Durante centenas de anos, parece que o continente africano tem sido considerado pelos países do Norte como um tipo de loja de conveniência com produtos prontos para levar – no início, tratava-se principalmente de mercadorias raras e exóticas como gemas, metais preciosos, marfim, plantas e escravos; e posteriormente, de itens mais básicos como minerais, alimentos, madeira e petróleo. Mas há uma nova corrida para explorar os recursos da África, desta vez visando aos recursos realmente básicos- o solo fértil, a água relativamente abundante, e a mão-de-obra de baixo custo representada pelas pessoas pobres em todo o continente.
A diferença principal entre como os produtos são vendidos em uma loja de conveniência e o que tem acontecido com a África é que as lojas operam sob o princípio democrático de ‘comprador voluntário- vendedor voluntário’, e é reconhecido o direito do proprietário do negócio a fazer e manter um benefício justo. Mas, no caso da África, tem ocorrido transações basicamente unilaterais nas que os proprietários da loja, no caso as nações africanas, foram obrigados a realizá-las. Os militares apoiaram as incursões para fazer compras por parte dos britânicos e da maioria dos países europeus que viam a África dividida em colônias, que ainda estão, em grande medida, dominadas por seus ex-donos.
O que acontece com os lucros? Com certeza as transações renderam muito dinheiro, mas parece que os países que foram saqueados de sua riqueza natural ainda estão por ver os benefícios, se é que isso acontece. Em vez disso, o dinheiro foi tirado secretamente da África de várias formas: como ‘comissões’, benefícios, honorários de consultores, tributos, impostos de importação, etc. ou exportado na forma de ativos privados por parte de líderes corruptos e exilados desiludidos.
Mas o motivo mais provável para essa situação é que os lucros têm sido na verdade obtidos fora da África- freqüentemente através da prática de subfaturamento ou de tarifas de manejo infladas entre as empresas relacionadas, bem como através de uma série de outros meios que incluem a manipulação dos mercados e as atuais taxas cambiais, e obviamente as sempre favoritas, provocativas e secundárias guerras regionais que distorcem os preços das mercadorias e mantêm a indústria armamentista em funcionamiento.
Em nome da ‘indústria e o comércio’, vastas áreas da paisagem africana já passaram de ecossistemas prístinos a terras baldias despojadas e marcadas com cicatrizes. Da devastação da mineração superficial em Namaqualand aos montes de resíduos minerais que rodeiam a cidade de Joanesburgo; das bacias erodidas das áreas interioranas às áreas úmidas e estuários colmatados; das áreas desérticas de lavouras mal-sucedidas nas áreas secas aos solos envenenados das plantações de cana-de-açúcar na área úmida costeira.
Todos esses custos ecológicos, bem como as conseqüências sociais e demográficas foram considerados historicamente como o preço do ‘progresso’, uma contingência inevitável pela qual ninguém pôde ser responsabilizado. Os depósitos de resíduos radioativos da extração e processamento do urânio; as cidades e povos contaminados por amianto; os rios e oceanos poluídos com as sobras geradas pelo primitivo processo industrial de minerais, culturas agrícolas tais como cana-de-açúcar, cacau e sisal e plantações para madeira durante décadas. Isso tudo inteiramente de graça: Gentileza do ‘generoso’ povo da África!
Os culpáveis deram a independência a suas colônias- e saíram do problema que tinham criado, livres de toda responsabilidade pela restauração, descontaminação ou reabilitação das áreas que tinham degradado ou poluído! Contudo, eles foram cautelosos ao não fechar a porta, e com programas de ajuda financeira (apoio ao regime político) habilmente elaborados garantiram que sempre teriam a opção de reclamar o acesso aos recursos desses países.
A situação atual
Nos últimos anos, a demanda global por bens de consumo aumentou drasticamente, induzida pelo crescente consumo esbanjador nos países ricos, junto com o poder de desembolso das populações urbanas cada vez maiores nos países em desenvolvimento. A África escapou em grande medida dessa tendência destruidora, mesmo que a urbanização e o acesso à mídia tenham tido o efeito de influenciar especialmente os jovens com a propaganda de corporações multinacionais que vendem produtos desnecessários e freqüentemente prejudiciais tais como refrigerantes, cigarros, telefones celulares, bebidas alcoólicas e guloseimas.
