A compra de créditos de carbono gerado em florestas ou projetos de plantio de árvores sob o mecanismo de REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) se tornou muito popular em todo o mundo. O REDD possibilitou que muitas empresas e governos alegassem ser “neutros em carbono”, mesmo que o mecanismo tenha se revelado um fracasso. Essa estratégia não dá certo porque, uma vez emitido, o carbono “armazenado” em árvores tem um impacto sobre o clima que é muito diferente daquele causado pelo carbono emitido por “estoques” subterrâneos de petróleo, gás ou carvão (1). Assim, após mais de 18 anos de projetos e programas de REDD em todo o mundo, a crise climática só piorou. Enquanto isso, a única maneira de reverter o caos climático é deixar de extrair combustíveis fósseis.
Após a Cúpula da Terra de 1992, no Rio (o encontro que colocou a questão climática na agenda internacional), o governo tailandês começou a formular e implementar sua “política climática”. A Tailândia tem se mostrado particularmente interessada em uma política baseada na compensação de carbono, uma opção atraente para indústrias poluidoras porque é mais barata do que reduzir as emissões causadas pela queima de combustíveis fósseis. As compensações permitem que as empresas comprem créditos de carbono de projetos localizados em outros lugares, ou seja, que elas “comprem” o direito de continuar poluindo.
Após o lançamento internacional do mecanismo de REDD, em 2007, o Ministério de Recursos Naturais e Meio Ambiente criou a Organização para os Gases de Efeito Estufa da Tailândia (TGO, na sigla em inglês) para promover a compensação e o comércio de carbono. Em 2009, o país se tornou membro da Parceria para o Carbono Florestal (Forest Carbon Partnership Facility, FCPF) do Banco Mundial para “se preparar” para o REDD. Em 2014, o governo criou o mecanismo de Redução Voluntária de Emissões da Tailândia (T-VER), regulamentado pela TGO. Após ratificar o Acordo de Paris (2016), a Tailândia definiu sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) para combater as mudanças climáticas, que incluía ter reduzido suas emissões de GEE em até 40% em 2030, tornar-se “neutra em carbono” até 2050 e ter emissão “líquida zero” (net-zero) de GEE até 2065.
O apoio do Banco Mundial, por meio da FCPF, foi fundamental para que o governo tailandês formulasse sua estratégia de REDD para o período de 2023 a 2037. Em 2021, o governo apresentou a estratégia ao parlamento do país para aprovação. A meta é aumentar a cobertura florestal do país, dos atuais 31% para 40% em 2037. O governo alega que isso levaria à redução de até 120 milhões de toneladas nas emissões de CO2. Enquanto essa proposta ainda aguarda aprovação no parlamento (e o posterior financiamento volumoso esperado tanto do Banco Mundial quanto de outros doadores), o governo tailandês anunciou um plano ainda mais ambicioso para compensar as emissões de CO2: usar as chamadas “áreas verdes”, com a meta de cobrir 55% do território do país (mais da metade!) com essas áreas.
A criação de “áreas verdes” em vez de florestas gera incentivos para empresas privadas investirem não apenas em projetos de reflorestamento, mas também em plantações industriais de dendê e qualquer tipo de projeto de monocultura de árvores, como plantações de eucalipto, acácia, seringueira ou teca. A seguir, as empresas podem obter créditos de carbono para esses projetos, que supostamente compensam suas emissões. Nas últimas décadas, a expansão industrial do dendê tem sido uma das maiores causas diretas do desmatamento tropical em todo o mundo e, portanto, uma grande fonte de emissões de CO2. Atualmente, a Tailândia tem cerca de um milhão de hectares de plantações de dendezeiros e planeja ampliar ainda mais essa área nos próximos anos (2). Todos os grandes projetos industriais de monocultura de árvores causam fortes impactos, incluindo grilagem de terras, impactos ecológicos, uso de violência e despejos forçados, tudo com grande intensidade.
O plano para implementar essas “áreas verdes” e incorporar mais da metade do país a mecanismos de compensação de carbono está sendo coordenado sob os auspícios do programa T-VER e prevê um enorme incremento da área de plantações de árvores, totalizando 30 milhões de rais (4,8 milhões de hectares). Em setembro de 2024, 460 projetos foram registrados no programa, 87 dos quais envolvem plantações de árvores. A alegação é que, juntos, eles supostamente evitarão a emissão de 13 milhões de toneladas de CO2.
