De que forma as grandes empresas de dendê conseguem fazer com que seu óleo seja vendido como produto “verde”, “sustentável” e “amigo do clima”, quando ele não é nada disso? De que forma essa imagem verde ajuda as empresas a se expandir ainda mais, como está acontecendo atualmente na África? Este artigo analisa o caso da OLAM International, que publicou a versão preliminar de sua Política Global para as Florestas em fevereiro de 2017 (1). As palavras promissoras da empresa são apenas uma cortina de fumaça em torno do que continua sendo seu principal objetivo: aumentar os lucros.
As empresas de dendê mudaram?
É nisso que elas querem que acreditemos. Se olharmos a versão preliminar da Política Global para as Florestas da OLAM, veremos que diz: “O objetivo principal da OLAM é crescer de forma responsável, com o objetivo de atender às necessidades essenciais do mundo”. O documento manifesta sua preocupação com proporcionar “segurança alimentar” aos “nove bilhões de pessoas que devem habitar o nosso planeta até 2050”, e a necessidade de “emprego no longo prazo” e “oportunidades de subsistência nas zonas rurais”. À primeira vista, a política se parece mais com um documento escrito por uma instituição beneficente ou pública do que por uma grande empresa transnacional, o que leva à pergunta: a OLAM mudou?
Essa transformação exigiria que a OLAM deixasse de ter como prioridade a maximização dos lucros para seus principais proprietários, a empresa de investimentos Temasek Holdings (52,3%) de Cingapura e a Mitsubishi Corporation (20,3%) do Japão. Mas, lendo a “declaração do diretor” em seu relatório anual de 2015, fica claro que não houve qualquer mudança. Não há referência àquelas nove bilhões de pessoas que deverão habitar o nosso planeta em 2050, apenas uma preocupação com “o bem-estar e a prosperidade” da empresa, que envolve “competitividade de mercado, qualidade dos retornos, crescimento dos negócios e aumento da produtividade”. (2)
A única mudança real é no discurso público da OLAM, e é resultado direto das muitas lutas das comunidades locais e seus apoiadores para dar visibilidade às evidências cada vez maiores sobre os impactos negativos causados pelas grandes plantações industriais de monoculturas de dendê. O desmatamento, a contaminação ambiental e a invasão dos territórios das pessoas afetaram a imagem de empresas como a OLAM diante dos consumidores de óleo de dendê e dos bancos que financiam os negócios delas. Uma imagem negativa poderia interferir nas vendas da empresa e em sua capacidade de atrair financiamentos, ameaçando o seu principal objetivo de aumentar os negócios e obter lucros.
As empresas foram forçadas a fazer alguma coisa. Hoje em dia, quase todas as empresas de dendê têm divisões de “sustentabilidade” e se envolvem em processos e compromissos que dizem enfrentar os problemas que criam, principalmente o desmatamento. O Projeto de Política Global para as Florestas da OLAM lista vários princípios e iniciativas a que eles pretendem aderir, como o sistema de certificação Mesa Redonda sobre Óleo de Palma Sustentável (RSPO) (3), os conceitos de florestas de Alto Valor de Conservação (HCV, na sigla em inglês) e Alto Armazenamento de Carbono (HCS), bem como o princípio do Consentimento Prévio, Livre e Informado (FPIC).
Sendo assim, a pergunta seguinte é: esses processos e compromissos fazem qualquer diferença substancial para a vida cotidiana das comunidades? Argumentamos que não, e, portanto, eles são convenientes para as empresas. Em primeiro lugar, aderir a esses compromissos – discutidos em salas de conferências com ar condicionado, longe da realidade das comunidades cercadas por monoculturas – não é obrigatório, e sim voluntário. Em segundo lugar, as empresas exercem um alto controle sobre os sistemas de certificação, que são fortemente promovidos por algumas ONGs como o WWF, e conseguem garantir que eles não tenham um impacto significativo em suas operações, como acontece com a RSPO, onde as empresas do setor do dendê são a grande maioria dos membros. Em terceiro lugar, nenhum desses compromissos exige mudanças no modelo de produção de monoculturas em grande escala. Muitos estudos feitos em todo o mundo (4) mostram que é inerente a esse modelo a ocupação em grande escala de terras bem localizadas, obviamente férteis e, portanto, mais frequentemente, comunitárias. A implantação desse modelo leva necessariamente ao desmatamento. Um relatório recente produzido pela ONG Mighty Earth, com sede nos Estados Unidos, em colaboração com a gabonesa Brainforest, mostra que a OLAM, empresa certificada pela RSPO, já desmatou cerca de 20 mil hectares de florestas em suas quatro áreas de concessão no Gabão desde 2012. (5)
Falhas adicionais que beneficiam a OLAM
Analisando a versão preliminar da Política Global para as Florestas da OLAM, podem-se identificar outras formas que a empresa tem de, com alguma formulação inteligente, afirmar que adere aos compromissos no papel sem mudar muito na prática.