A demanda por matérias-primas básicas também floresceu em países como a Índia, China e Brasil, e isso levou a uma competição cada vez maior pelos recursos disponíveis. Os países ricos da UE escolheram tirar proveito de seus próprios recursos, promovendo a expansão de plantações para madeira e agrocombustíveis (biocombustíveis) em suas terras como uma forma de garantir a futura auto- suficiência de madeira e agrocombustíveis. Ao subsidiarem a produção de alimentos em suas terras agrícolas, os preços mundiais foram artificialmente rebaixados, fazendo que as importações de alimentos desde os países do
Sul ficassem convenientemente baratas até faz pouco tempo
Mas isso começou a mudar drasticamente, principalmente em decorrência do efeito imprevisto da luta global por terras para a produção de agrocombustíveis. Contudo, a situação é bem mais complexa. Talvez não seja uma coincidência que os eventos das últimas décadas culminassem em uma situação onde tudo parece favorecer o encontro da ambição pela energia e a avidez por mercadorias nos países do Norte, enquanto a África e outras nações do Sul estão vendo como seus recursos estão sendo sugados em um ritmo que não pára de aumentar.
Então, o que acontece com as plantações de árvores?
Mesmo que já haja muitas áreas com plantações de árvores de diferentes tipos na África- de cacaueiros, seringueiras, dendezeiros, coqueiros, madeiras duras exóticas e nativas, e diferentes espécies de madeira para celulose (principalmente eucaliptos), uma nova onda de estabelecimentos de plantações de árvores tem sido lançada recentemente. Contudo, desta vez é diferente porque os objetivos dos novos projetos são aparentemente para ajudar na abordagem da mudança climática, o que não tinha sido considerado como fator no passado.
Supõe-se que algumas das novas plantações devem servir como sumidouros de carbono, consumindo e armazenando o carbono da atmosfera para compensar as emissões industriais dos países do Norte, e portanto para ganhar créditos de carbono comercializáveis para seus proprietários. Infelizmente, essas mesmas árvores serão as culpadas de deslocar outros tipos de vegetação e usos da terra que provavelmente teriam armazenado até mais carbono do que pudesse se esperar com a nova plantação – mesmo que as deixassem crescer indefinidamente, e não as cortassem para transformá-las em embalagens e papel!
As novas plantações industriais para celulose simplesmente irão se juntar àquelas que já existem para alimentar o voraz apetite dos consumidores ricos do Norte por outros produtos descartáveis- fraldas para bebês, absorventes e variadas toalhas de papel que irão gerar emissões extra de metano nos lixões; milhões de toneladas de lenços de papel que serão convenientemente jogados nos oceanos e rios; bilhões de itens de propaganda postal que ficarão apodrecendo em esgotos e sarjetas, bem como todo tipo de inutilidades imagináveis de papel.
O dendezeiro africano vem sendo plantado principalmente nas regiões tropicais, e a expansão de plantações de dendezeiros também leva ao desmatamento e degradação do solo. Mesmo que tenham sido identificados como uma fonte potencial para a produção de óleo para biodiesel, a alta demanda e os melhores preços das indústrias alimentícias e cosméticas têm garantido que a produção para biodiesel ainda não tenha conseguido vingar na África. Foi informado no site da Forest.org, http://forests.org/shared/alerts/send.aspx?id=ivory_coast_oil_palm, que empresas como a Unilever pretendem estabelecer novas plantações de dendezeiros em Costa do Marfim.
