DOCUMENTO: Plantações de árvores para o mercado de carbono. Por que, como e onde elas estão se expandindo?

Este documento apresenta uma visão geral da expansão das plantações de árvores voltadas para os mercados de carbono. Onde estão localizadas essas plantações, quem está lucrando com elas, quais têm sido os impactos para as comunidades que vivem nas terras ocupadas por esses projetos e quais iniciativas internacionais estão sendo realizadas para impulsionar as plantações de árvores para compensação de carbono.

Gabão: Controvérsia sobre o projeto de monocultura de eucalipto nos Planaltos Batéké

Desde 2021, o início dos trabalhos para viabilizar um projeto de monocultura de eucalipto tem colocado em alerta a população dos departamentos de Plateaux e de Djouori-Agnili, na província de Haut-Ogooué, no Gabão. Localizado na África Central, o Gabão faz parte da Bacia do Congo, considerada a segunda maior floresta tropical depois da Amazônia. Mais de 80% do território do país é coberto por florestas; as savanas dos Planaltos Batéké representam um ecossistema peculiar com paisagens únicas.

Nos departamentos dPlateaux e de Djouori-Agnili, assim como em outros lugares, a agricultura, a colheita e a comercialização dos produtos brutos processados e/ou acabados que lhes resulta, representam as principais fontes de subsistência para a maioria da população. É por isso que o anúncio de um megaprojeto de monocultura de árvores no planalto causou grande preocupação entre as comunidades da região.

As preocupações se acentuaram ainda mais pela intenção do promotor do projeto em vender créditos de carbono com base nesta plantação de árvores. Há cerca de vinte anos que as empresas petrolíferas e outros poluidores vêm promovendo o conceito de créditos de carbono. Para desviar a atenção do papel que a exploração de petróleo e a queima de carbono fóssil têm na mudança climática, seus consultores vêm explicando aos governos que, em vista da mudança climática e com objetivo de manter a sustentabilidade do clima, é importante proteger as florestas e plantar árvores.

Em geral, quando essas empresas e seus consultores chegam a um país costumam organizar encontros com o governo sobre carbono e clima e fazem promessas de investimento em plantações de árvores que viriam apoiar a economia nacional, proteger a floresta e criar empregos nas comunidades onde o projeto será instalado. Por trás dessas promessas, eles pretendem apropriar-se das terras comunitárias para plantar árvores, alegando que essas árvores protegerão o clima e o meio ambiente. No caso do projeto de eucalipto nos Planaltos Batéké, no Gabão, a empresa Sequoia já registrou seu projeto de plantação de eucalipto na Verra, a principal organização que certifica projetos de crédito de carbono. (1) Isso mostra que o projeto de eucalipto nos Planaltos Batéké, conhecido como LAPHO, também é um projeto de crédito de carbono.

Um projeto do antigo diretor da Olam Gabon

O projeto de monocultura de eucalipto é falsamente chamado de LAPHO (Leconi Agroforestery Project in Haut-Ogooué), uma clara contradição, uma vez que o eucalipto não é adequado para a agrossilvicultura. O projeto alega ter obtido 60.000 hectares para o plantio de eucalipto nessa região das savanas, uma séria ameaça tanto para as pessoas que vivem nos planaltos quanto para a ecologia.

O promotor desse projeto é a Sequoia Plantation, uma empresa criada por um fundo sediado nos Emirados Árabes Unidos (Abu Dhabi). O principal acionista é Gagan Gupta, ex-diretor da Olam Gabon, uma empresa que assumiu o controle de quase todos os setores econômicos do Gabão. O projeto Sequoia diz ser um conjunto de atividades econômicas sob a administração da Zona Econômica Especial do Gabão (GSEZ). A GSEZ é considerada uma empresa de fachada da família Bongo, que governou o Gabão por décadas até ser derrubada por um golpe militar em 2023.

Projeto progrediu durante período da Covid

Em 2021, durante o período da Covid-19, as populações locais notaram a movimentação de veículos e maquinário pesado atrás do vilarejo de Kandouo, no leste da província de Haut-Ogooué. O trabalho de aterro e nivelamento do local destinado à infraestrutura de um viveiro e de uma base de operação foi realizado sem consultar as populações locais. Foi assim que os túmulos de seus ancestrais foram destruídos. As famílias afetadas se uniram para reclamar junto dos operadores em loco; estes lhes disseram que elas deveriam recorrer à presidência da época (Ali Bongo Ondimba). Parecia claro portanto que a família Bongo estava por trás do projeto. Obviamente os métodos de instalação sem consulta pública e participativa das populações locais demonstravam um claro abuso de poder que desrespeitava a regulamentação do Gabão. A partir desses fatos, as notícias sobre o projeto se alastraram por toda a sociedade.

