A região da Quebrada de los Cuervos, localizada nas serras do departamento de Trinta e Três, foi a primeira área a entrar no Sistema Nacional de Áreas Protegidas no Uruguai (2008), por sua riqueza paisagística, representatividade de ecossistemas nativos e diversidade de espécies. Composta por pastagens, mata de encosta, matas ciliares e arroios, funciona como um corredor biológico para diferentes espécies de flora e fauna.
Sua classificação como “Paisagem Protegida” permite que os moradores que vivem em campos localizados dentro da área e nos arredores possam permanecer, realizando suas atividades produtivas tradicionais. No Plano de Manejo elaborado para a área protegida, expressou-se a necessidade de uma zona-tampão entre a área protegida e o restante da área rural, definindo-se uma delimitação o que foi aceito pelos moradores. No entanto, até agora (anos mais tarde), as autoridades não conseguiram confirmá-la oficialmente.
Entre as atividades proibidas dentro da área protegida, por se entender que ameaçam a área, mencionam-se a plantação de monoculturas de árvores e a mineração que, logicamente, também deveriam ser proibidas na zona-tampão. Nos últimos anos, empresas florestais, como a norte-americana Weyerhaeuser (Colonvade), a britânica Pradera Roja (Phaunos Timber Fund, um fundo de investimento) e a norte-americana Forestal El Arriero (Global Forests Partners, um fundo de pensão), estabeleceram, dentro da zona-tampão, monoculturas de pínus e eucalipto – espécies exóticas invasoras nessa região do país – com o risco que isso acarretaria para a Quebrada de los Cuervos.
Fundos de investimento em plantações de árvores. Nos últimos anos, ganhou importância a presença, em nosso meio rural, de fundos de investimento ou fundos de pensões dos países do norte, os quais compram terras no Uruguai e em outros países do Sul para plantar monoculturas de eucalipto, que acabam por ser muito rentáveis para os investidores, mas geram graves impactos sociais e ambientais em nível local. Por exemplo, o Phaunos Timber Fund acaba de vender 690 hectares plantados com eucaliptos, na localidade de Cerro Chato, a um investidor privado, por 2,9 milhões de dólares, sendo que a empresa pagara 1,3 milhão de dólares em 2009.
Em 2009, a empresa foi denunciada por moradores da Quebrada por levar adiante um projeto florestal sem informar o Ministério do Meio Ambiente sobre sua localização junto à área protegida e sem cumprir os critérios básicos para evitar a erosão do solo, além de aplicar grandes quantidades de agrotóxicos que provocaram a morte da fauna nativa. Como resultado da denúncia, a empresa foi suspensa temporariamente e, alguns meses mais tarde, recebeu multas irrisórias, as quais nunca se soube se realmente pagou.
O Caso da Forestal El Arriero S.A. Da mesma forma agiu a empresa Forestal El Arriero S.A., que pertence à norte-americana Global Forests Partners, empresa de gestão de investimentos florestais com fundos de pensão. Até o momento, ela possui 26.000 hectares de terra no Uruguai, dos quais 16.000 foram plantados com árvores e são administrados pela chilena Cambium Forestal Uruguay S.A.
Em 2009, a Florestal el Arriero estabeleceu uma plantação de pínus no projeto “Obdulio” – localizado dentro da zona-tampão do desfiladeiro da Quebrada de los Cuervos – sem autorização prévia do Ministério do Meio Ambiente. A devida permissão só foi solicitada quando as árvores tinham mais de um metro de altura e já se havia concluído a fase de aplicação de agrotóxicos.
Mais uma vez, graças às denúncias e testemunhos apresentados pelos moradores em abril de 2011, pode-se demonstrar que o plantio foi feito de forma ilegal. A empresa violou a normativa uruguaia e os técnicos que realizaram o estudo de impacto ambiental e com árvores já plantadas são responsáveis por falsificar a informação que forneceram ao Ministério. Embora tenha suspendido todas as atividades da empresa florestal, tornando-a “passível” de multa, a resolução do Ministério permite que ela continue com o processo de obtenção da licença ambiental.
Vozes locais. Benedicte, uma das fundadoras da Sociedade de Fomento Rural Quebrada de los Cuervos, afirma que “nós, habitantes locais, nos sentimos prejudicados por esta plantação de pínus, uma espécie considerada invasora, pelo envenenamento da água do riacho Yerbal Chico e a morte da fauna nativa, pela fumigação com herbicidas e, especialmente, pela destruição total da pastagem nativa. A Sociedade de Fomento reivindica para a população local o direito à terra e o direito de manter e desenvolver suas práticas tradicionais de pecuária em pastagem natural. Rejeitamos as grandes monoculturas, o uso de agrotóxicos e a mineração, pois afetam a nossa cultura e o nosso modo de vida”.
Carlos, que mora na área há 23 anos, diz que o assunto preocupa muito. Por um lado, “se define uma área central que é, ela própria, área protegida, e uma área adjacente ou tampão para proteger a Quebrada, e é aí que se está plantando pínus e há projetos de extração de calcário. Alguma coisa não está funcionando bem! Por essa razão, estamos aqui [na audiência] para expressar nosso descontentamento e saber como, se em abril de 2011, denunciamos que a empresa tinha plantado e fumigado ilegalmente os campos plantados, sem permissão do Ministério do Meio Ambiente (DINAMA) e sem avaliação de impacto ambiental, agora estão aqui na nossa frente apresentando o projeto como se fosse algo novo”.
Ana Maria, moradora da região e membro da AMRU (Associação de Mulheres Rurais do Uruguai), conta que “o primeiro impacto que nos preocupa é o impacto sobre a água, principalmente a contaminação pela aplicação de agrotóxicos, que também afeta a flora e a fauna do lugar. Após as aplicações, sempre se encontram animais mortos. Há vida ali, que morre ou migra, há espécies que vão desaparecendo; no futuro, teremos um grande deserto verde aqui e no resto do Uruguai, onde se concentram as plantações de árvores. Somos um país muito pequeno, não podemos ter tanto território ocupado por uma monocultura. Temos que colocar um freio, dizer basta!”
Responsabilidade das autoridades. O papel do Sistema Nacional de Áreas Protegidas (SNAP) deixou de ser claro, e o atraso na aprovação da versão final do Plano de Manejo promove indiretamente a instalação de projetos de silvicultura e mineração na área.
É urgente implementar as medidas propostas no Plano de Manejo, como oficializar os limites propostos para a zona tampão, eliminar a “prioridade florestal” dos solos dentro da zona tampão, aplicar medidas preventivas enquanto não se implementa a lei de Ordenamento Territorial da região e restringir projetos produtivos como plantação de árvores, mineração e construções industriais a montante da área protegida.
O “freio” está nas mãos do SNAP, do Ministério do Meio Ambiente, do Departamento Florestal e da Municipalidade de Trinta e Três. Será que essas autoridades conseguirão dizer “basta” e trabalhar pelo que realmente, no curto e no longo prazos, beneficiará a população local e o país?
Trechos do artigo “Fondos de inversión denunciados por forestación ilegal en la Quebrada de los Cuervos”, enviado pelo Grupo Guayubira,http://www.guayubira.org.uy/ - acessar a versão completahttp://www.guayubira.org.uy/2012/09/fundos-de-investimento
-denunciados-por-plantacao-ilegal-de-arvores-na-regiao-da-quebrada-de-los-cuervos/