As extensas áreas que vêm sendo transformadas em monoculturas de árvores exóticas são aquelas que vêm sendo promovidas pelo lobby da jatrofa para biodiesel. Centenas de milhares de hectares já têm sido plantados ou destinados para plantações com essas espécies de árvores incrivelmente badaladas. Mesmo que pareça que não há nem sequer uma fábrica de biodiesel de jatrofa em escala industrial operando com sucesso em nenhum lugar do planeta, esse método de produzir biodiesel capturou a imaginação dos governos, corporações e investidores privados ao ponto que se tornou a primeira escolha para muitos investidores em projetos de produção de biocombustível. Mas isso aconteceu como resultado de uma campanha esmeradamente orquestrada com base em meias- verdades e mentiras, que alegam principalmente que essas árvores podem produzir volumes lucrativos de óleo ao serem plantadas em terras marginais, exigindo pouca água e nenhum fertilizante! Os mais audaciosos mentem ao dizer que a jatrofa irá ajudar a ‘reflorestar’ e a seqüestrar carbono, e portanto devem também servir para créditos de carbono! Ao que tudo indica, parece que as férteis terras de cultivo vêm sendo tomadas por plantações de jatrofa, forçando a agricultura alimentar às terras marginais que eram supostamente para a cultura de jatrofa.
E então surge o príncipe das plantações de árvores para uma futura África!- as árvores transgênicas de crescimento rápido que supostamente irão produzir biomassa que pode ser transformada diretamente em bioetanol para alimentar as demandas em alta da indústria do transporte rodoviário na Europa. Mesmo que a tecnologia ainda não tenha sido completamente desenvolvida e seus custos não tenham sido quantificados, as árvores transgênicas ainda não foram criadas no laboratório; e apesar dos potenciais impactos ambientais já estabelecidos, já há sinais que isso poderia até superar a jatrofa quanto à aposta publicitária! Não há dúvidas que agora mesmo estão sendo fechados acordos por mais terras africanas!
Definições e mensagens falsas
Junto com todos esses planos de cobrir partes da África com plantações de árvores, vem um alude de falsidades que são publicadas por organizações supostamente respeitáveis. No topo da lista está a FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) que, com seus esforços consistentes para definir e apresentar de forma inapropriada as plantações como florestas, tem contribuído em muito ao problema do crescente desmatamento que objetiva clarear terras para novas plantações de árvores, e do deslocamento e empobrecimento das comunidades locais afetadas. O UNFF (Fórum das Nações Unidas sobre Florestas) tem contribuído ao mesmo problema e incentiva ativamente (ilude) os governos africanos para incrementarem as plantações de árvores em seus países.
Outra é a UNFCCC (a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática), que tem promovido o uso de plantações de monoculturas de árvores como sumidouros de carbono sob o MDL (Mecanismo do Desenvolvimento Limpo) do Protocolo de Kioto. A UNFCCC também aprovou o uso de árvores transgênicas em sumidouros de carbono, mostrando uma total falta de consideração com os impactos negativos sobre a biodiversidade que essas árvores poderiam ocasionar.
O FSC (Conselho de Manejo Florestal) somou- se aos problemas criados pelas plantações de monoculturas de árvores ao certificar as piores plantações (muitas delas) como ‘florestas manejadas responsavelmente’. A despeito da ampla evidência dos problemas quanto à certificação FSC das plantações, o Greenpeace e o WWF- entre outros- ainda apóiam e endossam o FSC, e isso tem levado a uma situação em que a maior parte das novas plantações que vêm sendo estabelecidas está sendo justificada com o argumento de que plantações similares já foram certificadas como ‘sustentáveis’ pelo FSC. Isso também tem sérias implicações na expansão das plantações para biocombustíveis porque os chamados ‘critérios de sustentabilidade’ pelos quais os agrocombustíveis podem ser certificados estão de fato impulsando a apropriação de terras na África.
E assim o problema fica maior, e o povo africano mais empobrecido! As corporações se apropriaram do papel dos governos coloniais- com uma nova forma de imperialismo que inclusive tem menos consideração pelo meio ambiente e os direitos das comunidades locais. As plantações de árvores no longo prazo são o meio mais efetivo de deslocar e desempodeirar as pessoas. A madeira serrada monopoliza a terra durante no mínimo 25 anos; três rotações de eucaliptos para celulose irão tomar conta das terras e a água por mais de 25 anos também. As árvores de jatrofa são proclamadas como tendo uma vida produtiva de mais de 50 anos!
Então, quem é que se importa com a crise alimentar?
Wally Menne,
Timberwatch Coalition, e-mail: plantnet@iafrica.com, http://www.timberwatch.org.za/