É preciso levar em consideração as relações de poder profundas e desiguais entre comunidades e empresas para entender por que as comunidades do Gabão não têm voz nem influência iguais às da OLAM nos chamados “processos multi-stakeholder” (com múltiplas partes interessadas) que a empresa pretende seguir em suas políticas. Por exemplo:
- A OLAM se compromete a proteger os “direitos” das comunidades. A empresa tem realmente a intenção de respeitar e reconhecer os direitos consuetudinários das comunidades à terra e, assim, evitar a maioria dos problemas associados à expansão do dendê industrial? Obviamente não. A OLAM se refere apenas ao direito ao “Consentimento Livre, Prévio e Informado da população local”. Esse princípio é forte no papel, mas fica mais frágil quando se considera o contexto local. No Gabão, não só a OLAM tem o apoio do governo – algo comum para as empresas de dendê na maioria dos países – mas o Estado do Gabão é acionista da OLAM Gabon e o próprio presidente Ali Bongo é um forte defensor do negócio do dendê que a empresa tem no país. Seu regime autoritário tem poder de nomear e controlar representantes políticos locais em nível de aldeia. Como resultado, a empresa, em colaboração com as autoridades locais, pode usar estruturas de poder para silenciar a oposição das comunidades afetadas. Nesse contexto, o FPIC é uma ferramenta inútil para que as comunidades defendam seus territórios.
- A OLAM está comprometida com “processos multi-stakeholder”, como a certificação da RSPO. Isso também é conveniente para a empresa porque há uma série de lacunas que lhe garantem o controle do processo em seu favor. Por exemplo, são as próprias empresas que contratam os consultores que fazem as auditorias de certificação ditas “independentes”. Além disso, mesmo se alguém argumentar que a RSPO tem um mecanismo de queixas em funcionamento, esse tipo de sistema é altamente complexo para que as comunidades o acessem e usem. Quando elas conseguem, muitas vezes com apoio externo, é difícil alcançar um resultado positivo. De acordo com Jefri Saragih, da Sawitwatch, uma ONG indonésia que apoia comunidades afetadas por plantações industriais de dendezeiros e com experiência em ajudá-las a apresentar queixas à RSPO: “Com mais de 50 casos não resolvidos, pode-se dizer que a RSPO não tem sido capaz de enfrentar os muitos impactos negativos causados pelas grandes plantações de dendê. Mais de 40 casos de caráter social foram submetidos à Secretaria da RSPO e ainda não foram resolvidos”. (6) Portanto, a RSPO é fundamentalmente uma ferramenta de marketing para proteger as exportações e os lucros da OLAM.
- A OLAM está comprometida com não desmatar florestas de Alto Valor de Conservação e de Alto Armazenamento de Carbono. Contudo, quem define o que são florestas HCV e HCS? Certamente não são as comunidades, e sim consultores especializados, empresas e principalmente, ONGs de conservação. As comunidades argumentam, em grande parte, que todas as suas terras consuetudinárias são importantes, independentemente de quanto “carbono” ou “valor de conservação” seja atribuído a uma determinada área. Mesmo as terras classificadas por consultores como “florestas degradadas” são importantes para as comunidades.
- A OLAM está comprometida com a segurança alimentar. “Segurança Alimentar” é um conceito atraente para empresas como a OLAM porque não trata de quem controla a produção de alimentos ou de como e o que será produzido. Essas questões essenciais fazem parte de outro conceito muito mais amplo e mais político, defendido globalmente por importantes movimentos camponeses como a Via Campesina: a soberania alimentar. O conceito de soberania alimentar está ausente nos documentos de política de “sustentabilidade” corporativa porque a prática das empresas é cada vez mais direcionada a tomar e controlar as terras dos agricultores, mercados de alimentos e cadeias de produção para aumentar seu crescimento e seus lucros. A OLAM, por exemplo, tem um programa chamado GRAINE, que promete aumentar a produção de alimentos no Gabão. Embora soe bem e obviamente promova a imagem da empresa, o que o programa mais tem feito concretamente no país até agora é desenvolver plantações industriais de dendezeiros nas terras das pessoas. (7)
Se não foram as empresas, quem ou o que mudou?
