O Conselho do Fundo Verde para o Clima (GCF) deve dizer Não a mais solicitações de financiamento de REDD+. Essa é a mensagem de mais de 80 organizações para o Conselho do GCF, em 17 de agosto de 2020. As organizações pedem que o Conselho rejeite principalmente duas solicitações de “Pagamentos Baseados em Resultados” por desmatamento supostamente reduzido anos atrás.
As organizações pedem a rejeição desses dois pedidos de financiamento dos governos da Indonésia e da Colômbia, que o Conselho do GCF irá discutir em sua 26ª reunião, de 18 a 21 de agosto. O governo indonésio supostamente reduziu as emissões do desmatamento durante o período de 2014 a 2016, e o governo da Colômbia afirma ter feito isso em 2015-2016. Seria vergonhoso se o Conselho do GCF recompensasse governos que continuam a se envolver e promover fortemente o desmatamento em grande escala.
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Carta aberta aos membros do Conselho do Fundo Verde para o Clima (GCF):
O Conselho do GCF não deve aprovar mais solicitações de financiamento para REDD+ e deve rejeitar principalmente dois pedidos dos chamados “Pagamentos Baseados em Resultados” por reduções em desmatamento ocorridas anos atrás: o governo da Indonésia supostamente reduziu as emissões decorrentes do desmatamento no período de 2014 a 2016, e o da Colômbia afirma ter feito isso entre 2015 e 2016.
Seria vergonhoso se o Conselho do GCF recompensasse governos que continuam praticando e promovendo desmatamento em grande escala. É importante lembrar que a suposta redução de emissões resulta da comparação dos índices de desmatamento atuais com níveis de referência derivados de projeções futuras hipotéticas ou de médias de emissões passadas, infladas durante os períodos de pico do desmatamento. Portanto, a maioria das supostas reduções relacionadas ao REDD+ deve ser considerada como reduções no papel, que pouco têm a ver com as emissões reais evitadas.
Em sua 26ª reunião, de 18 a 21 de agosto de 2020, o Conselho do Fundo Verde para o Clima (GCF) irá decidir mais uma vez sobre pedidos de financiamento relacionados ao REDD+. Essa abordagem, que tem dominado a política climática florestal internacional nos últimos anos, foi um fracasso, pois o REDD+ não conseguiu resolver o problema em questão: o desmatamento. Apesar das evidências cada vez maiores de que o REDD+ não é adequado para o propósito que se coloca – combater o desmatamento – , o GCF se tornou um grande financiador internacional do REDD+ desde 2019. O Fundo reservou 500 milhões de dólares para governos de países no Sul global que afirmam ter reduzido as emissões de carbono oriundas do desmatamento entre 2013 e 2018. Apesar das evidências de aumento do desmatamento nesses países, o Conselho do GCF já aprovou pedidos de financiamento dos governos de Brasil, Equador, Chile e Paraguai. A tendência atual de aumento do desmatamento em todos esses países mostra que seus governos deixaram de agir para reduzir o desmatamento ou tomaram medidas que ignoram as verdadeiras causas. Seria irresponsável o Conselho do GCF aprovar mais financiamentos para países onde o desmatamento cresce.
A aprovação dos pedidos de financiamento ignoraria tanto os índices crescentes de desmatamento na Colômbia e na Indonésia quanto o papel crucial dos governos de ambos os países nesse processo. Eles continuam distribuindo concessões e dando incentivos para os interesses privados, nacionais e internacionais, da indústria extrativa, do agronegócio e de outros setores que destroem florestas, além de planejar e implementar a infraestrutura que essas indústrias exigem.