Foi nesse cenário que, no início de 2023, a organização CREPB (Coletivo dos Habitantes e Ecologistas dos Planaltos Batéké) entrou em contato com os ministérios e instituições do governo do Gabão. As solicitações de acesso à documentação do projeto ficaram sem resposta, revelando os caminhos tortuosos e duvidosos do projeto. O CREPB tomou várias medidas administrativas e organizou coletivas de imprensa para chamar a atenção da opinião nacional e internacional para os perigos e procedimentos não regulamentares do projeto. Essas atividades forçaram a empresa Sequoia a endereçar uma defesa ao gabinete do primeiro-ministro.

Nesse contexto, em dezembro de 2023, uma missão colaborativa de conscientização foi organizada e realizada nos Planaltos pelas associações CREPB e JVE (Jovens Voluntários em favor do meio-ambiente). Em 31 de julho de 2023, após uma pressão persistente das bases, a Sequoia organizou uma cerimônia dita de consulta pública. Em vez de realizá-la nas localidades afetadas pelo projeto de plantação, a saber nos departamentos dos Plateaux e de Djouori-Agnili, a empresa organizou o evento em Franceville, a vários quilômetros do local previsto para as plantações de eucalipto. A Séquoia também declarou publicamente que encerraria suas operações em 7 de dezembro de 2023, enviando uma carta ao primeiro-ministro e a quatro outros ministérios.

Em 23 e 24 de março de 2024, a empresa retomou suas consultas, incluindo uma no vilarejo de Kandouo, adjacente às plantações do projeto Sequoia, e uma em Bongoville, a vários quilômetros do local da plantação. Em 8 de maio de 2024, a Sequoia apresentou ao Departamento de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável seu relatório de estudos de impacto ambiental. O Departamento emitiu um comunicado em 22 de maio convidando as pessoas interessadas a consultar e comentar o relatório. Quatro associações enviaram um relatório conjunto de observações jogando luz sobre as deficiências e os graves perigos associados ao projeto. Entre outras coisas, as associações destacaram (1) o descompasso entre o texto do projeto e seu conteúdo real; (2) a ausência de mapeamento participativo; (3) parâmetros de estudo aviltados (como não levar em conta os recursos animais e hidrológicos, amostragem marginal e falsa identificação de espécies em locais fora da área destinada à exploração); (4) o risco de poluição das águas subterrâneas com pesticidas; (5) o risco das águas subterrâneas secarem; (6) a perturbação ambiental (por meio da destruição de espécies vegetais e animais); (7) a perda de biodiversidade; (8) o risco de incêndios gigantescos; (9) o risco do surgimento (nas populações afetadas) de doenças graves ligadas aos efeitos dos pesticidas e das atividades da empresa; (10) o risco de colocar em perigo as populações locais e levá-las a emigrar; (11) a falta de soluções diante dos riscos; (12) a falsidade das consultas públicas. Em resumo, a empresa apresentou um relatório de estudo de impacto ambiental contendo gravíssimas omissões e deficiências.

Apesar destas evidências manifestas, o comitê de avaliação do estudo de impacto optou por manter apenas a inadequação entre a redação do projeto e seu conteúdo, a ausência de um plano de manejo ambiental orçado e a falta de um comitê de vigilância sobre a condução do projeto. Com base neste inventário reduzido de falhas, o comitê rejeitou o relatório na primeira leitura e solicitou à Sequoia que providenciasse uma solução para suprir a essas deficiências.

Rejeição total do projeto

As muitas visitas que fizemos ao coração dos Planalto Batéké revelaram que a população local rejeita totalmente o projeto de plantação de eucalipto da empresa Sequoia. O testemunho do chefe do bairro de Djouani/Ompouyi reflete a opinião expressa em todos os vilarejos que visitamos: "Nunca aceitaremos que nossas terras sejam capturadas pelas plantações de eucalipto, o homem Teke só planta árvores que alimentam, vejam nossos velhos vilarejos, vocês encontrarão ali mangueiras, açafroeiras e abacateiros e não árvores que irão destruir nossas terras. Dizemos não ao eucalipto": Com exceção da população do vilarejo de Kandouo (onde estão localizados os viveiros) que está dividida, as pessoas de todas as outras localidades dos departamentos interessados são 100% contrárias ao projeto de plantação. A situação é a mesma para todos os vilarejos dos departamentos de Plateaux e de Djouori Agnili, bem como para as cidades de Leconi e Bongoville. Uma pesquisa realizada pelo CREPB registrou 100% de rejeição ao projeto, com base em uma amostra de 1.432 pessoas.