No passado, muitas ONGs sociais e ambientais, principalmente do Norte, estavam ocupadas denunciando e fazendo ações contra o desmatamento tropical, como pedir boicotes à madeira tropical. Hoje em dia, no entanto, uma grande quantidade delas está sentada à mesa com empresas do agronegócio para discutir mecanismos de certificação, princípios, critérios, políticas, salvaguardas para comunidades e florestas, florestas de alta conservação e armazenamento de carbono, etc., às vezes financiadas por essas mesmas empresas.
Essa mudança na maneira como as ONGs estão trabalhando tem beneficiado as empresas e, na maioria das vezes, debilitado as lutas das comunidades. Por um lado, isso gerou uma divisão entre as ONGs e, por outro, deu legitimidade a compromissos de “sustentabilidade” por parte das empresas, que agora podem dizer: “Temos o apoio das ONGs”. Por exemplo, a Mighty Earth, que denunciou pela primeira vez a OLAM pelo desmatamento de 20 mil hectares, em dezembro de 2016, negociou um acordo com a empresa pouco depois, em fevereiro de 2017, onde ambas as partes declararam que “colaborariam na conservação florestal e na agricultura sustentável” no “Gabão e em outros países altamente florestados”. O acordo foi intermediado por outra ONG, o World Resources Institute (WRI), e negociado em Washington, nos Estados Unidos, bem longe do povo do Gabão. (8)
Outra consequência local desse tipo de envolvimento das ONGs, principalmente das internacionais, é que elas costumam pressionar comunidades, grupos e ativistas que as apoiam, de cima para baixo, e convencê-los de que o melhor caminho a seguir é se envolver com as empresas. Muitas comunidades e grupos de apoio e ativistas, em vez de gastar seu precioso tempo no fortalecimento das capacidades das organizações locais para organizar lutas de resistência cada vez mais difíceis, são pressionados a monitorar os compromissos das empresas ou participar de “eventos multi-stakeholder”. As organizações locais que insistem em priorizar a organização popular geralmente sofrem intimidação.
Um exemplo aconteceu recentemente nas plantações da OLAM no Gabão. As ONGs gabonesas Muyissi e Brainforest, juntamente com uma plataforma de ONGs chamada Gabon Ma Terra Mon Droit e grupos de ativistas africanos e internacionais, organizaram um encontro onde as comunidades afetadas pela OLAM puderam se reunir para melhor compreender a empresa e seus impactos, e trocar experiências com outros ativistas de países africanos afetados por plantações. Depois desse encontro, o diretor de uma ONG local e líderes comunitários foram intimidados pelas autoridades locais e receberam o recado de que precisavam parar de promover esses eventos e organizar as comunidades. (9)
Lavagem verde para expandir os negócios
Há um número cada vez maior de produtos com certificados, como o da RSPO, que prometem aos consumidores que não prejudicam o meio ambiente ou as comunidades. Eles dão a falsa impressão de que tudo vai bem com o nosso modelo globalizado de produção e consumo. Isso é profundamente equivocado. A produção e o consumo excessivos de hoje em dia têm de ser reduzidos e limitados, mas os sistemas de certificação feitos pelo setor empresarial – e para ele – nada fazem para resolver o problema.
Pelo contrário, o selo RSPO, por exemplo, supostamente garante que o óleo de dendê usado em vários produtos seja “sustentável”, mas, na realidade, trata-se de abrir fatias de mercado às empresas que criaram o selo. De acordo com a RSPO, a produção e o consumo “sustentáveis” têm a ver com o aumento de ambos, com a obtenção de uma maior participação no mercado, em parceria com grandes empresas multinacionais. Na verdade, em sua análise de 2015, a RSPO escreve majoritariamente sobre “aumento” no óleo de dendê: aumento do número de membros da RSPO em 20%, aumento de 6% em seus produtores de óleo de dendê, aumento do óleo de dendê 100% sustentável em dez países europeus, de modo que “todo o óleo de dendê da Europa seja sustentável até 2020”, e aumento de 10% do consumo de óleo de dendê certificado pela RSPO no megamercado da China até 2020. A RSPO termina sua análise geral afirmando que quer “transformar os mercados para fazer do óleo de dendê sustentável a norma em todos os países”. Portanto, a RSPO não pretende mudar um modelo de produção altamente concentrado e desigual que fornece óleo vegetal barato para a indústria de comida pouco saudável em um modelo localizado de produção de óleo vegetal em pequena escala, de acordo com os princípios da justiça agroecológica e social. A RSPO visa simplesmente aumentar a participação de seu óleo de dendê e salvaguardar os lucros das empresas. Isso também explica por que ela organizou um “Roadshow” na África, ou seja, uma feira itinerante, que parou no Gabão em 2012 (11).
