O “Movimento Alerta contra o Deserto Verde” é uma ampla rede de oposição à expansão das plantações de eucalipto em grande escala na região que abrange os Estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e Rio de Janeiro. Sua existência e luta se originam nos impactos sociais e ambientais comprovados dessas plantações, algumas das que atualmente possuem a certificação do FSC.
Uma equipe dessa rede participou em um estudo de caso realizado em finais de 2003 (“Certificando lo incertificable. Certificación del FSC de plantaciones de árboles en Tailandia y Brasil” (http://www.wrm.org.uy/actores/FSC/certificaport.html) e investigou as plantações da V&M e da Plantar S.A. Reflorestamentos, certificadas pelo FSC através das certificadoras Société Générale de Surveillance (SGS) e Scientific Certification Systems (SCS).
A empresa V&M possui 235.886 hectares de terra no Estado de Minas Gerais, distribuídos em 25 propriedades, cujo tamanho é de 1.000 até 36.000 hectares. A Plantar é proprietária de aproximadamente 15 prédios rurais, que totalizam 280.000 hectares.
O estudo comprovou que algumas das plantações certificadas ocupam terras usurpadas a seus habitantes originários, com o que a certificação tem prejudicado as lutas dos povos locais para reaver suas terras. Identificou-se também que existem outras controvérsias entre os pequenos agricultores e as companhias com relação ao uso de agrotóxicos, o bloqueio de rodovias ou a alteração do acesso e o manejo dos recursos hídricos.
A certificação do FSC também tem debilitado seriamente os direitos dos trabalhadores: “Nada pode servir de desculpa para a omissão total da SGS e da SCS em seus Resumos Públicos e relatórios anuais de monitorização, com respeito aos graves problemas trabalhistas nas unidades certificadas de manejo florestal da V&M e da Plantar, especialmente pela relevância do assunto em discussões políticas locais, na imprensa e na televisão de Minas Gerais. Condições de trabalho subumanas, jornadas de trabalho excessivamente longas, trabalho infantil, terceirização ilegal, sujeição de trabalhadores, transporte ilegal, trabalho insalubre e degradante, listas negras de dirigentes sindicais, falta de liberdade e falta de autonomia sindical –tudo isso tem sido objeto de inúmeros artigos na mídia da região, bem como de debates públicos em diferentes municípios e nos parlamentos estaduais e federal”.
Reaver terras plantadas com monoculturas de árvores para convertê-las em florestas comunitárias não é uma tarefa fácil, nem politicamente nem na prática. No caso das plantações certificadas, a dificuldade é ainda maior e a certificação se transforma em um argumento do que lançam mão os proprietários das plantações para enfrentar as comunidades locais.
O estudo de caso brasileiro, também documenta como as plantações de eucalipto -incluindo as das duas empresas certificadas (a V&M e a Plantar)- têm sido uma das principais causas da destruição da vegetação nativa do cerrado. Como resultado, comunidades locais têm sido privadas de meios de subsistência sustentáveis.
Para os fins da certificação do FSC, pouca importância pode ter o fato de que as empresas de plantação tenham queimado o cerrado para obter carvão e fazer plantações de eucalipto, já que a destruição aconteceu antes de novembro de 1994.
No entanto, “...o impacto da destruição deste bioma se sente até hoje, principalmente pelas populações locais que perderam grande parte de sua flora e fauna, seus recursos hídricos, e sofreram as conseqüências da aplicação de agrotóxicos. Longe de proteger o que resta da vegetação nativa, os milhares de hectares plantados com eucalipto acabaram transformando-se em um perigo”.
O estudo afirma que os benefícios econômicos e sociais de produtos como o carvão para a produção de aço ou madeira para a produção de celulose para a indústria do papel “são escassos, em comparação com os sérios impactos das plantações industriais associadas que afetaram as vidas dos trabalhadores ou os impactos socioeconômicos negativos sobre as comunidades locais”.
Cabe salientar também um assunto que se relaciona com o processo de certificação no todo: as irregularidades no processo de certificação que levaram a um descumprimento dos princípios do FSC e à influência de interesses criados das firmas certificadoras. O estudo conclui que o manejo florestal da V&M e da Plantar infringe legislação nacional e internacional, como no caso de alguns tratados da Organização Internacional do Trabalho. Quanto à legislação ambiental, a V&M e a Plantar têm descumprido a resolução que exige a empreendimentos desse porte a obtenção de licenças através da apresentação de um Estudo de Impacto Ambiental.
O relatório documenta também que as plantações da V&M e da Plantar não cumprem com alguns princípios do FSC à medida que a maioria das plantações se estabeleceram em terras com vegetação nativa do cerrado. Contribuíram com a destruição deste bioma ameaçado, causando ao mesmo tempo danos sociais, ambientais, culturais e econômicos.
O FSC se orgulha da atenção que providencia aos assuntos sociais. Sua credibilidade se baseia na consulta às organizações, comunidades e populações locais. No entanto, no caso do Brasil, o processo de consulta foi muito pobre.
O Resumo Público da V&M enumera várias “partes interessadas” com as quais, de acordo com a SGS, se realizaram “reuniões e discussões”, mas não há comentários sobre os resultados dessas reuniões e discussões. Os membros dos sindicatos mencionados na lista de “partes interessadas”, supostamente consultados pela SGS, dizem que não foram consultados durante o processo de certificação em 1998.
De outro lado, os serviços das firmas certificadoras são pagados pelas companhias que desejam obter a certificação, com o que têm um grande incentivo para certificar rapidamente sem impor muitas condições nem supervisar o cumprimento dos princípios do FSC de forma muito estrita.
Finalmente, os relatórios das certificadoras a respeito das plantações das empresas referidas carecem de uma análise cuidadosa do universo socioeconômico dos lugares onde estão localizadas as plantações e de uma contextualização. Os relatórios mostram que os auditores fizeram uma interpretação subjetiva, desde a eleição do conteúdo e os pontos prioritários de seu estudo, passando por uma seleção dos interlocutores menos críticos, realizaram visitas de campo orientadas por um horizonte interpretativo estreito demais e ignorando as referências temporais e espaciais do território.
A conclusão do estudo é que: “Depois de avaliar a certificação das companhias Plantar S.A. e V&M podemos afirmar sem medo de errar, que essa garantia que se pretende outorgar aos consumidores, hoje não existe.”