Indonésia: plantações de dendê prejudicam o direito à terra comunitária

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A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é o organismo da ONU encarregado das questões que definem políticas e programas relacionados às normas de proteção dos trabalhadores.

Entretanto, o direito ao trabalho é mais amplo do que o direito a um emprego. A OIT também incorporou o conceito de Trabalho Decente, que reconhece que “o trabalho é central ao bem-estar das pessoas. Além de proporcionar renda, o trabalho pode abrir caminho para mais avanços sociais e econômicos, fortalecendo indivíduos, suas famílias e suas comunidades, mas esse progresso depende de o trabalho ser decente. O trabalho decente sintetiza as aspirações das pessoas em suas vidas profissionais.” (traduzido de ILO, http://www.ilocarib.org.tt/index.php?option=com_content&view=article&id=1096&Itemid=952).

A terra tradicional e o conhecimento associado a ela são a base material do modo de vida, da cultura e da identidade de muitas comunidades rurais. Perdendo sua terra, elas perdem o direito ao trabalho – um direito humano.

A Comissão Nacional de Direitos Humanos da Indonésia e a Sawit Watch – a rede de ONGs que se opõem às plantações de dendê no país – publicaram recentemente um relatório sobre o conflito entre o direito à gestão da terra concedido pelo Estado a empresas (HGU) e os direitos humanos (HAM). O relatório HGU & HAM: Land Use Rights and Human Rights apresenta evidências para sustentar o argumento de que o direito de empresas à gestão de terras públicas anula os direitos humanos, que geralmente recebem menos consideração e inclusive são ignorados pelo Estado.

A seguir, apresentamos partes do relatório, editadas para produzir uma síntese dos impactos das plantações industriais de dendê sobre o direito das comunidades locais a trabalhar em suas terras.

As plantações de dendezeiros na Indonésia cobrem uma área total de 9,1 milhões de hectares, 40%, dos quais são plantações em grande escala. A estrutura da produção industrial de dendê é controlada por 27 grandes grupos, com cerca de 6.000 subsidiárias em 19 províncias. Mesmo assim, empresas estatais, como a PTPN, usam o mesmo modelo de grande escala. Além disso, o tipo de plantação desenvolvido nas terras das pessoas é o chamado plantio em plasma, ou seja, plantações dominadas por uma empresa central. Isso significa que as plantações em grande escala respondem pela maior parte da área total.

O dendê não é uma commodity agrícola nova na Indonésia. O plantio em grande escala com fins comerciais começou em 1911, em Deli Serdang, na província de Sumatra do Norte. Depois da independência, em 1948, o plantio enfrentou algumas restrições, quando o presidente Sukarno aplicou a política de nacionalização de empresas da Holanda e de outros países. Entretanto, o setor agrícola passou por um rápido crescimento no final da década de 1980, quando o então presidente Suharto estimulou mais plantações em grande escala.

Atualmente, várias políticas decididas e implementadas pelo governo da Indonésia aumentaram a taxa de expansão das plantações de dendezeiros, como o acordo assinado com o setor empresarial para a alocação de 3 milhões de hectares de terra para esse fim, voltados principalmente à produção de biodiesel. O governo também deu incentivos na forma de instalações e verbas para revitalizar plantações e distribuir terras aos desfavorecidos, para que pudessem trabalhar e atender às necessidades do negócio de dendê.

Alguns veículos da mídia citaram o plano do governo, anunciado pelo presidente, de abrir terras em uma área total de 1,8 milhão de hectares junto à fronteira, para desenvolver a maior plantação de dendezeiros do mundo. Dados compilados pelo Sawit Watch indicam que quase todas as províncias fizeram planos de abrir e expandir terras para a plantação de dendê em até 19,8 milhões de hectares. Esse violento impulso ao negócio de dendê em grande escala está entrando em conflito com direitos consuetudinário à terra comunitária.

“No distrito de Sanggau, na província de Kalimantan Ocidental, as plantações de dendê foram estabelecidas nos subdistritos de Kembayan e Parindu. A área total de Parindu – habitada originalmente por dois grupos étnicos, os malaios e os dayaks – é de aproximadamente 59.390 hectares, sendo que a maior parte é usada para plantações de dendê no sistema de plasma.”

Os dayaks parindus têm um sistema de propriedade coletiva regido por regulamentações consuetudinárias, no qual a terra é herdada, mas o cultivo por famílias/indivíduos permanece no contexto da terra de propriedade comum ou terra comunitária. Tradicionalmente, a comunidade parindu tem usado corte-e-queima, mas esse padrão quase desapareceu devido à expansão das plantações de dendê que têm varrido florestas e terras comunitárias.

Uma das empresas de dendê é a PT.Perkebunan Nusantara XIII (Persero) ou PTPN XIII, uma corporação estatal que vem operando em Sanggau desde 1984. A empresa está envolvida no setor de agroindústrias e suas principais commodities são óleo de dendê e borracha.

A PTPN XIII invadiu a “tembawang” (agrossilvicultura) dos dayaks parindus – a área comunitária onde a comunidade tem trabalhado na terra segundo seus costumes e tem garantido seu sustento produzindo muitos tipos de plantas úteis, como espécies frutíferas. Mas os planos e as prioridades da comunidade são destruídos em segundos quando se estabelece uma plantação de dendezeiros.

Durante quase 20 anos, a PTPN operou nessa região sem a concessão exigida de qualquer empresa para cultivar terras do Estado com fins comerciais – chamada de Direitos de Uso da Terra (HGU), que é concedida por um período máximo de 25 a 35 anos.

No início, a empresa não envolveu a comunidade na plantação de dendê, e a mão-de-obra necessária era fornecida por migrantes de Java, o que gerou reivindicações da comunidade local. Sendo assim, em 1997, a empresa começou a aplicar o padrão plasma (Pir-Bun), pelo qual a comunidade dava formalmente 7,5 hectares de sua terra e receberia em troca 2 hectares de plantação de dendê. A partir dali, a comunidade teria que pagar o crédito ao banco.

Conclusões de estudos de campo na Comunidade Consuetudinária de Sanggau, em Kalimantan Ocidental, mostraram que as pessoas foram seduzidas a participar do programa de dendê em sistema de plasma pela promessa de que melhorariam suas condições de vida. Porém, membros da comunidade dayak parindu disseram que agora se davam conta de que tinham sido enganados pela PTPN XIII e que nunca desfrutaram da prosperidade prometida pela empresa. Na verdade, o resultado é que a comunidade perdeu a maior parte de sua terra.

Quando dezenas de hectares das terras comunitárias em Kalimantan Ocidental foram transferidas ao governo para ser dadas a empresas agrícolas na forma de arrendamento, mudou o status jurídico das terras, que passaram a ser propriedade do Estado. A consequência é que a comunidade consuetudinária não tem mais direito nem autoridade sobre as terras, mesmo quando expirar o prazo de arrendamento das plantações.

As práticas de aquisição de terras comunitárias para atender aos interesses do setor agrícola desencadearam protestos que, em Sumatra Ocidental, manifestaram-se na forma de ocupação/retomada de terras. Essa retomada se tornou uma forma de movimento social em resposta à tentativa de vários grupos econômicos e políticos dominantes de acabar com o direito de comunidades locais a trabalhar e viver em suas terras ancestrais.

Artigo baseado em “HGU & HAM Land Use Rights and Human Rights”, National Commission Human Rights and Sawit Watch, 2011, http://wrm.org.uy/plantations/LandUseRight_HumanRight_SW.pdf