A política econômica da Tailândia perpetua a dependência em relação aos combustíveis fósseis
O papel central das compensações de carbono na “política climática” da Tailândia pode ser mais bem compreendido quando se olha para os planos de desenvolvimento econômico e a matriz energética do país. Atualmente, 70% de suas emissões de GEE vêm da queima de combustíveis fósseis. A proposta de plano de energia feita pelo governo em 2024 para o período de 2024-2037 prevê que os combustíveis fósseis, principalmente gás e carvão, continuem sendo a principal fonte de energia da Tailândia, respondendo por 48% do fornecimento de energia do país. Essa fonte será complementada por energia solar e outras fontes renováveis (32%), energia hidrelétrica (17%) e outras.
A dependência da Tailândia em relação aos combustíveis fósseis serve como justificativa para que sua política de desenvolvimento econômico esteja focada na implementação de uma rede de 15 das chamadas “Zonas Econômicas Especiais” (ZEEs), incluindo “corredores econômicos” (3). Essas áreas garantem condições especiais para investidores, como incentivos fiscais e concessões de até 99 anos, e se espera que atraiam investimentos estrangeiros, principalmente da China, do Japão e dos Estados Unidos.
Mas esses projetos também gerarão, inevitavelmente, mais apropriação de terras e mares, bem como mais emissões de GEE baseadas em combustíveis fósseis, devido a todas as atividades de construção, de transporte e industriais envolvidas. Por exemplo, o Corredor Econômico do Sul (SEC) planejado nessa parte do país cobrirá 14 províncias. Os locais-piloto estarão nas províncias de Ranong, Chumphon, Nakhon, Thammarat e Surat Thani, cobrindo uma área total de 300 mil rais (48 mil hectares). O projeto incluirá um porto de águas profundas, bem como indústrias químicas, de petróleo e de processamento de alimentos. O SEC destruirá áreas costeiras e florestais, deslocará comunidades e terá forte impacto na segurança alimentar das comunidades próximas. Para contextualizar, é uma região que inclui inúmeras comunidades que dependem de manguezais e um sítio Ramsar (4) para conservação da biodiversidade.
Lucro de empresas e lavagem verde
Em vez de abordar o grave problema do caos climático e suas causas profundas, a “política climática” do governo tailandês — como as de tantos outros países — beneficia investidores internacionais e o já privilegiado setor privado do país. Essa “política climática” também proporciona um benefício a mais às empresas de combustíveis fósseis altamente poluentes: permite que elas façam lavagem verde e desviem a atenção de atividades destrutivas e das violações que cometem.
Um exemplo de empresas que fazem lavagem verde e desviam a atenção das violações que cometem é a companhia nacional tailandesa de petróleo e gás, a PTT. Ela importa gás de Mianmar para garantir o fornecimento na Tailândia, e os pagamentos que a PTT faz ao regime militar lhe permitem continuar uma guerra sangrenta contra seu próprio povo (5). Ataques aéreos do exército de Mianmar já mataram milhares de cidadãos do país, e milhões deles se tornaram refugiados. No entanto, a PTT, com sua participação no programa de compensação T-VER, projeta a imagem de uma empresa social e ambientalmente responsável. Em 2023, anunciou que irá “reflorestar” 2 milhões de rais (320 mil hectares) em todo o país até 2030. Seu CEO afirma que a PTT “cumpriu rigorosamente sua missão de manter a segurança energética, bem como de cuidar da sociedade e do meio ambiente nos últimos 45 anos” (6).
Mais injustiça social e mais resistência
Comunidades tailandesas que vivem nas florestas, dependem delas e as cuidam tiveram que enfrentar pelo menos duas grandes ameaças: ataques ao seu território como resultado de uma política econômica destrutiva (incluindo as ZEEs) e uma política conservacionista violenta e autoritária que está sempre tentando expulsá-las da floresta (7). E agora, a pressa para instalar projetos de carbono que passariam a controlar suas terras (tudo sob pretexto de “compensar” a poluição em outro lugar) é uma ameaça extra, que elas enfrentarão cada vez mais.
