Os projetos de infraestrutura, como estradas, ferrovias, portos, aeroportos, instalações para extração de petróleo, gás e minerais, ou para a geração de energia, como as megarrepresas, são constantemente promovidos como algo necessário para o “desenvolvimento”. No entanto, longe de resolver as necessidades das populações locais, como acesso a eletricidade, água potável ou serviços de saneamento, esses projetos servem para facilitar e expandir um sistema econômico que busca “desenvolver” a extração constante de matérias-primas, prioritariamente para o mercado de exportação.
Como peça fundamental do modelo econômico dominante, a infraestrutura em grande escala é uma das causas subjacentes da devastação de florestas e meios de subsistência locais. Os discursos que definem o desenvolvimento como sendo o acesso a “matérias-primas” para o comércio e a “integração regional” aos mercados globais silenciam diante da realidade dos milhares de habitantes locais que enfrentam os impactos nefastos desses projetos. Hoje em dia, os governos, os bancos multilaterais de desenvolvimento (leia-se Banco Mundial, os Bancos Interamericano, Asiático e Africano de Desenvolvimento, etc.) e grupos como o Mercosul ou o G-20, estão promovendo novamente o investimento em infraestrutura. Desta vez, ela também será usada como via de escape à atual crise de superacumulação, ou seja, muito capital perseguindo poucas oportunidades de investimento.
Em 1994, o Banco Mundial publicou um Relatório de Desenvolvimento Mundial sobre infraestrutura, no qual promovia a privatização dos serviços públicos “como forma de aumentar a eficiência e melhorar a oferta da infraestrutura” (1). O governo passou do papel de “dono” ao de “facilitador” dos projetos de “desenvolvimento”. Esta agenda privatizante foi promovida (e imposta) durante os anos 90, principalmente por meio das parcerias público-privadas, conhecidas como PPPs. Não obstante, hoje em dia, o processo vai ainda mais longe. Como denuncia um relatório da organização The Corner House (2), criou-se uma série de instrumentos e regulamentações que transformam a infraestrutura em um novo tipo de ativo, gerando mais lucros dentro dos chamados mercados financeiros.
Ou seja, o aspecto fundamental deste novo “boom” é a intensificação do processo de financeirização (ver Boletim 181 do WRM). O motor por trás do investimento em infraestrutura já não está nas mesmas construções ou na produção de bens; ele se concentra cada vez mais na possibilidade de gerar lucros através de instrumentos financeiros. Um exemplo são os fundos privados de capital, um ator central no processo. Esses fundos compram a maioria das ações de uma empresa, tomam sua administração, incrementan dministraciañtors, que el Banco Mundial invirtindia por ejemplo, las inversiones crecieron de 2006es.ictions and f, incrementam sua rentabilidade, e depois vendem essas ações com lucro. Para o investidor financeiro, não importa qual é o projeto de infraestrutura, que finalidade ele tem, nem quem pode se beneficiar dele, desde que o setor de infraestrutura funcione como uma plataforma que possibilite a constante acumulação de capital.
Nas últimas duas décadas, o setor empresarial se converteu rapidamente em protagonista do investimento em infraestrutura. O mesmo relatório da The Corner Houseressalta que, de 2002 a 2007, o valor dos projetos de infraestrutura com participação empresarial alcançou cerca de 603 bilhões de dólares segundo o Banco Mundial. O montante supera em muito a assistência fornecida ao desenvolvimento, no mesmo período, pelos 34 países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, a OCDE. Além disso, o Banco informou em 2012 que a participação privada em infraestrutura alcançou seu ponto mais alto em 2010, com 160 bilhões. A Índia, por exemplo, espera obter 40% dos 200 milhões em gastos anuais do setor privado em infraestrutura, entre 2013 e 2017.
Na América do Sul, a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) planeja construir mais de 500 projetos, os quais já vêm destruindo economias e territórios locais (ver Boletim 161 do WRM). Os eixos viários e fluviais seguem o acesso aos “recursos naturais” da região para facilitar sua extração e seu transporte. Além de contar com investimentos de fundos públicos, principalmente do Brasil, a IIRSA tem 37% de seus custos cobertos por PPPs e 17%, pelo setor privado. É o caso da BrookfieldAsset Management, uma empresa canadense gestora de ativos financeiros que, em associação com a espanhola Abertis, assumiu o controle de 3.200 km de rodovias no Brasil, pertencentes à construtora espanhola OHL (3). A Brookfield administra quatro fundos de capital em áreas de transporte e energia na América Latina. Muitas das estradas atravessam parques nacionais e territórios indígenas, permitindo a expansão de empresas agroindustriais, madeireiras, mineradoras e companhias de petróleo e gás. Em toda a região, as populações locais estão resistindo fortemente a esses projetos (4).
