A luta pela terra na Amazônia brasileira contra empresas de dendê e mineradoras

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A Agropalma cavou valas profundas para impedir que as comunidades entrassem nos seus cemitérios tradicionais, zonas de caça e zonas de pesca. Foto: Elielson Pereira da Silva

Pará é o segundo maior estado da Amazônia brasileira. É dentro de suas fronteiras que o Rio Amazonas desemboca no mar. Os povos Tembé e Turiwara têm tradicionalmente ocupada a região da Vale do Acará no nordeste do estado, situada nos municípios de Tailândia, Acará e Tomé-Açu.  A partir do processo de colonização, seu território, rico em florestas, rios e terras férteis, foi gradativamente saqueado para extrair madeira e explorar as monoculturas de cana-de-açúcar e tabaco para enriquecer a metrópole Portugal.  Os Tembé e Turiwara foram submetidos a todo tipo de violência, não só colonial, mas também patriarcal e racista a exemplo do processo de aldeamento, cujo objetivo era removê-los de seus territórios para que estes pudessem ser apropriados. (1) A violência e a repressão contra seus atos de resistência, além de epidemias, resultaram num verdadeiro genocídio, reduzindo drasticamente suas populações.  

A escravidão trouxe também pessoas do continente Africano para serem submetidas ao trabalho escravo na região.  “Construímos os engenhos à mão”, diz um descendente destas populações, liderança quilombola. “Quando a escravidão foi abolida, fomos jogados aqui, sem reparação ou suporte. O único ´documento´ que temos desta época é uma usina de cana-de-açúcar que foi inteiramente construída por nosso povo”, acrescenta (por razões de segurança, os nomes das pessoas que deram seus testemunhos  para este artigo são preservados).

Às margens do rio Acará, mesmo com a decretação oficial do fim da escravidão em 1888, até meados da década de 1970, famílias portuguesas detentoras de poder, prestígio e riqueza, acumulavam grandes extensões de terras sob estrito domínio. Possuíam casas comerciais localizadas em pontos estratégicos do rio e mantinham indígenas (Turiwara e Tembé), quilombolas e ribeirinhos como “agregados”, mediante relações de dominação baseadas no controle repressor da força de trabalho, no sistema de “aviamento” (2) e na usurpação territorial. (3) Grande parte das terras usurpadas por essas famílias de origem portuguesa foi posteriormente vendida a fazendeiros e a grandes empreendimentos do agronegócio do dendê, do coco e da madeira.

A partir de 1952, com a implantação do Projeto JAMIC Imigração e Colonização Ltda no então município de Acará, atual Tomé-Açu, terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas Turiwara e Tembé às proximidades do rio Acará-Mirim foram intrusadas pelo projeto oficial de colonização japonesa financiado com recursos públicos e privados.

A pressão sobre os territórios tradicionais se agravou ainda mais com a implantação de projetos de extração madeireira e agropecuários financiados por incentivos fiscais concedidos pela Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM. Tais incentivos foram instituídos no bojo da Operação Amazônia deflagrada em 1966, que visava fomentar a criação de empresas rurais e de “polos de desenvolvimento” nas diferentes regiões da Amazônia. Nesse contexto, o município de Tomé-Açu constituiu-se como um dos principais “polos madeireiros” do estado do Pará.

Sobre esse processo histórico de invasão de suas terras, uma liderança Turiwara nosconta: “Nós somos os pioneiros, os herdeiros do lugar, aonde nossos antepassados deixaram-nos. Fomos expulsos pelos fazendeiros na época, que chegavam e pediram pra gente sair(...) Eles diziam ´olha, é dois, três dias para vocês desocuparem, se vocês não sair, a gente traz mais gente aqui para vocês saírem’, então nós ficava com medo e [assim] foram muitos e muitos que foram expulsos do lugar”.