Quanto ao Corredor Econômico do Sul (SEC), no sul da Tailândia, as comunidades já estão protestando contra esses planos. Elas escreveram cartas a investidores manifestando suas preocupações, inclusive falando sobre como esse projeto representa uma ameaça aos seus meios de subsistência. Mas, como em outros países, as comunidades tailandesas costumam aceitar projetos de carbono por causa dos benefícios prometidos pelo governo e por ONGs. No país, 89 comunidades registraram 121 chamadas “florestas comunitárias” no esquema T-VER, incluindo comunidades do sul que dependem de manguezais. Talvez uma razão para essa aceitação seja que esses projetos não envolvem diretamente a destruição aberta e visível causada por outros tipos, como mineração, plantações de árvores, portos de águas profundas e zonas industriais.
Consequentemente, várias comunidades no sul da Tailândia já assinaram contratos de até 30 anos para vender créditos de carbono (8). De acordo com esses contratos, as comunidades receberiam 20% das vendas, enquanto 70% iriam para o desenvolvedor do projeto de carbono e 10% para o governo. Para receber sua parte, a comunidade precisa garantir que o carbono “armazenado” nas áreas de mangue não apenas será mantido lá, mas também aumentará ao longo do período do projeto. Contudo, não está claro o que isso significa na prática, pois o contrato não fala claramente sobre, por exemplo, restrições à entrada e uso dos manguezais. O que o contrato do projeto de carbono diz é que ele pagará às pessoas da comunidade para trabalhar no projeto – o que significa monitorar a área de mangue contra ameaças potenciais. Mas quais são essas ameaças, se as comunidades sempre cuidaram da floresta?
Experiências de outros lugares nos mostraram que, na maioria das vezes, essas “ameaças” são os próprios membros da comunidade, quando querem cortar uma árvore ou pretendem “perturbar” o carbono armazenado no mangue. Esses projetos também geram conflitos dentro das comunidades. Por exemplo, é comum que haja divisões entre uma minoria que se beneficia do projeto de alguma forma (por exemplo, por meio de empregos) e uma maioria que é excluída desses benefícios e até mesmo prejudicada pelo projeto. É muito provável que haja conflitos na Tailândia, onde as pessoas que vivem em áreas florestais têm sido historicamente ignoradas e perseguidas, e nenhum direito à terra lhes foi reconhecido. Devido a esse precedente histórico de ignorar os direitos dos moradores da floresta, os novos “detentores de direitos” de carbono (empresas que promovem e compram os créditos) não costumam informar adequadamente as comunidades sobre seus projetos, muito menos buscar o consentimento delas.
Porém, cada vez mais, comunidades e movimentos populares em toda a Tailândia têm começado a falar e buscar entender melhor o que realmente está acontecendo com a “política climática” do governo. Eles estão falando sobre como os esquemas de compensação de carbono tendem a piorar o caos climático e causar mais injustiça social, e não o oposto (9).
A luta deles pode nos ajudar a lidar com as múltiplas crises que a Tailândia está enfrentando, apontando uma nova direção: em vez de promover mecanismos de compensação de carbono que aumentam os lucros das empresas com base na extração e na queima de combustíveis fósseis, podemos promover e reconhecer os direitos de quem depende da floresta, como as comunidades dos manguezais do sul da Tailândia que dependem e cuidam dessas florestas há muitas gerações. Apoiar suas lutas e suas demandas pode promover a justiça social e climática no país.
Secretariado Internacional do WRM, com contribuição de Surin Onprom (pesquisador independente) e Bandita Yangdee (Center for Ecological Awareness Building)
(1) https://www.wrm.org.uy/pt/15-anos-de-REDD-Todo-o-carbono-e-igual
(2) https://www.krungsri.com/en/research/industry/industry-outlook/agriculture/palm-oil/io/plam-oil-industry-2024-2026
(3) https://www.thailand.go.th/issue-focus-detail/006-023
(4) So-called wetlands of international importance, see www.ramsar.org
(5) https://globalmayday.net/bloodmoneymyanmar/
(6) https://www.nationthailand.com/business/corporate/40030072
(7) https://www.wrm.org.uy/pt/artigos-do-boletim/colonialismo-florestal-na-tailandia
(8) https://dialogue.earth/en/nature/thailand-turns-to-mangrove-carbon-credits-despite-scepticism/
(9) The People's Network for Climate Justice and Against Greenwashing. Stop Greenwashing Say No to Carbon Offset End the false solutions to climate crisis. 14 October 2024, Veja aqui.