Desde então, as associações CREPB, JVE, Copil-Citoyen, Muyissi Environnement e a Fundação Bongo Ayouma uniram forças para formar uma frente comum nas iniciativas administrativas tomadas para opor-se ao projeto, a saber, a redação e o envio de notificações aos governantes, a análise do estudo de impacto ambiental da Sequoia, a redação e o envio das observações das associações à Direção do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e a preparação de transmissões de rádio e televisão. (2) Esse trabalho das associações está tendo um impacto positivo, já que a opinião pública nacional e internacional está assumindo a causa da preservação do meio ambiente do Planalto Batéké.

O prefeito de Djouori Agnili pediu que fossem reabertas consultas públicas verdadeiras, em conformidade com as regras. Do mesmo modo, as próprias populações locais manifestaram sua oposição ao projeto ao Ministro da Agricultura durante sua visita tanto a Kandouo como Bongoville. No âmbito do atual governo gabonês, autoridades importantes como os Ministros do Petróleo e do Turismo e o Primeiro Questor do Conselho Econômico e Social e Ambiental (membro da Assembleia Parlamentar responsável pelas finanças e administração interna), expressaram abertamente sua oposição ao projeto. (3)

Perspectivas

Até o momento, a luta das populações locais e das associações ambientais contra o projeto de eucalipto da empresa Sequoia não produziu um balanço claro. Apesar da abundância de evidências de que a monocultura de eucalipto é perigosa e da oposição esmagadora ao projeto de plantação nos vilarejos vizinhos, as ações ilegais da Sequoia estão ganhando terreno.

Mas as comunidades e associações que se opõem ao projeto estão alertas e acompanhando de perto os acontecimentos. Elas estão profundamente preocupadas com o fato de as plantações colocarem em risco sua soberania alimentar. Elas expressaram sua oposição às plantações, e os líderes comunitários não cessam de colocar à frente o que as comunidades realmente precisam para seu desenvolvimento:

"Precisamos de soluções para o problema das intrusões de elefantes e precisamos melhorar as plantações de alimentos, além de construir a estrada. Não às árvores de eucalipto", diz o chefe do vilarejo de Ekouyi. O chefe do vilarejo de Souba, no departamento de Djouori Agnili, acrescenta: "Não ao eucalipto, sim aos tratores para as plantações locais".

Na mesma linha, os chefes das aldeias de Saye e Kabala/Akou disseram: "Precisamos de soluções para a agricultura de alimentos e a construção de estradas, não aos eucaliptos" e "Precisamos mecanizar nossa agricultura porque nos planaltos plantamos mandioca, abacaxi, milho e inhame, não eucalipto".

DR. René Noël Poligui (CREPB) e Remi Messessi Komlan (JVE GABON)


(1) Leconi Agroforestry Project in Haut-Ogooue (LAPHO). VCS ID-Nr. 4543. Project «under development».
(2) Programas de rádio.
(3) https://magazinesuperstar.com/solidarite-internationale-bertin-kourouvi-sallie-a-bertrand-zibi-pour-contrer-les-plantations-deucalyptus-au-gabon/

A “política climática” da Tailândia, baseada na compensação: mais caos climático e injustiça

A compra de créditos de carbono gerado em florestas ou projetos de plantio de árvores sob o mecanismo de REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) se tornou muito popular em todo o mundo. O REDD possibilitou que muitas empresas e governos alegassem ser “neutros em carbono”, mesmo que o mecanismo tenha se revelado um fracasso. Essa estratégia não dá certo porque, uma vez emitido, o carbono “armazenado” em árvores tem um impacto sobre o clima que é muito diferente daquele causado pelo carbono emitido por “estoques” subterrâneos de petróleo, gás ou carvão (1). Assim, após mais de 18 anos de projetos e programas de REDD em todo o mundo, a crise climática só piorou. Enquanto isso, a única maneira de reverter o caos climático é deixar de extrair combustíveis fósseis.