A invasão dos territórios indígenas, quilombolas e camponeses pelas empresas de dendê e mineração

Se no passado, os colonizadores invadiram suas terras com plantações de cana-de-açúcar e tabaco, hoje são plantações de monocultura do dendê e minerodutos que tomaram os territórios Tembé, Turiwara, quilombolas e camponeses na região do Vale do Acará.

A produção industrial de óleo de dendê é dominada por duas empresas: a Brasil Bio Fuels (BBF), que comprou a Biovale em 2019, e controla cerca de 135 mil hectares de terras na região; e a Agropalma, atuante na região desde 1982 e que controla 107 mil hectares de terras. (4)  Entre seus compradores internacionais estão a Cargill, Hershey, General Mills, Kellogg, Mondelez, Nestlé, PepsiCo, Stratas Foods e Unilever (5). Em 2022, a Agropalma obteve uma receita de USD 486 milhões e a BBF USD 305 milhões. (6)

Apesar de se projetarem como empresas ´modernas’, ‘verdes´, produzindo ´energia renovável´ como o biodiesel, uma grande parcela de suas terras são públicas, com títulos de terra forjados (7). Uma liderança quilombola descreve a chegada de uma das empresas assim: “Quando a BBF chegou, ainda era Biopalma. A empresa chegou quietinha usando grileiros que tiraram as terras dos quilombolas e camponeses. A empresa não aparecia. Eles que destruíram a floresta, por exemplo eu lembro que desmataram 600 hectares de castanhais. Foram estes grileiros que passaram as terras para Biopalma, fraudando a cadeia dominial da terra”.

O óleo do dendê é atualmente o óleo vegetal mais barato do mundo, em base de uma lógica colonial de produção, de ‘levar sem pagar’. As empresas, por exemplo, não se responsabilizam pelos impactos do desmatamento que provocaram. As empresas não pagam pela água que usam nas plantações – um consumo estimado em 34 mil litros de água por hectare por dia (8) – e tampouco pelo consumo nas fábricas. Tampouco elas pagam pela contaminação causada pelos fertilizantes químicas e sobretudo agrotóxicos aplicados como o glifosato, um herbicida que já demonstrou ser cancerígeno e foi encontrado em águas de terra indígena, tanto superficiais quanto subterrâneas. (9) Além disso, as empresas lançam um subproduto da produção do óleo de dendê nas plantações como ´adubo orgânico´, o que tem matado a vida nos igarapés, denunciam indígenas e quilombolas.  

O resultado é destruição. Segundo uma liderança quilombola: “As empresas contaminam o ar, a água e também elas poluem nossas vidas. Porque depois que o dendê começa a crescer, eles jogam agrotóxicos que contaminam a água, e também o [sub]produto da produção do óleo de dendê. Agora perdemos nossa terra, mas também perdemos nossa água, nossas nascentes.  As pessoas têm problemas de saúde, em torno de 15% do nosso povo está doente em função do dendê. Quando você pesca as 06hs de manhã, as 07hs o peixe que você pegou já está podre. A cor da água mudou, vemos muitas mariposas, um sinal do desequilíbrio. A mandioca já não produz como antes, está com doenças”.

As pequenas áreas das comunidades ficaram cercadas por plantações de dendê, inviabilizando o modo de vida das comunidades, que se sentem numa ´prisão´. A comunidade quilombola de São Gonçalves, por exemplo, é cercada pelas plantações da Agropalma. A empresa fez um portão de acesso para controlar quem entra e quem sai, e cavou valas profundas para que quilombolas e indígenas não acessem mais seus antigos cemitérios, áreas de caça e pesca tradicionais, dentro do território controlado pela Agropalma.  

Segundo uma liderança Turiwara: “eles não gostam que a gente desça [o rio] para fazer nada, pegar um peixe, a gente não pode mais, então isso aí tá afetando demais, muito mesmo. A gente quer tomar uma providência por isso, nós estamos aqui, a gente tá muito humilhado aqui por essa empresa, os animais caindo para dentro dessas valas, morrendo.”

