A rede indígena ALDAW, das Filipinas (Ancestral Land/Domain Watch) está profundamente preocupada com as conclusões de um estudo recente realizado no sul da província de Palawan. A pesquisa mostra que os projetos de dendê estão empobrecendo as comunidades indígenas locais, enquanto destroem ambientes biologicamente diversos. O estudo de caso da ALDAW, “The Palawan Oil Palm Geotagged Report 2013. The Environmental and Social Impact of Oil Palm Expansion on Palawan Unesco Man & Biosphere Reserve (The Philippines)”, pode ser acessado em http://www.regenwald.org/files/pdf/The-Palawan-Geotagged-Oil-Palm-Report-Part-1.pdf e http://www.regenwald.org/files/pdf/The-Palawan-Oil-Palm-Geotagged-Report-Part-2.pdf
Abaixo, um resumo das conclusões do relatório que são mais relevantes para a dimensão da expansão do dendê relacionada ao fenómeno da concentração de terras.
A contínua expansão das plantações industriais de dendezeiros
Desde a época do ex-ditador Ferdinand Marcos até a atual presidência de Benigno Aquino III, um discurso retórico sobre os benefícios potenciais do dendê (como erradicação da pobreza e maior independência econômica em relação ao petróleo importado) tem ditado os rumos.
Os sistemas de plantio foram implementados principalmente através das iniciativas de investidores privados (proprietários e diretores de moinhos/processadores de dendê e produtores/plantadores de dendê) e com apoio de órgãos governamentais, como o Departamento de Reforma Agrária (DAR, na sigla em inglês), o Departamento de Agricultura (DA), o Departamento de Comércio e Indústria (DTI), e também das chamadas unidades governamentais locais.
A partir dos dados fornecidos pelo Conselho Filipino para o Desenvolvimento do Dendê (PPODC) para 2009, um total de 46.608 hectares já foi plantado com dendezeiros, refletindo um aumento de 160% em um período de apenas quatro anos.
Nas Filipinas, as empresas de dendê têm dificuldade para adquirir grandes extensões de terras para conversão em plantações. Na verdade, como resultado da Lei Geral de Reforma Agrária (CARL), aprovada em 10 de junho de 1988, a terra era distribuída a um grande número de agricultores – individualmente ou formando cooperativas ou associações – com o propósito de melhorar a justiça social, e o acesso à terra visava a promover a qualidade de vida dos agricultores sem-terra. Isso, por sua vez, deveria ter impulsionado a produção agrícola em terras privadas e públicas.
O aspecto da concentração de terras na indústria do dendê
Hoje, nas áreas onde extensões de terras são de propriedade individual por meio de um Certificado de Concessão de Propriedade da Terra (CLO), as empresas de dendê estão tentando reunir terras fragmentadas e agricultores individuais em cooperativas de dendê, com as quais as próprias empresas entram em diferentes tipos de acordos.
O Plano Filipino de Desenvolvimento do Dendê também afirma que a área potencialmente disponível para a atividade em todo o país inclui cerca de 304.000 hectares de terras ociosas e subaproveitadas. No entanto, a maior parte da chamada terra “ociosa” e “'subaproveitada” inclui áreas que são usadas por populações rurais e indígenas para diferentes fins (coleta de produtos florestais não madeireiros, plantas medicinais, cultivo em sistema de coivara, etc.) Essas áreas também incorporam rios que fornecem água potável para as famílias rurais.
Além da alarmante expansão da mineração de níquel na província de Palawan, povos indígenas e agricultores de terras baixas estão agora diante de ameaças representadas pela indústria do dendê.
Em Palawan, projetos em pelo menos 15.000 hectares, dos 20.000 visados para o dendê, estão sendo desenvolvidos por três empresas: Agusan Plantations Group, Palawan Palm, Vegetable Oil Mills Inc. (PPVOMI) (cuja propriedade é 60% cingapurense e 40% filipina) e a empresa do mesmo grupo, Agumil Philippines Inc. (AGPI).
Faltam registros públicos que mostrem os processos e procedimentos que levam à emissão de licenças para conversão de terras e licenças ambientais a empresas de dendê em Palawan. A avaliação de campo da ALDAW revelou que os procedimentos de aquisição de terras e a limpeza de terrenos por parte de empresas de dendê têm desfavorecido e marginalizado comunidades indígenas de terras baixas, enquanto contribuem muito para a perda da biodiversidade.
A maioria dos membros das comunidades indígenas que têm partes de suas terras “alugadas” para as empresas de dendê não tem a compreensão clara da natureza desses “acordos” nem possuem contratos escritos assinados pelas empresas. Não só os direitos dos povos indígenas parecem ter sido violados em vários níveis, mas também os dos plantadores contratados. A capacidade dos agricultores para lidar com escassez de alimentos e quebra de safra é posta em risco, uma vez que eles não têm permissão para consorciar outras plantas comestíveis dentro das plantações sem a permissão da empresa; além disso, tampouco lhes é permitido consorciar arroz irrigado.