A cada nova transação, são gerados lucros para os intermediários, os quais estão à espera de imensos retornos. Além dos fundos privados de capital, outros intermediários importantes são os “fundos de infraestrutura”, que investem em empresas e não em projetos, possibilitando grandes obras de infraestrutura sem o risco comumente associado ao seu financiamento direto (5). Os fundos de infraestrutura contam com investimentos de atores institucionais, como os fundos de pensão, hoje administrados como se fossem fundos do setor privado. Isso oculta ainda mais as divisões entre o público e o privado.
Na África, por exemplo, países como Namíbia, Quênia, Botsuana e Tanzânia estão buscando reformar suas legislações para permitir que os fundos de pensão nacionais possam investir em projetos de infraestrutura, enquanto a África do Sul e a Nigéria já o fizeram.
Atualmente, o Camisea é o maior e mais polêmico projeto energético do Peru. Uma de suas tubulações, com 1.085 Km, operada pela Kuntur Transportadora de Gás, recebeu o apoio financeiro do fundo privado de capital Conduit Capital Partners, LLC (6). Além do enorme desmatamento causado pela extração de gás no meio da Amazônia, outros milhares de hectares foram cortados para a instalação de tubulações, plantas de fracionamento, portos, estradas de acesso e redes elétricas. Essas construções passam por cima de reservas comunais, territórios indígenas e parques nacionais (7). Ironicamente, a maior parte do gás é consumida pelos projetos de mineração nos Andes peruanos, os quais, por sua vez, se sobrepõem a quase metade dos territórios de comunidades camponesas da região (8). As minas, de sua parte, também necessitam da instalação de estradas de acesso, acampamentos, abertura de canais de escoamento, poços de reconhecimento, entre outros.
Em alguns países do Sul global, o volume investido por fundos de capital em infraestrutura já excede até mesmo o investimento feito pelos bancos multilaterais de desenvolvimento. Na Índia, por exemplo, enquanto o Banco Mundial investiu 3 bilhões de dólares em infraestrutura em 2009-10, os investimentos privados cresceram de 1 bilhão em 2006 para 4 bilhões em 2010 (9). A empresa que construiu quase 4.000 km de estradas na Índia, a KMC Constructions, afirmou em 2011 que “se devem buscar fundos de capital privado para captar mais e mais [capital] e poder ampliar a capacidade” (10).
Não obstante, os bancos multilaterais de “desenvolvimento” também usam intermediários financeiros, como os fundos privados de capital, para reduzir os riscos aos investidores privados. Eles promovem as condições para atrair mais capital financeiro. Em Angola, por exemplo, o Banco Mundial ofereceu um bilhão de dólares para financiar infraestrutura e agricultura, esperando atrair mais fundos de capital, incluindo os fundos de pensão (11). Além disso, usando intermediários financeiros, os bancos multilaterais poderiam inclusive se isentar de qualquer “salvaguarda” social ou ambiental que tenham assinado.
Os megaprojetos de infraestrutura seguem impondo uma reorganização territorial, agora ditada pelo capital financeiro, para formar “corredores de comércio”, que são essenciais para o modelo econômico dominante, já que buscam facilitar e baratear o saque. Milhões de toneladas de “bens” são extraídas e distribuídas, principalmente para estimular o consumo ilimitado que prevalece nos países do Norte e que tenta cada vez mais penetrar nos do Sul.
Mesmo assim, com a intensificação da financeirização, as empresas entram em um ciclo constante em que são compradas e vendidas por diversos intermediários, como fundos de capital ou de infraestrutura. Assim, as atividades propriamente ditas – leia-se extração de minérios ou comércio de bens – já não são suficientes para gerar o nível de lucro desejado. O processo tem graves consequências para as economias e os modos de subsistência locais, já que as populações afetadas e as organizações que as acompanham têm cada vez mais dificuldades de monitorar as empresas “responsáveis” pela devastação.
