As indústrias petrolíferas são a principal fonte de emissões globais. (1) Em vez de reduzir suas emissões, eles aproveitam a preocupação com a crise climática para promover projetos enganosos de expansão de plantações de árvores como uma solução para compensar suas emissões (2). Em um círculo vicioso, projetos de plantação altamente opacos estão se desenvolvendo, constituindo assim novas fontes de renda para as empresas de plantação e servindo de justificativa para as multinacionais continuarem poluindo. Vinte anos antes, organizações já estavam soando o alarme sobre o uso da lavagem verde (greenwashing), segundo a qual a expansão das plantações poderia compensar as emissões de carbono. (3) No entanto, os efeitos devastadores desses projetos não apareçam em suas mensagens publicitárias.
Na República do Congo, os projetos de reflorestamento começaram em 1936 após a destruição produzida durante a época colonial. (4) Um Serviço Nacional de Reflorestamento foi criado e um programa nacional de florestamento e reflorestamento foi criado para instalar um milhão de hectares de plantações. (5) Em 2013, o país lançou seu primeiro projeto de carbono como parte do processo de REDD+, cujo financiamento ainda não é efetivo. (6) Por outro lado, a expansão dos projetos de carbono iniciados por entidades privadas começa a partir de 2019, após várias reformas, incluindo a revisão do código florestal, a adoção de uma estratégia de REDD+ e a criação de uma Força-Tarefa de Carbono. (7)
No intervalo de quatro anos, entre 2019 e 2023, já existem sete contratos de arrendamento de longa duração entre o governo e as indústrias extrativas para áreas totais de cerca de 570.000 ha, maiores do que o tamanho de um país como Luxemburgo (ver mapa).
Entre os signatários desses contratos de arrendamento estão as multinacionais europeias que atuam no país e a consultoria Forest Management Resource (FRM). A FRM é pioneira em projetos de plantação de carbono no Congo e agora está em parceria com a maioria das multinacionais – uma espécie de onipresença que parece misturar os papeis de cada um, cheirando a conflitos de interesse (8).
Passando primeiro aos contratos, trata-se de arrendamentos de terras herdadas da era colonial, desta vez arrendadas para o desenvolvimento de projetos de compensação de carbono, incentivando assim a continuidade do ciclo dos poluidores. Este sistema de contrato de arrendamento é ilustrado como uma reconquista colonial de terras agrícolas dos legados coloniais (9), numa abordagem nada transparente e não consensual. A arquitetura desta abordagem é geralmente caracterizada pela ausência de um quadro que torne esses contratos públicos, reforçando assim a opacidade em termos de informação. E especificamente, notamos a falta de consulta às comunidades antes do início em alguns projetos. (10) Essa abordagem é fortemente criticada em vários projetos de carbono desenvolvidos em todo o mundo.
Em relação à área concedida, esses projetos de plantação estão se desenvolvendo em uma lógica de grilagem de terras para as quais o governo facilita o arrendamento a título de “domínios públicos do Estado”, nos termos da Lei nº9-2004, de 26 de março de 2004, com o Código de Domínio do Estado. Mas essa propriedade da terra pelo Estado permanece contestada, principalmente porque os artigos 2, 5 e 23 da Constituição de 25 de outubro de 2015 defendem que a soberania nacional pertence ao povo. Outra coisa, a relação entre a área concedida e aquela destinada às plantações permanece dúbia. De fato, a área total a ser plantada representa 380 mil hectares dos 570 mil. O resultado é um questionamento sobre o uso das outras porções de terra das quais esses projetos não fazem menção.
Além da falta de transparência e da apropriação de terras, também observamos o uso de termos enganosos e sedutores, como neutralidade de carbono e criação de empregos em favor das comunidades. De acordo com vários estudos, as árvores de monocultura na verdade têm um baixo potencial de sequestro em comparação com as florestas naturais que consomem grandes quantidades de água e desempenham um papel negativo na ruptura dos ecossistemas. (11) Isso mostra a natureza ilusória desses projetos de plantação, que destrem toda ou parte da vegetação a fim de compensar as emissões de petroleiras.
Agora é importante entender o impacto da expansão desses projetos nas comunidades dependentes da floresta e o que está por trás desses projetos.
