar na justiça contra o avanço das retroescavadeiras e das motosserras da empresa nas florestas do sul da ilha, mais concretamente na zona do parque natural de Obo.

No final de julho passado, o tribunal aceitou a demanda e estabeleceu restrições às atividades da Agripalma, por exemplo, que ela se abstenha de desflorestar nas proximidades do parque natural Obo, as serras, as zonas costeiras e outras que possam colocar em risco ou destruir a flora e a fauna protegidas. A juíza que expediu a decisão também ordenou que a empresa preserve 40 metros em cada margem de rio, riacho ou lagoa, o que a põe em situação de infração, já que, segundo registrou Téla Nón, existe uma vasta superfície desflorestada praticamente sobre as margens do rio Caué, onde já foram plantadas várias centenas de dendezeiros. A colina próxima a esse rio também foi devastada para a plantação de dendê.

O tribunal advertiu que o projeto da Agripalma deve ser redimensionado a uma superfície que não afete a reserva, o que o deixa praticamente inoperante, devido à falta de terras que cumpram esse requisito e, ao mesmo tempo, sirvam à empresa.

Embora não tenha suspendido as atividades da Agripalma, a decisão judicial estabeleceu uma série de limitações que as freia, o que, para o grupo civil que se mobilizou diante do avanço das plantações de dendê, significa uma conquista. Em termos gerais, a decisão demonstra que é na vontade popular organizada que reside a força para fazer frente à destruição.

Baseado em informações de “Tribunal mostra sinal de STOP à empresa Agripalma”, agosto de 2013, Abel Veiga, Diário Digital de São Tomé e Príncipe – TÉLA NÓN,http://www.telanon.info/sociedade/2013/08/12/14103/tribunal
-mostra-sinal-de-stop-a-empresa-agripalma/
, e “Sociedade civil denuncia crime ambiental na zona sul de São Tomé”, Abel Veiga, Diário Digital de São Tomé e Príncipe – TÉLA NÓN,http://www.telanon.info/sociedade/2013/06/04/13409/
sociedade-civil-denuncia-crime-ambiental-na-zona-sul-de-sao-tome/