Saberes endógenos: uma arma eficaz contra a concentração de terras na África

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africa1“Esta pequena família, o pai, a mãe e seus dois filhos, interna-se na floresta sagrada para encontrar soluções para as doenças e os vários problemas que lhes preocupam”.

A transformação das sociedades africanas baseadas em modelos importados e a imposição de sistemas de governo das sociedades industrializadas levam a pensar que ainda há muitos elementos a examinar antes de se chegar a um entendimento claro e coerente dos métodos africanos de acesso a cuidados de saúde. Na verdade, o observador do “palco” da medicina africana muitas vezes fica desconcertado diante da extraordinária diversidade de possibilidades oferecida pelos recursos naturais (florestas e locais sagrados, água, ar, terra) e pelos saberes endógenos africanos. Foi necessário recorrer à hoje muito criticada “autoridade tradicional” para compreender melhor as potencialidades ocultas em nossas culturas, que permitem salvaguardar a adoração de várias divindades, o conhecimento e o uso de plantas e encantamentos, e os intercâmbios entre gerações.

A medicina importada, aqui chamada de “medicina moderna”, já demonstrou suas limitações diversas vezes. A implementação de uma verdadeira estratégia de cura e libertação da alma não se baseia apenas na administração excessiva de comprimidos; ela envolve o controle das causas endógenas da doença. Isso é o que determina a consulta ao “fâ”. (1) Nesses lugares, quando a medicina mostra seus limites, a floresta dá respostas conclusivas.

É evidente que a atual proliferação de promotores da farmacopeia e sua relação com os ritos e costumes ancestrais não pode ser proibida, pois isso seria contrário à lógica de funcionamento de uma sociedade normal que procura defender sua identidade. No entanto, é lamentável que a pluralidade de métodos não garanta automaticamente a ausência de desvios de comportamento perturbadores, mesmo considerando que a influência das religiões importadas gera outras formas de ordem social e de compromisso, cuja influência sobre os recursos naturais, principalmente nas florestas, já foi amplamente demonstrada. Os africanos estão redescobrindo a necessidade de proteger seu patrimônio, principalmente suas florestas, pois elas representam a cura e o legado de seus antepassados. No Benin e em muitos outros países africanos, contudo, 80% da população recorrem à farmacopeia para se tratar.

A floresta Gbèvozoun, na comuna de Bonou, no Benin, é um exemplo claro da resistência das comunidades à concentração selvagem de suas terras por industriais beninenses e estrangeiros. Com o Gbèvonon (2) e o rei de Bonou à frente, as comunidades locais têm perpetuado a tradição de seus antepassados, conseguindo, assim, manter sob controle as aves de rapina da terra.

africa2 “Água milagrosa extraída do manancial após a realização de cerimônias para tratar de doenças e afastar malefícios.”

Mas isso não leva em conta o poder do dinheiro, que se manifesta na compra de consciências, na corrupção e na violação de hábitos e costumes como resultado da aculturação e da divisão descontrolada do espaço.

Por outro lado, há um ressurgimento da autoridade tradicional, cada vez mais elogiada e revalorizada. Na verdade, como as instituições públicas não conseguiram fornecer à população cuidados de saúde de boa qualidade e menor custo, o ressurgimento das tradições é mais uma oportunidade do que uma alternativa. Nesse contexto, as autoridades tradicionais, anteriormente acusadas de obscurantismo e feudalismo, recebem agora atenção especial das comunidades, que as redescobrem e não cessam de recorrer a elas para a restituição da ordem social.

Apesar das estruturas impostas a sociedades africanas e da fragmentação artificial da África, as múltiplas ideologias do continente continuam a exercer uma forte influência sobre a orientação dos costumes das comunidades. Felizmente, apesar das diferenças decorrentes das tradições e da intrusão persistente de forças exógenas, o impacto das crenças endógenas permanece forte. Em muitos casos, os saberes endógenos têm resultados conclusivos.

Por outro lado, as formas de governança implementadas pelas instituições públicas, copiadas de outros modelos, não conseguiram responder realmente às demandas fundamentais das sociedades tradicionais africanas nem obter a legitimidade das instituições implementadas pelos antepassados, às quais as comunidades continuam recorrendo.

Conclusão

No que tange ao tratamento das doenças e às tradições das comunidades com relação a isso, um dos valores mais compartilhados hoje é a natureza, que integra, além de elementos convencionais, crenças, ritos e rituais, sacrifícios e orações. Por responder a uma necessidade básica, os saberes endógenos africanos merecem ser valorizados, transformados em norma, organizados e situados, mas sem ser desnaturalizados para incorporar mudanças qualitativas e quantitativas.

Cada indivíduo deve se conscientizar e se realizar através da sua cultura e sua identidade, começando por reforçar a visão de uma educação mais ampla sobre o patrimônio ou jowamon (3). Essa é a função cumprida pelo programa de educação ambiental através da experiência “Graine Future” [Sementes do Futuro], desenvolvida por GRABE-BENIN e Natureza Tropicale e destinada especialmente a jovens africanos. (4)

Coffi Fiacre NOUWADJRO, coffifiacre@yahoo.fr
Appolinaire OUSSOU LIO, aoussoulio@gmail.com
African Biodiversity Network, http://africanbiodiversity.org/

(1) Que serve como um corredor de transmissão entre o visível e o invisível, com objetivo de acessar a dimensão espiritual e ancestral das realidades que escapam ao nosso entendimento e para as quais os seres humanos não têm resposta.
(2) Chefe espiritual da floresta.
(3) Na língua local beninense, jowamon significa legado ou patrimônio.
(4) http://grabenin.blogspot.nl/2014/02/programme-graine-future-kotan-un.html.