Os produtores que estão plantando dendê para a AGPI são particularmente vulneráveis, uma vez que a gestão de suas terras em regime de dendê pode ser entregue à empresa se ela não estiver satisfeita com a maneira em que a terra está sendo manejada.
É preciso fazer investigações mais detalhadas sobre a natureza ambígua dos “acordos de aluguel” e “arrendamentos de terras” que levam à conversão de terras ancestrais indígenas em plantações de dendê. Esses arrendamentos duram cerca de 20 a 25 anos (equivalente ao tempo de vida produtivo do dendê). Outras desvantagens ocultas são que, no final do arrendamento, os ocupantes tradicionais locais, indígenas e agricultores, talvez fiquem com dendezeiros velhos e moribundos em seus campos, os quais, depois de anos de uso intensivo de fertilizantes e pesticidas, terão pouca utilidade para culturas alimentares. Solos altamente empobrecidos serão inadequados para as atividades agrícolas tradicionais, e qualquer tentativa de trazer os nutrientes de volta vai exigir intervenções muito caras, que o governo provavelmente não patrocinará.
No município de Española, várias famílias indígenas já venderam suas terras por um preço muito baixo, diante dos ganhos econômicos rápidos. Isso, por sua vez, forçou outras famílias a vender as terras, ao se verem cercadas por plantações de dendezeiros.
Evidências oriundas de outras províncias indicam que partes das plantações de dendezeiros já existentes estão sobrepostas ao domínio ancestral dos povos indígenas (por exemplo, em Bukidnon, Sultan Kudarat, Augusan, Cotabato). Se uma empresa pretende realizar suas atividades nessas áreas, deve primeiro obter o consentimento da comunidade, através de processos adequados de Consentimento livre, prévio e informado (CLIP).
Como descobriu a equipe da ALDAW, as empresas de dendê têm recorrido a estratégias ilegais para obter acesso à terra. Em vários casos, de acordo com informantes indígenas, a comunidade recebeu apenas informações parciais ou falsas sobre os verdadeiros planos e metas da empresa. Como não havia mais informação, várias comunidades não se opuseram inicialmente às plantações de dendezeiros. Por exemplo, um representante indígena de Maasin (em Brooke’s Point), disse à ALDAW que, de acordo com seu próprio entendimento, a empresa só iria usar uma área limitada de terra para a construção de um viveiro. A seguir, surpreendeu-se ao descobrir que, além do viveiro, uma área muito maior seria usada para plantações de dendezeiros. Na verdade, a terra convertida em plantações de dendê faz parte do território ancestral das comunidades de Maasin, nas planícies de Palawan.
A fim de expandir suas plantações de dendezeiros, as empresas muitas vezes têm conseguido entrar nas terras florestais onde regem acordos de posse, tais como Acordos de Manejo Florestal Comunitário (MFC). Com isso, as empresas põem em risco a atividade econômica predominante da área, até então o manejo florestal, que poderia passar para ser a agricultura, o que deixaria as comunidades sem a posse de florestas e sem privilégios de uso dos recursos.
Além disso, as plantações de dendê se expandiram em áreas usadas pelos povos indígenas para o cultivo de variedades locais de arroz-de-sequeiro, culturas de raízes e árvores frutíferas. Isso tem afetado muito a diversidade dos cultivos tradicionais, ao mesmo tempo em que torna as comunidades locais ainda mais dependentes de alimentos comprados.
As plantações de dendezeiros também se expandiram para as áreas situadas entre os campos de arroz de várzea e a floresta de terra firme. Esta área coincide exatamente com a terra que as comunidades indígenas usam tradicionalmente para sua agricultura de coivara e à qual aplicam períodos de pousio entre 4 a 7 anos ou mais. Durante o pousio, que é essencial para que a terra recupere parte de seus nutrientes, a área pode parecer ociosa e improdutiva aos olhos dos não especialistas. Na realidade, essa é a terra que os agricultores indígenas usarão novamente após o período de pousio ser concluído ou quando o solo tiver atingido as exigências nutricionais mínimas para ser cultivado novamente. Hoje em dia, a expansão das plantações de dendezeiros em terras de pousio indígena (benglay) está reduzindo o número de áreas de rotação necessárias aos povos indígenas para garantir a sustentabilidade do seu ciclo de coivara, levando a erosão genética irreversível, bem como a desintegração da identidade e das visões de mundo indígenas.
As plantações de dendezeiros em Palawan já estão competindo e tomando áreas cultivadas e territórios dos povos, que têm sustentado a autossuficiência local. Em suma, um tipo de agricultura intensiva (monoculturas de dendezeiro), que beneficia fazendeiros mais abastados, empresas e empresários, está se apropriando de terra tradicional que, há gerações, garante a subsistência de pequenos agricultores e povos indígenas.