Outra implicação profunda desse processo é para quê e para quem se está financiando qual infraestrutura – e quais não estão sendo financiadas. A construção de megainfraestruturas, longe de pensar nas populações locais, sempre seguiu uma agenda marcada por interesses corporativos, mas agora vemos como os governos, podendo tirar lucros maiores do setor, estão ainda mais interessados em incrementar esses projetos. Isso impede a implementação de políticas públicas que deem prioridade às demandas locais de acesso a serviços básicos, enquanto aprofunda as injustiças para com as populações que devem conviver com esses projetos, bem como a destruição de seus territórios, em sua maioria, florestas. Governos e instituições públicas têm um papel fundamental nesse processo, já que facilitam os investimentos de longo prazo para os mercados de capital financeiro.
Os megaprojetos quase sempre implicam uma contenção – violenta – das populações que resistem à concentração de grandes extensões de terra. Sendo assim, quais territórios são prejudicados por esses projetos? Que setores da população sofrem as consequência de uma represa ou uma tubulação de gás? Essas construções desnecessárias para as populações locais são agora intensificadas pelo processo de financeirização, acarretando muita devastação e violação de direitos humanos. Os vencedores e os perdedores deste “impulso” de infraestrutura estão certamente ligados à distribuição e às relações de poder na sociedade.
Sendo assim, as empresas construtoras de estradas, represas e tubulações se converteram na base de expansão dos mercados financeiros. No processo, os lucros são extraídos principalmente investindo nas empresas, e não na infraestrutura em si – uma característica da era em que os investimentos têm o objetivo de “tomar” e não de “fazer”. Com este “impulso”, os novos atores financeiros, de mãos dadas com empresas transnacionais, bancos multilaterais e governos nacionais, estão intensificando uma importante causa subjacente do desmatamento: um modelo econômico que busca acumulação constante de capital. Por conseguinte, a financeirização da infraestrutura, sob o discurso do “desenvolvimento” e do “progresso”, oculta cada vez mais desigualdade, destruição florestal e violência social.
Para mais informaçções, ver: Nick Hildyard, More thanbricksandmortar. Infrastructure-as-asset-class: financingdevelopmentordevelopingfinance?, The Corner House,www.thecornerhouse.org.uk/sites/thecornerhouse.org.uk/files/Bricks%20and%20Mortar.pdf
Notas:
(1) Banco Mundial, 1994, Relatório sobre o desenvolvimento mundial: Infraestrutura para o desenvolvimento, http://documentos.bancomundial.org/curated/es/1994/06/12337309/world-development-report-1994-infrastructure-development-informe-sobre-el-desarrolo-mundial-1994-infraestructura-y-desarrollo
(2) Hildyard, M (2013) More thanbricksandmortar. Infrastructure-as-asset-class: financingdevelopmentordevelopingfinance?, The Corner House, www.thecornerhouse.org.uk/sites/thecornerhouse.org.uk/files/Bricks%20and%20Mortar.pdf
(3) ODG y TNI, Impunidad S.A., Herramientas de reflexión sobre los “súperderechos” y los “súper poderes” del capital corporativo, www.tni.org/sites/www.tni.org/files/download/impunidad_sa.pdf
(4) Ver mapeamento de projetos e resistências em: www.abyayalacolectivo.com/iirsa/#
(5) Re:Common, LargeInfrastructuretoOvercometheCrisis? www.recommon.org/eng/?p=2923
(6) O fundo da Conduit Capital Partners, LLC. que apoiou esse projeto é o “LatinPower III”: www.conduitcap.com/kuntur.htm
(7) WRM, EnmascarandoladestrucciónenlaAmazonía Peruana,http://wrm.org.uy/es/libros-e-informes/enmascarando-la-destruccion-redd-en-la-amazonia-peruana/
(8)Zevallos, M., 24 de maio de 2013, Retrocesoenlaimplementación de la consulta previa, Noticias Aliadas, www.noticiasaliadas.org/articles.asp?art=6831
(9)India tops WorldBank’sloanlist, http://business.rediff.com/report/2010/jun/23/india-tops-world-banks-loan-list.htm
(10)Private EquityPaves Road for India’sInfrastructure, www.preqin.com/item/private-equity-paves-road-for-india-s-infrastructure/102/3798
(11)World Bank offers Angola $1 billiontofundinfrastructure, agriculture, www.theafricareport.com/Southern-Africa/world-bank-offers-angola-1-billion-to-fund-infrastructure-agriculture.html