Há também minerodutos que atravessam a região, gerando conflitos. Um deles, que transporta bauxita de Paragominas até Barcarena, é da empresa Hydro, controlada pela norueguesa Norsk Hydro, cujo proprietário principal é o Estado Norueguês (10). Em 2023, a Defensoria Pública no Pará pediu a suspensão das obras da Hydro no mineroduto devido a irregularidades no licenciamento. Comunidades quilombolas denunciaram à Defensoria que se sentem ´refugiadas´ no próprio território, face as ilegalidades das obras com trabalhadores e caminhões transitando em suas áreas. (11) Outro mineroduto que atravessa a região é da multinancional francesa Imerys que transporta caulim de Ipixuna até Barcarena.(12) Além desses, um novo projeto que as comunidades enfrentam é a Ferrovia Paraense, cujo trajeto vai do sul do Pará até Barcarena, e com a qual o governo estadual pretende incentivar o plantio e exportação da monocultura de soja.

Buscando reverter a história: recuperando os territórios

Durante muitos anos, quilombolas e indígenas têm denunciado a invasão de seus territórios e todos os demais impactos que as empresas têm causado. No entanto, a postura das empresas tem sido sempre de negar os impactos, buscando fazer acordos com promessas de projetos sociais. Segundo os indígenas e quilombolas, essas promessas não são cumpridas na íntegra e, mais importante, não resolvem a questão central: a falta de demarcação de seus territórios.

Apesar da empresa Ymeris ter ‘doado’ uma terra de 500 hectares aos Tembé no final da década de 1990, buscando resolver conflitos com a comunidade, a grande maioria das terras continua em mãos de grandes empresas, com o apoio do Estado brasileiro. Basta comparar os mais de 240 mil hectares nas mãos da BBF e Agropalma, com o tamanho da terra indígena oficialmente demarcada pelo Estado brasileiro na região: 147 hectares da Terra Indígena Turê-Mariquita do povo Tembé, a menor terra indígena oficialmente demarcada no Brasil.

Cansados de esperar, em 2021 os Tembé e comunidades quilombolas iniciaram uma luta para retomar suas terras, hoje nas mãos da BBF e Agropalma, para assegurar a posse sobre ao menos parte do território do qual foram expulsos no passado. Nesse processo, os Turiwara assumiram publicamente sua identidade, reivindicando hoje as terras ao longo do Rio Acará onde seus antepassados foram encontrados pelo biólogo alemão Meerwarth em 1899 (13), e juntaram-se aos parentes Tembé, como explica uma liderança Turiwara: “Eu sou Turiwara, porque nossos antepassados, do lado da minha mãe, nós somos Turiwara. Tem um povo Turiwara mas também um povo Tembé, somos misturados, mas unidos.”

Uma das principais referências da resistência atual é o Movimento IRQ (Indígena, Ribeirinho e Quilombola), que busca unificar e conseguir mais apoio para sua luta, como explica uma das lideranças: “A gente luta para garantir todos nossos direitos, mas hoje nossa maior luta e desafio é garantir o direito ao nosso território. Por isso, o Movimento foi criado, para que nos pudéssemos fazer nossa voz ecoar, e alcançar os ouvidos das autoridades competentes para resolver essa problemática territorial aqui que nós, indígenas, quilombolas e ribeirinhos, vivenciamos hoje quando estamos tendo nosso território invadido pela monocultura do dendê, como a Brasil Biofuels, e pelas empresas de mineração, como a Hydro.

A liderança destaca a participação de mulheres: “A participação das mulheres indígenas, ribeirinhos e quilombolas é uma forma da gente demonstrar que a nossa luta é pela nossa família, pelo nosso povo como todo. É para mostrar que nossa luta é para garantir a sobrevivência da nossa futura geração e que essa futura geração tenha seus direitos garantidos. A participação de nós mulheres indígenas dentro desse Movimento é para que possamos somar forças junto aos guerreiros e garantir o direito da nossa futura geração”.