FRM COFOR: comunidades se interrogam sobre um mercado de carbono opaco
Em 2019, a Forêt Ressources Management criou uma subsidiária da Congo Forest Plantation (COFOR), uma empresa de direito congolês. No mesmo ano, assinou um contrato de arrendamento de longo-prazo com o Governo do Congo para melhorar o reflorestamento de Madingou-Kayes. Atualmente, a empresa está desenvolvendo quatro projetos com seus investidores. Entrevistado pelo blog Makanisi, o chefe da empresa diz que o projeto prevê também o estabelecimento de florestas de acácia-mandioca e de eucalipto, o desenvolvimento de um setor de serraria e madeira compensada, com a promessa atraente de criar milhares de empregos para as comunidades. (12) Outro objetivo do projeto é contribuir para a mitigação das mudanças climáticas por meio de plantações. (13)
Mas a realidade parece muito diferente do cenário ideal. As comunidades de Madingou-Kayes entrevistadas afirmam que "não temos acesso nem ao contrato de arrendamento nem ao documento do projeto. Ficamos até surpresos ao ouvir que existem projetos de carbono aqui. Tudo o que sabemos é não se pode entrar nesta floresta...”. Além da falta de informação, o consentimento das comunidades não foi obtido antes do início do projeto, de acordo com os membros da comunidade de Mandingou-Kayes.
BACASI: greenwashing, violação de comunidades, um projeto inútil para o país
O projeto BaCaSi é uma parceria entre várias entidades, incluindo: as empresas francesas Total Energies e Forest Resources Management através da sua subsidiária congolesa Forest Neutral Congo e a República do Congo. O projeto tem como objetivo desenvolver uma plantação de árvores de 40 mil hectares. A área do projeto é de 55.000 hectares (14), enquanto a área concedida em 2022 é de 70.089 hectares. Isso levanta questões sobre outros objetivos do projeto não reconhecidos.
Além disso, o discurso é de que o projeto é ‘uma parceria baseada na agricultura e silvicultura locais avançadas, a serviço do desenvolvimento integrado e da ação climática, com co-benefícios como empregos e projetos sociais nas áreas de nutrição, saúde e educação’. (14)
No entanto, várias revelações feitas por organizações locais e internacionais demonstram que este é um projeto muito controverso. O que se nota são agricultores e populações indígenas forçados a deixar suas terras em vista da política de apropriação de terras do projeto. Algumas comunidades proprietárias de terras receberam baixa remuneração das autoridades, à taxa de um dólar por hectare para alguns. Isso significou a perda dos meios de subsistência das comunidades, reforçando sua insegurança alimentar e a pobreza. (15) Mas as revelações sobre o projeto Bakasi não param por aí. “Não se trata só de créditos de carbono; a plantação na realidade só vai compensar 2% das emissões de carbono da petroleira Total Energies. Portanto, por trás dessa operação, há uma questão de dinheiro e não de filantropia” opina um defensor de direitos humanos que conclui que esse projeto não é útil para a República do Congo.
Plantio de sequoia: processamento de madeira e ambição de crédito opaco
Após várias oportunidades para desenvolver um projeto destrutivo que foi considerado um fracasso pelas populações do Gabão (16, ver também artigo neste boletim), a Séquoia Plantations encontra refúgio na República do Congo graças ao apoio significativo concedido pelas autoridades, diz um dos gerentes da empresa (17). A Sequoia, fundada pela multinacional OLAM, agora faz parte do Equitane Group, com sede em Dubai. Foram celebrados dois contratos de arrendamento para dois projetos atualmente em desenvolvimento: o projeto de replantação florestal de 36.000 hectares concedido em maio de 2023 e o projeto de 69.000 hectares obtido em 2022, num investimento total de 96,5 milhões de euros (18).