Além disso:
1. O GCF está pagando aos governos por supostos resultados decorrentes da redução do desmatamento no passado. É provável que essas reduções de emissões só existam no papel: os governos da Indonésia e da Colômbia escolheram o período no qual elas teriam acontecido. Eles também definem os níveis de referência com os quais se compara o desmatamento real no período em que afirmam ter havido redução. Isso abre portas para a manipulação habilidosa de cálculos, com resultados favoráveis ao país em questão. Por exemplo, usando níveis de referência inflados, um país pode calcular as reduções de emissões do desmatamento que foi evitado, mesmo que os índices estejam aumentando. O que é vergonhoso é que o GCF aceite esses jogos e permita que os governos ignorem a dinâmica geral muito mais complexa do processo de desmatamento no tempo e no espaço. Na Colômbia, por exemplo, o índice de desmatamento começou a aumentar em 2016 e atingiu um pico em 2017. E o que fez o governo em seu pedido de financiamento ao GCF? Decidiu simplesmente excluir 2017 dos cálculos, concentrando o pedido apenas no período 2015-2016. E enquanto os governos colombiano e indonésio fazem seus pedidos e argumentam que merecem dinheiro porque reduziram o desmatamento anterior, o desmatamento atual na Colômbia e na Indonésia está aumentando. Pode-se argumentar que para o risco de um caos climático, faz pouca diferença se uma emissão entrou na atmosfera em 2015 ou 2020. Porém, esse pequeno atraso nas emissões como resultado do REDD+ sempre representou e sempre representará a grande diferença entre adiar as emissões do desmatamento por alguns anos e evitar a de forma permanente a liberação de carbono fóssil.
2. Para ser minimamente eficaz, o combate ao desmatamento em um determinado país deve se dar em âmbito nacional. Isso exige que os governos sejam coerentes em suas políticas de combate às verdadeiras causas do desmatamento, o que não é o caso da Indonésia e da Colômbia. Na Indonésia, por exemplo, para acelerar a recuperação econômica após a Covid-19, a desregulamentação está no topo da agenda do governo. Seu objetivo é acelerar 89 projetos prioritários – um investimento de 100 bilhões de dólares – que têm enormes impactos negativos sobre as florestas e as populações que dependem delas. Um exemplo da política de desregulamentação é a Lei Minerba (Lei de Mineração de Minerais e Carvão mineral), aprovada em maio de 2020 pelo parlamento indonésio. Em um país com 8.588 licenças para mineração já concedidas (cifras de 2018), a lei revisada permite que o tamanho da área de mineração seja ilimitado, com extensão automática, sem qualquer leilão ou possibilidade de redução da área. Essa mudança beneficiará principalmente as mineradoras de carvão cujas licenças expirariam em breve. Como pode o Conselho do GCF conceder 100 milhões de dólares em financiamento de REDD+ a um governo que promove ativamente o desmatamento em escala tão grande? Argumentar que é assim que o REDD+ funciona (pagando por supostos resultados passados enquanto ignora aumentos presentes) é uma admissão mal disfarçada de conveniência política em detrimento da disposição de reconhecer que, nesse caso, o problema está no mecanismo. Em qualquer dos casos, o resultado deveria ser que o Fundo Verde para o Clima deixasse de desperdiçar mais dinheiro em REDD+.
