A FERONIA na República Democrática do Congo: assédio, violência e opressão

As plantações de dendezeiros administradas pela empresa canadense de agronegócio FERONIA Inc. têm sofrido oposição de residentes locais desde que foram estabelecidas pela proprietária anterior, a multinacional de alimentos Unilever. Têm ocorrido regularmente incidentes de abuso e conflitos violentos decorrentes das plantações de dendezeiros da empresa na RDC. Em 2015, sete crianças ficaram órfãs depois que a polícia matou seus pais, pigmeus indígenas, por pegarem alguns frutos de dendê das plantações para alimentar seus filhos.

A FERONIA Inc., de propriedade majoritária da CDC – instituição financeira do governo do Reino Unido – e de outros bancos de desenvolvimento europeus e norte-americanos, ocupa mais de 100 mil hectares de terras disputadas na RDC para as plantações de dendezeiros. A empresa afirma possuir arrendamentos legais e ​​renováveis de 25 anos para todos os terrenos usados nas plantações de dendezeiros adquiridas com a compra da Plantations et Huileries du Congo (PHC) da multinacional Unilever em 2008. No entanto, resultantes de uma história da ocupação colonial, as terras das plantações da Unilever na bacia do Congo não foram devolvidas aos seus habitantes. Em vez disso, foram vendidas com lucro para um novo lote de empresas, entre as quais estava a FERONIA (ver artigo no Boletim 224 do WRM, maio-junho de 2016).

A empresa ocupa uma terra essencial para o sustento dos moradores locais e não paga salários nem fornece serviços básicos decentes, deixando-os com poucas alternativas que não seja trabalhar nas plantações da própria empresa, em condições extremamente precárias. Como exposto por um relatório divulgado em 2016 por organizações africanas, europeias e internacionais, (1) em setembro de 2015, a CDC declarou que os salários médios dos trabalhadores das plantações da FERONIA foram aumentados em 70%, chegando a uma média de 4 dólares por dia após ela investir na empresa em 2014. No entanto, os recibos de pagamento dos trabalhadores “superiores” (maneouvres supérieurs) das plantações de Lokutu – onde está uma das três plantações da FERONIA na RDC – mostram que os salários permaneceram em apenas 2 dólares por dia em todo o ano de 2015. Além disso, a remuneração dos trabalhadores diaristas, que constituem a grande maioria na plantação da FERONIA, é ainda mais baixa – não mais do que 1,25 dólar por dia, abaixo do salário mínimo nacional de 1,75 dólar por dia para um trabalhador manual. É amplamente reconhecido que o salário mínimo atual é insuficiente para cobrir o custo de vida básico na RDC. O problema dos baixos salários é agravado em muito porque a empresa deixa de pagar salários em dia com frequência. Os trabalhadores também relataram que uma parcela de seus salários é paga em produtos como óleo de dendê refinado e sabão. Depois, o valor desses produtos é descontado de seus salários de acordo com os preços de mercado em Kinshasa, se e quando os salários forem pagos.

Para piorar essa tremenda injustiça, os agentes da Polícia Nacional Congolesa prendem rotineiramente os moradores por estarem de posse de algumas poucas frutas de dendê, mesmo que existam dendezeiros naturais nos arredores de seus povoados. Em março de 2017, durante um encontro organizado pela organização congolesa RIAO-DRC em Brazzaville, as delegações das comunidades da área de plantações de Boteka relataram que dois pigmeus indígenas foram assassinados e vários outros ficaram feridos.

Segundo as alegações feitas pelos membros da comunidade (2), em 7 de março de 2015, quando Jeudi Bofete Engambi, trabalhador das plantações da FERONIA em Boteka que morava no campo de trabalhadores de Bokula, voltou do trabalho, houve uma disputa entre ele e Thethé Mputu Ikeke, sua esposa. Ela insistiu em ter com o que alimentar seus sete filhos. O marido disse à esposa que ficasse satisfeita com os poucos frutos de dendê que ele lhe dera para cozinhar, já que a empresa havia proibido os trabalhadores de pegar qualquer dendê – um ingrediente essencial na cozinha local. Os seguranças da empresa supervisionam estritamente essas restrições.