Embora o documento do projeto (19) preveja principalmente o estabelecimento de novas plantações, a exploração e transformação da madeira de plantações já existes no local, levantando dúvidas. Com efeito, as palavras do gestor da empresa demonstram a existência de objetivos não reconhecidos dos projetos. Durante uma entrevista (19), o gerente sugere que sua empresa realizará plantações em larga escala, a fim de combater as mudanças climáticas, reduzindo ao mesmo tempo sua pegada de carbono. Por outro lado, um morador de Mandingou-Kaye, denuncia a falta de acessibilidade ao contrato de arrendamento e um processo de consultas voltado às autoridades locais. Isso deve, em última análise, estabelecer a existência de uma agenda climática não reconhecida e que os projetos se desenvolveram em uma abordagem de falta de transparência.
Eco ZAMBA: Oportunismo excessivo e impactos imprevisíveis
Chamado EcoZamba, o projeto da Société Nationale des Pétroles du Congo está ocorrendo na zona de savana dos planaltos do Congo. Um contrato de arrendamento de 30 anos foi recentemente celebrado em 2024 com o governo, que concede à empresa o uso de 168.720 hectares de terra. Esses projetos florestais e agroflorestais de 50.000 hectares visam, entre outras coisas, vender créditos de carbono. (20)
Mas algumas ONGs são céticas sobre os impactos do projeto nas comunidades e no meio ambiente. Segundo eles, “as petroleiras não se destinam a reflorestar. Sua vocação é produzir e comercializar petróleo. Eles estão embarcando em um setor que não é o delas. É por puro oportunismo. Mas no plano ambiental, estamos perdendo o nosso ecossistema das savanas. E, há animais, pássaros e insetos que só podem prosperar em áreas de savana.”O custo de financiamento do projeto não foi revelado, denuncia, e o contrato de arrendamento ainda não foi publicizado. (21)
RENCO: o projeto Mbé Carbon Garden
O Governo da República do Congo e a RENCO GREEN SARLU, uma subsidiária da multinacional italiana RENCO SPA, assinaram um acordo de parceria em 28 de julho de 2023 como parte da implementação do Jardin Carbone-Mbé. O projeto tem como objetivo implementar plantações de Acacia auriculiformis de 40.050 hectares e comercializar o carbono das árvores plantadas. Nesta área, o projeto prevê a instalação de 1.200 hectares de plantações agroflorestais em benefício das populações segundo o modelo agroflorestal “Acacia-mandioca”, com uma dinâmica de implantação de 150 (cento e cinquenta) hectares por ano e rotações de oito anos. (22)
Por fim, o projeto não prevê nenhum plano de repartição de benefícios com as comunidades em razão da exclusividade garantida pela lei dos créditos de carbono gerados em plantio privado de domínio florestal do Estado.
Além disso, outros projetos de carbono foram concedidos na República do Congo, desta vez nas indústrias florestais e no setor de conservação. Entre outros, a indústria florestal de Ouesso (23); a Madeira Industrial Congolesa; Yuan Dong Forestry Company, e a ONG conservacionista Widlife Conservation Society. (24) Além disso, a African Park Network, gestora do Parque Nacional de Odzala-Kokoua, manifestou a sua intenção de diversificar o seu campo de atividade com os créditos de carbono. (25)
Em última análise, o interesse das empresas de extração de petróleo ainda é continuar a extrair combustíveis fósseis, bem como fazer negócios no âmbito do mercado de carbono, o que representa um duplo benefício para elas (26). Para isso, desenvolvem projetos enganosos, seduzindo comunidades e em abordagens muito pouco transparentes. Enquanto isso, permanecem intactas as raízes do problema, entre as quais a mudança climática causada pelo uso de combustíveis fósseis e a falta de acesso e proteção das terras utilizadas pelas comunidades. Por mais vasta que seja, nenhuma plantação de árvores jamais será capaz de absorver o carbono emitido pelas atividades petroleiras e nunca resolverá os problemas das comunidades que dependem da terra e das florestas.
Bernadin Yassine NGOUMBA, defensor de direitos humanos e ambientais, e o secretariado do WRM
(1) Rapport Agence internationale de l’énergie (AIE 2023) : 33 pour cent pour le pétrole et 23 pour cent pour le gaz naturel.
(2) WRM. Expansion des plantations d'arbres pour les marchés du carbone. Décembre 2023.
(3) Déclaration du Groupe de Durban. 2004.
(4) Jean, B. et Delwaulle, - J.C. Les Reboisements en République Populaire du Congo. La Chronique Internationale. 1981, Vol. XIII, 2.
