Denunciamos e resistimos aos impactos da Economia Verde sobre as Mulheres e as Florestas

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Declaração do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM), março de 2016.

A Berta Cáceres e ao Povo Lenca: a luta continua!

No mês de março, comemoram-se duas datas importantes: o Dia Internacional da Mulher (8/3) e o Dia Internacional das Florestas (21/3).  As mulheres cumprem um papel fundamental na conservação e nas lutas pela defesa das florestas, da água e dos territórios. A mal denominada “Economia Verde”, enraizada no sistema capitalista patriarcal, gera e aprofunda as injustiças de gênero, com impactos especiais e diferenciados sobre as mulheres. 

Nos últimos anos, as discussões “oficiais” sobre a importância das florestas ganharam notoriedade a ponto de, em 2013, a Assembleia da ONU decidir lançar o Dia Internacional das Florestas, com o objetivo de conscientizar sobre sua importância. Contudo, as discussões não estão centradas na abordagem das causas diretas e subjacentes do desmatamento, e sim no contrário. As florestas e a diversidade biológica que elas abrigam foram reduzidas a um conjunto de elementos, “serviços ecossistêmicos”, aos quais foi atribuído um valor econômico que permite ampliar a escala e a magnitude dos negócios. Esse processo é conhecido como “Economia Verde” (1) e é intensificado pela definição equivocada de florestas usada pela ONU e pela FAO, que não as distingue dos monocultivos de árvores. (2)

“Economia Verde” não significa transformar a atual economia em outra, não prejudicial, que respeite as florestas e, portanto, reconheça a importância dos povos que dependem delas. Pelo contrário, seus promotores buscam algo muito diferente. As florestas da “Economia Verde” reforçam a noção colonialista de pretender “conservar” uma coleção de espécies que devem permanecer sem interação humana. A negação do papel que durante milhares de anos cumpriram os povos das florestas em sua conservação afeta em especial às mulheres. São precisamente elas que têm um papel fundamental na conservação e no uso tradicional da floresta, na transmissão do conhecimento tradicional, no abastecimento de alimentos, água e remédios para as comunidades. Além disso, elas têm um papel preponderante nas lutas de resistência em defesa de seus territórios.

A propagação dos projetos de compensação, como o REDD+ e os mecanismos de compensação de biodiversidade, nos quais as empresas poluidoras responsáveis pelo desmatamento podem continuar com suas atividades argumentando que estão “compensando” a destruição gerada, foi facilitada pela “Economia Verde”. Assim, as florestas são colocadas a serviço da mesma economia opressiva e patriarcal que continua inalterada, com sua sequela de destruição.

E o que aconteceu com as mulheres nesse impulso da “Economia Verde”?

Os projetos de “conservação” – como o REDD+ – costumam impor às comunidades inúmeras restrições no uso tradicional das florestas, argumentando que esse uso tradicional é o principal responsável pelo desmatamento. Enquanto isso, permitem expandir a exploração de petróleo, gás e minérios, as plantações industriais de monocultivos, a construção de megarrodovias e represas, entre outros.

Os projetos e os programas do tipo REDD+ já demonstraram como, em sua maioria, alteraram drasticamente a vida das comunidades que dependem das florestas, sendo impostos sem a devida consulta, muito menos consentimento, e as privando do acesso a territórios e florestas vitais para sua sobrevivência (3). As comunidades que têm convivido com as florestas por incontáveis gerações enfrentam leis, regulamentos e contratos que buscam proibi-las de continuar com suas tradições, formas de sustento e estilos de vida. Além disso, aquelas comunidades que enfrentam a crescente exploração capitalista devem seguir confrontando o despojo, a poluição e a violência que ela implica. Nesse contexto, as mulheres são muito afetadas.