Após a Cúpula da Terra de 1992, no Rio (o encontro que colocou a questão climática na agenda internacional), o governo tailandês começou a formular e implementar sua “política climática”. A Tailândia tem se mostrado particularmente interessada em uma política baseada na compensação de carbono, uma opção atraente para indústrias poluidoras porque é mais barata do que reduzir as emissões causadas pela queima de combustíveis fósseis. As compensações permitem que as empresas comprem créditos de carbono de projetos localizados em outros lugares, ou seja, que elas “comprem” o direito de continuar poluindo.

Após o lançamento internacional do mecanismo de REDD, em 2007, o Ministério de Recursos Naturais e Meio Ambiente criou a Organização para os Gases de Efeito Estufa da Tailândia (TGO, na sigla em inglês) para promover a compensação e o comércio de carbono. Em 2009, o país se tornou membro da Parceria para o Carbono Florestal (Forest Carbon Partnership Facility, FCPF) do Banco Mundial para “se preparar” para o REDD. Em 2014, o governo criou o mecanismo de Redução Voluntária de Emissões da Tailândia (T-VER), regulamentado pela TGO. Após ratificar o Acordo de Paris (2016), a Tailândia definiu sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) para combater as mudanças climáticas, que incluía ter reduzido suas emissões de GEE em até 40% em 2030, tornar-se “neutra em carbono” até 2050 e ter emissão “líquida zero” (net-zero) de GEE até 2065.

O apoio do Banco Mundial, por meio da FCPF, foi fundamental para que o governo tailandês formulasse sua estratégia de REDD para o período de 2023 a 2037. Em 2021, o governo apresentou a estratégia ao parlamento do país para aprovação. A meta é aumentar a cobertura florestal do país, dos atuais 31% para 40% em 2037. O governo alega que isso levaria à redução de até 120 milhões de toneladas nas emissões de CO2. Enquanto essa proposta ainda aguarda aprovação no parlamento (e o posterior financiamento volumoso esperado tanto do Banco Mundial quanto de outros doadores), o governo tailandês anunciou um plano ainda mais ambicioso para compensar as emissões de CO2: usar as chamadas “áreas verdes”, com a meta de cobrir 55% do território do país (mais da metade!) com essas áreas.

A criação de “áreas verdes” em vez de florestas gera incentivos para empresas privadas investirem não apenas em projetos de reflorestamento, mas também em plantações industriais de dendê e qualquer tipo de projeto de monocultura de árvores, como plantações de eucalipto, acácia, seringueira ou teca. A seguir, as empresas podem obter créditos de carbono para esses projetos, que supostamente compensam suas emissões. Nas últimas décadas, a expansão industrial do dendê tem sido uma das maiores causas diretas do desmatamento tropical em todo o mundo e, portanto, uma grande fonte de emissões de CO2. Atualmente, a Tailândia tem cerca de um milhão de hectares de plantações de dendezeiros e planeja ampliar ainda mais essa área nos próximos anos (2). Todos os grandes projetos industriais de monocultura de árvores causam fortes impactos, incluindo grilagem de terras, impactos ecológicos, uso de violência e despejos forçados, tudo com grande intensidade.

O plano para implementar essas “áreas verdes” e incorporar mais da metade do país a mecanismos de compensação de carbono está sendo coordenado sob os auspícios do programa T-VER e prevê um enorme incremento da área de plantações de árvores, totalizando 30 milhões de rais (4,8 milhões de hectares). Em setembro de 2024, 460 projetos foram registrados no programa, 87 dos quais envolvem plantações de árvores. A alegação é que, juntos, eles supostamente evitarão a emissão de 13 milhões de toneladas de CO2.

A política econômica da Tailândia perpetua a dependência em relação aos combustíveis fósseis

O papel central das compensações de carbono na “política climática” da Tailândia pode ser mais bem compreendido quando se olha para os planos de desenvolvimento econômico e a matriz energética do país. Atualmente, 70% de suas emissões de GEE vêm da queima de combustíveis fósseis. A proposta de plano de energia feita pelo governo em 2024 para o período de 2024-2037 prevê que os combustíveis fósseis, principalmente gás e carvão, continuem sendo a principal fonte de energia da Tailândia, respondendo por 48% do fornecimento de energia do país. Essa fonte será complementada por energia solar e outras fontes renováveis ​​(32%), energia hidrelétrica (17%) e outras.