Os Tembé, Turiwara e quilombolas já pediram aos órgãos oficiais a imediata demarcação de suas terras. No caso dos indígenas, à FUNAI, órgão federal para assuntos indígenas. E no caso das comunidades quilombolas, ao INCRA, órgão federal de regularização fundiária, e ao ITERPA, órgão estadual de terras do Pará. Além desse, comunidades camponesas estão na mesma luta para garantir a posse de suas terras perante a ameaça de expansão do dendê:

A luta camponesa da comunidade Virgílio Serrão Sacramento

Comunidades camponesas residentes na região têm retomado espaços de vida de onde foram expulsas no passado por madeireiros e fazendeiros, em processos de grilagem de terras.  Um exemplo são as famílias da comunidade Virgílio Serrão Sacramento no município de Mojú. No final de 2015, famílias se juntaram e reocuparam o território de onde várias delas foram vítimas de grileiros. A motivação foi a ameaça da BBF se apropriar da terra para expandir suas plantações na região de Mojú.  Além disso, as famílias tinham certeza que a terra era pública. Portanto, deveria favorecer famílias camponesas e não empresas privadas como a BBF.

Após a retomada, as famílias solicitaram ao ITERPA a regularização dos cerca de 700 hectares do assentamento. No entanto, o processo foi paralisado quando, em 2020, a BBF foi beneficiada com uma liminar na Justiça ordenando a reintegração de posse em favor da empresa. Isso não ocorreu porque as famílias conseguiam comprovar que a BBF usou títulos de terra improcedentes. Em meados de 2023, a BBF obteve nova liminar judicial ordenando que as famílias desocupassem a área. Hoje, o caso está sob análise da Comissão de Conflitos Fundiários do estado do Pará. As famílias demandam do ITERPA uma vistoria da área para evidenciar de uma vez por todas que a terra é pública e, portanto, deve ser regularizada em favor das famílias.

Um membro da comunidade desabafa “Nós construímos tudo aqui: nossas casas, nossa criação, nossas roças, nossas hortas, para nossa sobrevivência. Hoje, as famílias vivem de tudo aquilo que foi construído por elas, de forma coletiva, e trabalhando de uma forma carinhosa, cuidando da terra, respeitando o meio ambiente, tudo que vive na natureza. Hoje as famílias precisam muito dessa terra para continuar o seu viver, o seu dia-dia, ajudar sua família, ajudar outras comunidades que precisam do apoio da nossa. Hoje a BBF tenta tirar a terra das famílias através de uma liminar, enquanto há muito indício de grilagem que a BBF vem fazendo no estado do Pará, e através disso ela tenta tirar as famílias de suas terras, e é muito lamentável o que está ocorrendo. A comunidade se encontra dentro de uma terra pública, do Estado, então se a terra é pública onde as famílias moram, o governo do estado precisa apoiar, dar apoio às famílias. A gente deixa aqui nosso repúdio a essa situação; que as autoridades possam vir e nos ajudar para nos mantermos, para poder viver aqui enquanto comunidade.”

A omissão do Estado em meio à violência extrema e estrutural

Desde que começaram as retomadas de terra em 2021, as comunidades se deparam com práticas violentas de diversos grupos fortemente armados, incluindo as polícias do Estado, seguranças e milícias privadas das empresas, e o crime organizado. Aumentou assustadoramente a perseguição, as ameaças de morte, humilhações e, inclusive, o racismo por parte de parcelas da população regional contra as comunidades Tembé, Turiwara e quilombolas, acusadas de atrapalhar o desenvolvimento.  Sucessivas denúncias e boletins de ocorrência realizados pelas comunidades aos órgãos competentes têm sido em vão. Lideranças têm repetido continuamente: “Agropalma e BBF não exportam óleo de dendê, elas exportam nosso sangue”.