3. Um dos impactos mais problemáticos da experiência concreta do REDD+ nos últimos 10 a 15 anos é o que ela fez às comunidades que dependem da floresta. Os projetos e programas de REDD+ têm atribuído a responsabilidade pelo problema do desmatamento a quem mais zela pelas florestas tropicais, e têm restringido ou mesmo proibido suas práticas tradicionais na floresta, enquanto os responsáveis pelo desmatamento em grande escala continuam sua destruição praticamente sem impedimentos. Infelizmente, o GCF parece ter optado por seguir e até reforçar a falsa narrativa de REDD+. Juan Chang, vice-diretor do GCF, declarou em uma entrevista recente: “Se olharmos para o REDD+ como uma transição em que se proporcionam meios de subsistência sustentáveis em vez de atividades insustentáveis, então chega um ponto em que não se depende mais dos pagamentos do REDD+ para a subsistência e para manter a floresta. Esse deve ser o objetivo final”. Em outras palavras, Chang considera os moradores da floresta responsáveis pelo desmatamento. Ele defende uma visão em que o REDD+ deve transformar as “atividades insustentáveis” desses moradores em “sustentáveis”. Se esse “deve ser o objetivo final”, o que dizer dos verdadeiros causadores do desmatamento? Executivos de conglomerados de óleo de dendê, gigantes da mineração, barões do gado, grandes companhias de petróleo, especuladores financeiros ou os políticos que se beneficiam ao dar as concessões e as licenças necessárias para esse grande desmatamento – em outras palavras, os principais atores do jogo do desmatamento em grande escala não são estimulados por “pagamentos … para subsistência”, e sim pela ganância que não será afetada por um pagamento de 5 dólares por tonelada de CO2, referente a emissões supostamente reduzida.
Na verdade, todos os projetos de REDD+ financiados pelo GCF têm um foco muito forte nos moradores da floresta. Por exemplo, o principal programa a ser financiado com verbas de REDD+ aprovadas para o governo do Brasil em 2019 se chama “Floresta+”. Trata-se de apoiar pequenos agricultores, povos indígenas e comunidades tradicionais para a proteção da floresta amazônica. Além de já estarem fazendo isso, essas comunidades ainda não receberam nenhum apoio do programa. Enquanto isso, o desmatamento vem aumentando desde 2014 e está fora de controle desde 2019, quando Jair Bolsonaro assumiu a presidência. Os últimos números indicam um aumento de 34% entre agosto de 2019 e julho de 2020, em comparação com agosto de 2018/julho de 2019. E, o que é pior, o governo está promovendo ativamente o desmatamento. Fragilizou seus próprios órgãos de proteção da floresta, promove a desregulamentação ambiental e tem sido conivente com os crimes de madeireiras e grandes fazendeiros que invadem áreas protegidas, incluindo territórios de povos indígenas e outras comunidades que dependem da floresta. Pagar 96 milhões de dólares por “resultados” de REDD+ ao governo do Brasil enquanto o desmatamento dispara, também põe em risco a credibilidade do GCF. O argumento de que é assim que o REDD deve funcionar é apenas uma desculpa esfarrapada. Se isso for verdade, está na hora de descartar a ideia, e é ainda mais importante que o GCF deixe de financiar um mecanismo tão mal projetado!
4. Outra tendência ignorada e extremamente preocupante é a de vigiar, intimidar, perseguir e criminalizar cada vez mais, tanto na Colômbia quanto na Indonésia, aqueles que denunciam seus governos e o papel deles na promoção do desmatamento e na conivência com crimes sociais e ambientais. Segundo a Global Witness, a Colômbia é o país mais perigoso do mundo para os defensores da terra e do meio ambiente, com 64 pessoas mortas em 2019. Na Indonésia, os ativistas sofrem cada vez mais com vigilância, intimidação e prisões arbitrárias por parte das forças de segurança do Estado. A situação é particularmente preocupante em Papua Ocidental, rica em florestas tropicais com madeira, minerais, metais e terras férteis disponíveis para o lucro de atores privados e estatais. Nessa área extremamente militarizada, a destruição da floresta está fora de controle há anos, incluindo o período de 2014 a 2016, escolhido pelo governo da Indonésia em seu pedido de financiamento ao GCF. As comunidades e seus apoiadores sofrem constantemente com violência, prisões, destruição de propriedade, deslocamento interno, intimidação e ameaças de morte, agravadas ainda mais em tempos de Covid-19.
Por todas essas razões, conclamamos o Conselho do GCF a não aprovar outros pedidos de financiamento com base no REDD+, principalmente as duas solicitações que estão na agenda de sua 26ª reunião, apresentadas pelos governos da Indonésia e da Colômbia.
17 de agosto, 2020
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