O atual sistema patriarcal atribuiu às mulheres os papéis de prover a alimentação, realizar as tarefas domésticas e cuidar da família. A proibição e a restrição do uso da floresta implicam em uma maior carga de trabalho e mais dificuldades para levar adiante as tarefas de agricultura de subsistência, coleta de água e remédios, etc. Além disso, o aumento na carga de trabalho limita ainda mais a possibilidade de as mulheres participarem ativamente de processos de tomada de decisões, que são importantes para a vida delas e nas quais elas deveriam ter participação. A Aliança Global de Povos Indígenas e Comunidades sobre a Mudança Climática e Frente ao REDD+ aponta que “está claro que o REDD+ constitui uma nova forma de violência contra a mulher, pois limita ou proíbe o acesso delas à terra onde cultivam, colhem alimentos ou obtêm água para suas famílias” (4), atividades que estão, em sua grande maioria, nas mãos das mulheres nas comunidades rurais do mundo, sem esquecer que as mulheres também possuem menos, herdam menos e, em geral, têm menos acesso a bens da comunidade.

Outro impacto negativo específico sobre as mulheres que já foi gerado pelos projetos da “Economia Verde” é o aumento da violência por parte da polícia que empresas ou estados contratam para a vigilância desses projetos. Há numerosos relatos de mulheres sobre a violência que a polícia exerce ao irromper nas casas, portando armas e sem autorização (5).

Ao atacar a soberania alimentar, o território e a autonomia das comunidades, ataca-se diretamente o papel vital das mulheres.

A lógica da “Economia Verde” aumenta os interesses econômicos e políticos sobre os territórios. Enquanto, por um lado, os mecanismos de compensação facilitam as atividades extrativas, de plantações, represas, infraestrutura, etc., intensificando a destruição, a tomada das florestas pelos projetos de “conservação”, que abrigam “serviços ecossistêmicos” visados pelo capital, aumenta ainda mais a pressão sobre os territórios. Em consequência, também aumentaram os conflitos e as lutas de resistência diante dessa dupla tomada de terras. Isso, por sua vez, deu lugar à militarização e ao uso de tecnologias como satélites ou drones, e a medidas especiais de vigilância e supervisão sobre as comunidades que vivem em zonas florestais qualificadas como provedoras de “serviços ecossistêmicos”, o que aumenta significativamente a violência.

As mulheres são tão centrais aos processos de resistência frente à “Economia Verde” quanto àqueles de construção de outros caminhos rumo a uma transformação radical, solidária e reivindicatória. Como bem afirmou Berta Cáceres, lutadora e defensora do território e do povo Lenca: Em nossas cosmovisões, somos seres surgidos da terra, da água e do milho. Nós, o povo Lenca, somos guardiães ancestrais dos rios, que também são resguardados pelos espíritos das meninas, que nos ensinam que dar a vida de múltiplas formas pela defesa dos rios é dar a vida pelo bem da humanidade e deste planeta… Nossas consciências serão sacudidas pelo fato de estarmos apenas contemplando a autodestruição baseada na depredação capitalista, racista e patriarcal”.

São incontáveis os exemplos de organizações e lutas guiadas pela força das mulheres – mulheres que andam juntas, aprendendo e construindo solidariedades, e criando formas de luta e resistência criativa e valente.

Nós nos solidarizamos com as lutas das mulheres em defesa das florestas e territórios.

(1) Ver o Boletim 222 do WRM: “Economia Verde, dando imunidade a criminosos”,http://wrm.org.uy/pt/artigos-do-boletim-do-wrm/secao1/a-economia-verde-dando-imunidade-a-criminosos/
(2) Ver o vídeo do WRM sobre a promoção da FAO pelo dia internacional das florestas,http://wrm.org.uy/pt/outras-informacoes-relevantes/em-relacao-a-agua-as-plantacoes-tambem-nao-sao-florestas/
(3) Ver o livro do WRM, “REDD, uma coleção de conflitos, contradições e mentiras”http://wrm.org.uy/pt/livros-e-relatorios/redd-uma-colecao-de-conflitos-contradicoes-e-mentiras/
(4) http://www.ienearth.org/global-alliance-of-indigenous-peoples-and-local-communities-on-climate-change-against-redd-and-for-life/
(5) http://wrm.org.uy/pt/artigos-do-boletim-do-wrm/secao1/economia-verde-no-brasil-mulheres-relatam-os-impactos-do-projeto-redd-da-spvs-e-de-uma-area-protegida-da-fundacao-boticario/