Compensações nas florestas. Uma lógica que viola os direitos dos povos indígenas e tradicionais e facilita o desmatamento. Uma compilação de artigos do Boletim do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM). >>> Faça o download em PDF
O Acre é um estado relativamente pequeno do oeste da Amazônia brasileira, na fronteira com o Peru e a Bolívia. É conhecido como o lugar onde morava Chico Mendes, que foi assassinado em 1988 por lutar pelos direitos dos seringueiros e se tornou um símbolo no Brasil e no mundo em função de sua luta por justiça social na floresta.
O estado do Acre também ficou famoso em todo o mundo por razões bem diferentes, ao ser citado como modelo para a chamada Economia Verde nas áreas de floresta tropical. Esse modelo se baseia em atribuir preço à natureza e afirmar que as florestas de um lugar podem ser destruídas sem danos gerais à natureza, desde que sejam “recriadas” em outros lugares. Ou que as empresas podem continuar a poluir e queimar combustíveis fósseis, como petróleo e carvão, e alegar que não causam mudanças climáticas – desde que paguem, por exemplo, ao Acre, pela promessa de manter as florestas do estado em pé, como depósito de carbono. Com esse pagamento pelo chamado “serviço ecossistêmico de armazenamento de carbono”, a empresa poluidora pode alegar ter compensado os danos climáticos causados pela queima de petróleo ou carvão. Essa ideia é chamada de compensação de carbono.
Comprar créditos – ou compensações de carbono, como também são chamados – talvez seja bom para as relações públicas das empresas, mas é ruim para o clima, as florestas e as comunidades convivendo com a floresta. É ruim para o clima e as florestas porque a destruição causada pela exploração e a queima de petróleo e carvão continuará. É ruim para as comunidades porque, como demonstram os artigos desta compilação, a compensação de carbono traz conflito, desapropriação e controle externo sobre as florestas comunitárias.
A Encíclica Laudato Sí, de 2015, alerta sobre as consequências de se cair nessa ilusão de que é possível compensar os danos climáticos resultantes da queima contínua de combustíveis fósseis:
“171. A estratégia de compra e venda de ‘créditos de carbono’ pode levar a uma nova forma de especulação, que não ajudaria a reduzir a emissão global de gases poluentes. Esse sistema parece uma solução rápida e fácil, com a aparência de um certo compromisso com o meio ambiente, mas não possibilita qualquer mudança radical à altura das circunstâncias. Pelo contrário, pode acabar sendo uma manobra que permita manter o consumo excessivo de alguns países e setores.”
O Acre se tornou um modelo internacional que foi pioneiro precisamente desse comércio de créditos de carbono vinculado a um mecanismo originalmente chamado de REDD, que significa Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal). O que poderia parecer bom à primeira vista se revelou uma ideia muito prejudicial para o clima (porque não ajuda a reduzir as emissões e justifica a continuação de queima de petróleo e carvão mineral), para a floresta (porque não ajuda a reduzir o desmatamento, como mostraram os muitos incêndios recentes na Amazônia) e para as comunidades (porque responsabiliza os pequenos agricultores e os povos indígenas pelo desmatamento, restringe o uso que eles podem fazer da floresta, gera muitos conflitos e permite que proprietários de projetos de REDD vindos de fora monitorem e controlem o uso do território). Essa realidade do REDD está longe dos benefícios prometidos às comunidades que dependem da floresta. Essas promesas que o REDD trazeria benefícios para as comunidades podem ser encontradas no colorido material de relações públicas sobre REDD distribuído amplamente pelo governo do Acre e seus parceiros, como o Banco Mundial e as grandes ONGs de conservação.
Hoje, essa ideia do REDD – salvar florestas vendendo créditos de carbono a empresas poluidoras ou a países que preferem não reduzir suas próprias emissões – assumiu vários nomes, como “soluções climáticas naturais” (quando todos sabemos que a única solução para evitar uma crise climática é manter o petróleo e o carvão no solo), “restauração da paisagem” ou “economia de base biológica”. Os nomes podem estar mudando, mas as consequências para as comunidades amazônicas permanecerão as mesmas, porque continuam sendo soluções falsas, impostas a partir de fora às comunidades que dependem da floresta na Amazônia.
Nos últimos anos, comunidades, ativistas e organizações locais que apoiam as lutas comunitárias por justiça social vêm construindo – no espírito de Chico Mendes – uma aliança contra a “economia verde” e sua lógica de compensação. Eles documentaram os múltiplos impactos negativos dessa falsa suposição de que as emissões resultantes da queima de carbono fóssil contido no petróleo, no carvão ou no gás podem ser compensadas pagando pelo armazenamento de carbono na floresta do Acre.
Os artigos e declarações desta compilação foram publicados originalmente no boletim e no site do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais. Eles contam a história de como o REDD representa uma ameaça para as comunidades dependentes da floresta na Amazônia e não foi capaz de ajudar a prevenir o desmatamento. Vários artigos abordam lutas específicas das comunidades do Acre para defender suas florestas e territórios da destruição e do REDD.
Diga não à falsa solução de compensação de carbono e REDD!