A BBF, em particular, tem promovido uma campanha de criminalização das comunidades ao registrar centenas de boletins de ocorrência na polícia civil contra comunitários, acusando-lhes de práticas ilícitas como crimes de ameaça, furto, roubo, extorsão e dano (14), e sugerindo que o objetivo das comunidades seria supostamente para ter acesso ao dendê. Sobre isso, uma liderança Turiwara afirma: “Ficam humilhando as pessoas, dizendo que o dendê deles não vamos conseguir, porque é deles. Então, vou lhe dizer uma coisa, a gente não tem firmado no dendê, a gente não tem firmado em nada que tem lá dentro, a gente tem firmado no nosso território, é nosso território que nós quer, nós quer passar para dentro que é nosso, nossa casa”.

No meio do agravamento dos conflitos de terra, a postura da certificadora internacional RSPO (Mesa-Redonda de Dendê Sustentável) tem sido de conivência com as empresas do dendê.   Depois de suspender o selo ‘verde’ da Agropalma por um breve período devido aos conflitos, a RSPO não tardou a devolvê-lo à Agropalma, em junho de 2023. (15)

Um dos vários episódios de violência ocorreu as vésperas da Cúpula de Belém, em agosto de 2023, que a menos de 200km da região reuniu os Presidentes dos países Amazônicos. Entre 4 e 7 de agosto, houve atentados violentos contra a vida de quatro indígenas Tembé em consequência da luta pela retomada de territórios nas mãos da BBF em Tomé-Açu (16).

Na ocasião, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), em visita à região, solicitou, entre outras medidas, que fosse instituído imediatamente um gabinete de crise pela Secretaria Geral da Presidência da República; realizada a troca das forças policiais que comandam a segurança em Tomé-Açu e Acará; que a FUNAI criasse grupos de trabalho para a demarcação das terras indígenas, e que o INCRA e ITERPA fizessem o mesmo para titular as terras quilombolas. (17) A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) enviou ofício às autoridades sobre o mesmo episódio, solicitando a retomada imediata do processo de regularização dos territórios indígenas e quilombolas, bem como a apuração dos mecanismos de criminalização das lideranças e suspensão de incentivos às empresas envolvidas na violência, entre outras medidas. (18)

Quase meio ano depois, constata-se que praticamente todas as recomendações do CNDH e da ABA ficaram apenas no papel. Nem mesmo o envio da Força Nacional de Segurança para a região evitou a intensificação da violência nos últimos meses.

Em 10 de novembro de 2023, Agnaldo da Silva, indígena Turiwara, foi assassinado dentro da terra que a Agropalma diz ser dela, por seguranças dessa empresa, conforme denuncia o grupo de indígenas do qual Agnaldo fazia parte. (19) Desde dezembro de 2023, o Movimento IRQ tem denunciado às autoridades que comunidades têm sofrido invasões e ataques violentos e que lideranças estão sendo ameaçadas de morte. No dia 14 de dezembro, quatro quilombolas foram atacados a tiros, por sorte ninguém morreu.  Uma das lideranças Tembé e referencias na luta pela terra, Miriam Tembé, foi presa em 3 de janeiro de 2024, com fortes indícios que sua prisão tinha como objetivo criminalizar e enfraquecer o Movimento IRQ (20). Entre esses indícios está a explícita determinação inconstitucional e absurda do Juiz José Reinaldo Pereira Sales condicionando a soltura de Miriam ao seu afastamento da condição de cacica de sua comunidade. (21)  O Movimento denuncia que teme mais violência e mais prisões de lideranças.

A omissão do Estado perante essa situação é inadmissível. Quem ganha com isso são as empresas citadas neste artigo. Para elas, as comunidades representam um ‘obstáculo’ para suas atividades lucrativas e planos de expansão. É evidente que uma situação de violência extrema continuada e de criminalização afeta a capacidade dos indígenas e quilombolas de se organizar, se unir e continuar a luta pela demarcação de seus territórios.

Para estancar o derramamento de sangue e coibir outras violências, é urgentíssimo que as recomendações que constam nos documentos da CNDH e da ABA sejam implementadas pelas autoridades competentes. Destacamos ainda a recomendação de que os territórios que por direito pertencem aos indígenas Tembé e Turiwara, às comunidades quilombolas e camponeses, sejam demarcados pelos órgãos federais e estaduais competentes.