(5) Service National de Reboisement (http://snrcongo.free.fr/ ) créé en 1986 et Programme National d’Afforestation et de Reboisement (PRONAR) créé en 201. https://tinyurl.com/4cx47zuc
(6) RP Sangha Likouala, document de projet. https://tinyurl.com/4h9js8y3
(7) Code forestier revisé : Loi 33 du 08 juillet 2020 portant code forestier, art. Titre 10 sur les crédits carbone, art. 177 et suivant (https://www.sgg.cg/codes/congo-code-2020-forestier.pdf) ; strategie REDD : Stratégie REDD+, 2018; task force carbone : Communiqué de la session inaugurale de la mise en place de la Task-Force Carbone, février 2024.
(8) Pigeaud, Fanny. Dans le bassin du Congo, la Françafrique fait feu de tout bois. Pulitzer Center, 2024.
(9) Raison, Jean-Pierre. La colonisation des terres neuves intertropicales. Persée. 1968, 5-112.
(10) REDD Monitor, Les dirigeants autochtones n’ont pas été consultés sur l’accord REDD de 180 millions de
dollars conclu par la coalition LEAF dans l’État du Pará. https://reddmonitor.substack.com/p/indigenous-leaders-were-not-consulted
(11) Total au Congo, une opération de Greenwashing destructice. Comité catholique contre la faim et pour le développement - terre solidaire. 2022.
(12) Le Congo mise sur l’agroforesterie et les puits de carbone en savane. Malu-Malu, Muriel Devey. s.l. : Makanisi, 2021.
(13) Paul Bertaux et al. Les plantations forestières en Afrique Centrale. 2020.
(14) Le projet BaCaSi : un partenariat pionnier pour le développement durable en République du Congo. Total Energie. 2022. Voir aussi : Loi n°7-2022 du 26 janvier 2022 portant approbation de la convention de partenariat entre le gouvernement et les sociétés Total Nature Based, Congo Forest Company et Forest Neutral Congo.
(15) Des paysans expulsés pour des crédits carbone au Congo. Tiassou, Kossivi. 2023.
(16) Haut-Ogoou" : Sequoia plantations face au rejet des population malgré l'opportuinité d'emploi. Libreville : s.n., 19 septembre 2023, Ethique media Gabon.
(17) Singh, Satinder. Une déléguation de la société Sequoia chez Rosalie Matondo. Page facebook du MEF. Brazzaville, 19 Janvier 2024.
(18) SEQUOIA Plantation. Note d'information: La situation de l'eucalyptus en République du Congo. 2024. p. 4-5.
(19) Barot, Shailesh. Exploitation forestière: la société Sequoia plantation obtient une concession de 35 961 hectares. Brazzaville, 13 mai 2023.
(20) Signature d’un bail emphytéotique entre le gouvernement congolais et la SNPC. Agence d'information environnementale. s.l., 2024.¸ Projet Eco Zamba : la SNPC s’engage dans la plantation d’acacias pour compenser son impact environnemental au Congo. Fatshimetrie. s.l., 2023.
(21) Congo-B: la compagnie pétrolière nationale lance un projet de reforestation. RFI, 2023.
(22) Projet JACA-Mbé : RENCO Green Sarlu compte séquestrer 30 millions de tonnes équivalent carbone à l’horizon 2025. Agence d'information'environnementale. AIE. Voir aussi : Loi 33 du 08 juillet 2020 portant code forestier, art. Titre 10 sur les crédits carbone, art. 177 et suivant.
(23) Congo : Un accord pour commercialiser les réductions des émissions générées dans les Aac de Ngombé. Fédération Atlantique des Agences de Presse Africaine (FAAPA). s.l., 2024. Voir aussi : Projet Interholco AG
(24) Projet OLAM CIB; Projet SEFYD; Projet HIFOR de WCS, gestionnaire du Parc Nuabalé Ndoki;
(25) https://www.aci.cg/congo-economie-forestiere-necessite-de-diversifier-les-activites-du-parc-national-dodzala-kokoua-pour-promouvoir-lecotourisme/?amp=1
(26) La région de la Sangha en République du Congo. WRM. 2022.