A dependência da Tailândia em relação aos combustíveis fósseis serve como justificativa para que sua política de desenvolvimento econômico esteja focada na implementação de uma rede de 15 das chamadas “Zonas Econômicas Especiais” (ZEEs), incluindo “corredores econômicos” (3). Essas áreas garantem condições especiais para investidores, como incentivos fiscais e concessões de até 99 anos, e se espera que atraiam investimentos estrangeiros, principalmente da China, do Japão e dos Estados Unidos.

Mas esses projetos também gerarão, inevitavelmente, mais apropriação de terras e mares, bem como mais emissões de GEE baseadas em combustíveis fósseis, devido a todas as atividades de construção, de transporte e industriais envolvidas. Por exemplo, o Corredor Econômico do Sul (SEC) planejado nessa parte do país cobrirá 14 províncias. Os locais-piloto estarão nas províncias de Ranong, Chumphon, Nakhon, Thammarat e Surat Thani, cobrindo uma área total de 300 mil rais (48 mil hectares). O projeto incluirá um porto de águas profundas, bem como indústrias químicas, de petróleo e de processamento de alimentos. O SEC destruirá áreas costeiras e florestais, deslocará comunidades e terá forte impacto na segurança alimentar das comunidades próximas. Para contextualizar, é uma região que inclui inúmeras comunidades que dependem de manguezais e um sítio Ramsar (4) para conservação da biodiversidade.

Lucro de empresas e lavagem verde

Em vez de abordar o grave problema do caos climático e suas causas profundas, a “política climática” do governo tailandês — como as de tantos outros países — beneficia investidores internacionais e o já privilegiado setor privado do país. Essa “política climática” também proporciona um benefício a mais às empresas de combustíveis fósseis altamente poluentes: permite que elas façam lavagem verde e desviem a atenção de atividades destrutivas e das  violações que cometem.

Um exemplo de empresas que fazem lavagem verde e desviam a atenção das violações que cometem é a companhia nacional tailandesa de petróleo e gás, a PTT. Ela importa gás de Mianmar para garantir o fornecimento na Tailândia, e os pagamentos que a PTT faz ao regime militar lhe permitem continuar uma guerra sangrenta contra seu próprio povo (5). Ataques aéreos do exército de Mianmar já mataram milhares de cidadãos do país, e milhões deles se tornaram refugiados. No entanto, a PTT, com sua participação no programa de compensação T-VER, projeta a imagem de uma empresa social e ambientalmente responsável. Em 2023, anunciou que irá “reflorestar” 2 milhões de rais (320 mil hectares) em todo o país até 2030. Seu CEO afirma que a PTT “cumpriu rigorosamente sua missão de manter a segurança energética, bem como de cuidar da sociedade e do meio ambiente nos últimos 45 anos” (6).

Mais injustiça social e mais resistência

Comunidades tailandesas que vivem nas florestas, dependem delas e as cuidam tiveram que enfrentar pelo menos duas grandes ameaças: ataques ao seu território como resultado de uma política econômica destrutiva (incluindo as ZEEs) e uma política conservacionista violenta e autoritária que está sempre tentando expulsá-las da floresta (7). E agora, a pressa para instalar projetos de carbono que passariam a controlar suas terras (tudo sob pretexto de “compensar” a poluição em outro lugar) é uma ameaça extra, que elas enfrentarão cada vez mais.

Quanto ao Corredor Econômico do Sul (SEC), no sul da Tailândia, as comunidades já estão protestando contra esses planos. Elas escreveram cartas a investidores manifestando suas preocupações, inclusive falando sobre como esse projeto representa uma ameaça aos seus meios de subsistência. Mas, como em outros países, as comunidades tailandesas costumam aceitar projetos de carbono por causa dos benefícios prometidos pelo governo e por ONGs. No país, 89 comunidades registraram 121 chamadas “florestas comunitárias” no esquema T-VER, incluindo comunidades do sul que dependem de manguezais. Talvez uma razão para essa aceitação seja que esses projetos não envolvem diretamente a destruição aberta e visível causada por outros tipos, como mineração, plantações de árvores, portos de águas profundas e zonas industriais.