Por fim, toda nossa solidariedade com os Tembé, Turiwara e quilombolas que neste momento são vítimas de práticas violentas.

(Por razões de segurança, os nomes das pessoas que deram seus testemunhos para este artigo são preservados).

 

(1) CEDI, 1985. Povos Indígenas no Brasil, Sudeste do Pará (Tocantins), Vol. 8, coord: Carlos Alberto Ricardo; and Carneiro Tuly, João Paulo, 2017. “Tensões territoriais na Amazônia Paraense, o povo indígena Tembê-Turê-Mariquita no município de Tomê-Açu”. Dissertation.
(2) Relação moderna de escravidão em que o trabalhador era submetido a uma dependência e dívida interminável com o proprietário.
(3) Quilombolas e indígenas nos processos de territorialização no Rio Alto Acaré, 2022. Rosa Acevedo Marin, Elielson Pereira da Silva and Maria da Paz Saavedra, pp. 102-126. In: Quilombolas: direitos e conflitos em tempos de pandemia, 2023 (eds,: Ana Paula Comin de Carvalho, Osvaldo Martins de Oliveira, Raquel Mombelli)
(4) https://www.grupobbf.com.br  and https://www.agropalma.com.br/
(5) Global Witness, A Sombra do Dendê, 2022.
(6) The Guardian, The multinational companies that industrialised the Amazon rainforest, June 2023
(7) Reporter Brasil, Cercados pelo dendê, povos tradicionais vivem terror em disputa fundiária com produtora de biodiesel, agosto 2022
Avispa Media, Palma e Conservação: aliadas na expulsão de comunidades na Amazônia brasileira, maio 2023  
Agência Publica, Com inércia do governo, empresas do dendê avançam sobre terras públicas da Amazônia, agosto 2022
Metrópoles, Ouro líquido: Produção de dendê explora populações negras e indígenas no Brasil, Novembro 2022
Mongabay Brasil, Exportadora de óleo de palma acusada de fraude, grilagem de terras em cemitérios quilombolas, Dezembro 2022
(8) Grain, Toxic river: the fight to reclaim water from oil palm plantations in Indonesia, December 2020  
(9) Mongabay Brasil, Desmatamento e água contaminada: o lado obscuro do óleo de palma ‘sustentável’ da Amazônia, 2021
(10) WRM Bulletin, Brazil: Hydro Alunorte’s Alumina Tailings Dam. A Disaster Foreshadowed, November 2019
(11) Globo.com, Ação quer suspender obras de mineroduto dentro de área quilombola no Pará, Outubro 2023
(12) Carneiro Thury, João Paulo, 2017. Tensões territoriais na Amazônia Paraense: o povo indígena Tembé-Turé-Mariquita no município de Tomê Açu. Master’s dissertation.
(13) Globus, Illustrierte Zeitschrift für Land und Völkerkunde, 1904. Eine Zoologische Forschungsreise nach dem Rio Acará im Staate Pará (Brasilien), H. Meerwarth.
(14) MPF/PA. Recomendação 18/2023 no Inquérito Civil 1.23.000.000550/2021-10
(15) Nota da Agropalma, 2023. Esclarecimentos sobre a matéria publicado pelo site ver-o-fato
(16) MPF/PA. Recomendação 18/2023 no Inquérito Civil 1.23.000.000550/2021-10
(17) CNDH, Recomendação No. 16, de 08 de Agosto de 2023.
(18) ABA, Ofício No. 041/2023/ABA de 09 de agosto de 2023.
(19) BT Mais, Indígena morre baleado por seguranças de empresa em Tailândia (Pará, Brasil), denuncia etnia Turiwara, Novembro 2023
(20) Carta Em Solidadariedade À Cacica Miriam Tembé 
(21) Ação Penal 0802666-85.2023.8.14.0060, Decisão de 26/01/2024.