Sem alterar o modelo de monocultura em grande escala, sistemas como a RSPO continuarão vendendo uma mensagem falsa. Eles argumentam que as grandes monoculturas de óleo de dendê poderiam ser, como diz a OLAM em sua política, “sustentáveis”, algo que pode “crescer com responsabilidade” e que pode “coexistir” com o “bem-estar das comunidades”. Quando os consumidores e os bancos compram essa mensagem, as empresas podem expandir o seu negócio de óleo de dendê e, ao mesmo tempo, oprimir as comunidades que lutam contra as chamadas empresas “sustentáveis”.
Desafios pela frente
Então, o que pode ser feito para trabalhar em direção a mudanças estruturais e reduzir as relações de poder desiguais?
As comunidades precisam de apoio. Grupos e ativistas internacionais, nacionais e locais devem continuar dando prioridade ao apoio e ao fortalecimento da capacidade organizativa das comunidades e suas lutas, criar redes e intercâmbios entre as comunidades, dentro e entre países e continentes, para fortalecer um movimento global de lutas contra um modelo movido pelo lucro, que é destrutivo para o bem-estar e o futuro das comunidades, das florestas e do clima.
Os compromissos das empresas com a sustentabilidade devem ser juridicamente obrigatórios. As ONGs devem rejeitar e não se envolver em compromissos voluntários. A experiência mostra que eles não só fracassaram, mas melhoraram a imagem das grandes empresas, ao mesmo tempo em que colocaram em perigo as lutas dos povos locais.
Os consumidores têm um papel importante a cumprir: recusar, questionar publicamente e boicotar a RSPO e outros certificados empresariais, porque eles criam uma imagem falsa que só beneficia as empresas. E comprar produtos da pequena agricultura local, contribuindo para a soberania alimentar – isto é, o controle das terras pelos povos e a produção e oferta de alimentos locais, em vez de produtos importados baseados na grande produção monocultora controlada por transnacionais como a OLAM.
GRAIN e WRM
(1) Política Global para Florestas da OLAM International – Versão preliminar para Consulta – versão 1, 28 de Fevereiro de 2017.
(2) Relatório Anual da OLAM 2015: http://olamgroup.com/investor-relations/annual-report-2015/annual-financial-statements/
(3) A RSPO é uma iniciativa fundada em 2001. Trata-se de uma parceria entre a indústria de óleo de dendê e algumas ONGs, sendo o WWF um dos principais atores. É uma resposta da indústria do óleo de dendê aos conflitos e aos problemas ambientais causados pela expansão muito rápida do setor, principalmente na Indonésia e na Malásia, nos últimos 20 anos – em especial, o desmatamento. A RSPO tem hoje mais de 750 membros e apenas 13 deles são ONGs, de modo que os outros 740 são empresas relacionadas de algum modo ao setor do óleo de dendê. A RSPO dá certificados aos produtores de óleo de dendê com base em um conjunto de princípios e critérios aprovados por seus próprios membros. Ela afirma em sua página na internet (www.rspo.org) que, até outubro de 2015, já havia certificado cerca de 2,56 milhões de hectares de plantações de dendezeiros como “sustentáveis”.
(4) http://wrm.org.uy/pt/navegue-por-tema/plantacoes-de-arvores/
(5) http://www.mightyearth.org/blackbox/
(7) ver artigo sobre o programa GRAINE, da OLAM, no próximo boletim WRM.
(8) http://www.mightyearth.org/olam-and-mighty-earth-agree-to-collaborate/
(9) Entrevista pessoal realizada em março de 2017.
(10) http://www.rspo.org/news-and-events/news/looking-back-at-2015.
(11) Outro exemplo é como grupos como WWF, Conservation International e Proforest, juntamente com a OLAM e outras empresas, por exemplo, a multinacional Sime Darby (Malásia) e a gigante de alimentos Unilever (Reino Unido/Holanda), organizaram o que chamaram de “RSPO Africa Roadshow”. Isso envolveu eventos em 2012, no Gabão e em outros países africanos, para informar sobre “o potencial para proporcionar muitos benefícios socioeconômicos” e “aumentar a conscientização sobre o óleo de dendê sustentável”. Essa feira itinerante foi financiada por empresas privadas e doadores de governos do Norte. (http://www.proforest.net/en/featured-work/developing-capacity/the-rspo-africa-roadshow-building-capacity-and-raising-awareness-on-sustainable-palm-oil)