Consequentemente, várias comunidades no sul da Tailândia já assinaram contratos de até 30 anos para vender créditos de carbono (8). De acordo com esses contratos, as comunidades receberiam 20% das vendas, enquanto 70% iriam para o desenvolvedor do projeto de carbono e 10% para o governo. Para receber sua parte, a comunidade precisa garantir que o carbono “armazenado” nas áreas de mangue não apenas será mantido lá, mas também aumentará ao longo do período do projeto. Contudo, não está claro o que isso significa na prática, pois o contrato não fala claramente sobre, por exemplo, restrições à entrada e uso dos manguezais. O que o contrato do projeto de carbono diz é que ele pagará às pessoas da comunidade para trabalhar no projeto – o que significa monitorar a área de mangue contra ameaças potenciais. Mas quais são essas ameaças, se as comunidades sempre cuidaram da floresta?

Experiências de outros lugares nos mostraram que, na maioria das vezes, essas “ameaças” são os próprios membros da comunidade, quando querem cortar uma árvore ou pretendem “perturbar” o carbono armazenado no mangue. Esses projetos também geram conflitos dentro das comunidades. Por exemplo, é comum que haja divisões entre uma minoria que se beneficia do projeto de alguma forma (por exemplo, por meio de empregos) e uma maioria que é excluída desses benefícios e até mesmo prejudicada pelo projeto. É muito provável que haja conflitos ​​na Tailândia, onde as pessoas que vivem em áreas florestais têm sido historicamente ignoradas e perseguidas, e nenhum direito à terra lhes foi reconhecido. Devido a esse precedente histórico de ignorar os direitos dos moradores da floresta, os novos “detentores de direitos” de carbono (empresas que promovem e compram os créditos) não costumam informar adequadamente as comunidades sobre seus projetos, muito menos buscar o consentimento delas.

Porém, cada vez mais, comunidades e movimentos populares em toda a Tailândia têm começado a falar e buscar entender melhor o que realmente está acontecendo com a “política climática” do governo. Eles estão falando sobre como os esquemas de compensação de carbono tendem a piorar o caos climático e causar mais injustiça social, e não o oposto (9).

A luta deles pode nos ajudar a lidar com as múltiplas crises que a Tailândia está enfrentando, apontando uma nova direção: em vez de promover mecanismos de compensação de carbono que aumentam os lucros das empresas com base na extração e na queima de combustíveis fósseis, podemos promover e reconhecer os direitos de quem depende da floresta, como as comunidades dos manguezais do sul da Tailândia que dependem e cuidam dessas florestas há muitas gerações. Apoiar suas lutas e suas demandas pode promover a justiça social e climática no país.

Secretariado Internacional do WRM, com contribuição de Surin Onprom (pesquisador independente) e Bandita Yangdee (Center for Ecological Awareness Building)

(1) https://www.wrm.org.uy/pt/15-anos-de-REDD-Todo-o-carbono-e-igual
(2) https://www.krungsri.com/en/research/industry/industry-outlook/agriculture/palm-oil/io/plam-oil-industry-2024-2026
(3) https://www.thailand.go.th/issue-focus-detail/006-023
(4) So-called wetlands of international importance, see www.ramsar.org
(5) https://globalmayday.net/bloodmoneymyanmar/
(6) https://www.nationthailand.com/business/corporate/40030072
(7) https://www.wrm.org.uy/pt/artigos-do-boletim/colonialismo-florestal-na-tailandia
(8) https://dialogue.earth/en/nature/thailand-turns-to-mangrove-carbon-credits-despite-scepticism/
(9) The People's Network for Climate Justice and Against Greenwashing. Stop Greenwashing Say No to Carbon Offset End the false solutions to climate crisis. 14 October 2024, Veja aqui.

 

O Programa de Produção Alimentar Merauke, em Papua: uma tragédia anunciada

Em 2023, a administração do presidente da Indonésia, Jokowi, anunciou um programa de produção de alimentos de 2 milhões de hectares no sul de Papua, centrado em plantações de arroz e cana-de-açúcar, ignorando que programas semelhantes já fracassaram totalmente, levando a muita apropriação de terras e violações dos direitos de povos indígenas, além de gerar mais lucros para as empresas. Sendo implementado em alta velocidade, o novo programa “PSN Merauke” poderá se tornar o maior projeto de desmatamento em nível mundial, sobreposto a terras consuetudinárias e afetando diretamente 40 mil indígenas. Leia o documento informativo da PUSAKA pedindo a suspensão imediata do PSN Merauke em inglês aqui.