Um membro da segurança da FERONIA, chamado Mokase, relatou a disputa do casal ao comandante da Polícia Nacional Congolesa (PNC) responsável pela área da FERONIA. Jeudi Bofete Engambi foi convocado ao posto da PNC em Boteka, onde foi duramente espancado por causa dos frutos. Ele foi levado ao hospital em Boteka como resultado do abuso e morreu no dia seguinte, em 8 de março de 2015.

Thethé Mputu Ikeke e membros da família levaram o corpo do falecido aos guardas da empresa em Boteka como forma de protesto. Por causa da aglomeração, a PNC os dispersou com tiros e ela foi baleada e morreu, deixando sete crianças órfãs. Outros ficaram gravemente feridos.

Mas esse não é um caso isolado. As pessoas que usam a estrada perto de uma plantação da FERONIA já denunciaram, em 2013, que policiais controlam a estrada e confiscam sistematicamente equipamentos para o processamento de óleo de dendê. Os moradores das áreas em torno das plantações disseram que também possuem dendezeiros e que o uso que fazem dos produtos é tradicional. (3) Em 2014, a prisão e a tortura de quatro pessoas por supostamente roubar frutos de dendezeiros provocaram três dias de confrontos entre a polícia e os moradores da cidade de Lokutu e do povoado de Yambi Enene. (4)

Como mostrou o relatório de 2016 mencionado acima, desde janeiro de 2013, a FERONIA recebeu 118 milhões de dólares de instituições de financiamento ao desenvolvimento (IFDs) da Europa e dos Estados Unidos. A CDC do governo britânico possui atualmente 67% das ações da FERONIA. O African Agricultural Fund (AAF) – uma empresa com sede nas Ilhas Maurício que gerencia os investimentos das IFDs da França e da Espanha, bem como bancos multilaterais, como o Banco Africano de Desenvolvimento – investiu 27,5 milhões de dólares na FERONIA desde 2012, e atualmente possui cerca de 26% da empresa. Em dezembro de 2015, várias outras IFDs europeias, da Alemanha (DEG), dos Países Baixos (FMO) e da Bélgica (BIO), bem como um consórcio de outros investidores em IFDs que participam de um fundo de infraestrutura, comprometeram-se a emprestar à Plantations et Huileries du Congo, empresa de plantações subsidiária da FERONIA na RDC, mais 49 milhões de dólares, após “um processo abrangente de ‘devida diligência’”. Como teve perdas de vários milhões de dólares em todos os anos de sua existência, a FERONIA contava com essas injeções por parte das IFDs para manter suas operações.

Além disso, o relatório mostra que há fortes evidências de que a FERONIA realizou ações que não só vão contra os objetivos e as diretrizes da CDC e de outros proprietários de IFDs, mas podem estar infringindo as leis nacionais da RDC a que a FERONIA e suas diversas subsidiárias estão submetidas. Essas ações aconteceram antes e depois do envolvimento financeiro significativo das várias IFDs.

Os governos das IFDs que deram financiamento à FERONIA devem fazer uma investigação completa e aberta sobre as operações da empresa, com total transparência. As reivindicações da comunidade pela devolução de suas terras, as indenizações relativas à ocupação ilegal de terras e florestas desde 1911 e ao uso de trabalho forçado e violência nas plantações da empresa por muito tempo devem ser encaminhadas imediatamente.

RIAO-RDC, GRAIN e WRM

(1) Land conflicts and shady finance plague DR Congo palm oil company backed by development funds, http://wrm.org.uy/other-relevant-information/new-report-land-conflicts-and-shady-finances-plague-dr-congo-palm-oil-company-backed-by-development-funds/

(2) Sur L’execution Sommaire A Boteka D’un Couple De Peuple Autocthone (Pygmee), 3 de maio de 2017, RIAO – RDC.

(3) http://www.radiookapi.net/actualite/2013/02/06/province-orientale-la-societe-civile-de-luete-accuse-les-policiers-dextorquer-les-biens-de-la-population

(4) http://www.radiookapi.net/actualite/2014/10/06/reprise-des-activites-apres-des-accrochage-entre-policiers-populations-lokutu