Brasil – A mineradora VALE promovendo o dendê no Pará: impactos da “economia verde”

No século XIX, a região do entorno de Belém, capital do estado amazônico do Pará, Brasil, foi palco da chamada Cabanagem, uma das muitas revoltas populares na história do país quando indígenas, negros, caboclos e setores médios da sociedade  se organizaram para lutar por liberdade e justiça. Todas essas revoltas são pouco conhecidas, pois foram invisibilizadas pelas classes dominantes na sua versão da história “oficial”. Hoje em dia, o poder imperial no Brasil acabou, mas há novas ameaças que procuram submeter trabalhadores do campo a uma lógica de opressão e restrição de sua liberdade e sua autonomia, buscando assumir o controle sobre seus territórios. Um exemplo é a expansão do monocultivo do dendê.

Foi por volta de 2006 que se iniciou um processo de expansão do monocultivo do dendê no Pará, inclusive atingindo os municípios de Acará e São Domingos do Capim, a cerca de 100-150 km da capital do estado, Belém. Empresas como VALE e Petrobrás se apropriaram de terras, e a chegada do dendê expulsou muitas famílias dos seus territórios. Várias delas resistem até hoje à beira das estradas, enquanto outras já estão tentando sobreviver nas cidades. O processo também provocou desmatamento, denunciam moradores.

Esse drama social dos trabalhadores do campo, denunciado pelos sindicatos, e a intervenção do governo, fizeram com que as empresas mudassem de tática: elas buscaram convencer os camponeses para que eles mesmos começassem a plantar dendê em suas terras, com o governo abrindo uma linha de financiamento específico para emprestar dinheiro aos agricultores. Um agricultor do assentamento de Taperuçu conta que já lida, há cerca de 3 ou 4 anos, com um contrato com a empresa Biovale (da mineradora VALE) e, no ano passado, colheu os primeiros frutos de dendê, o que lhe rendeu cerca de 1000 reais (268 dólares) por mês. Agora, ele espera que a colheita dobre. Só que ele ainda não começou a pagar o empréstimo que recebeu do governo, e tampouco sabe como vai lidar com a situação a partir de 2017, quando a Biovale não mais assumirá o transporte dos frutos até a planta de processamento, um trecho de mais de 100 km. Além disso, na terra do assentado, hoje há apenas dendê e um monocultivo de árvores para vender madeira. Ele parou de plantar mandioca, o alimento básico mais consumido na região, cujo preço aumentou significativamente desde que o dendê começou a se expandir.

O mesmo agricultor nos conta que teve que aplicar agrotóxicos – como previsto no contrato com a Biovale – mas parou porque começou a se sentir mal. Aparentemente tremendo e frágil, ele parece ainda sofrer as consequências da aplicação de produtos que são venenos em uma região quente e úmida, que dificulta o uso do equipamento de proteção individual, o qual tampouco é uma proteção segura. Outro perigo do trabalho com dendê são as muitas cobras nas plantações, e que são venenosas. Ouvimos relatos de pessoas denunciando que a própria empresa teria espalhado cobras nas plantações, pedindo para não fosse mortas, em uma tentativa de controlar os muitos roedores existentes nos lotes , que podem comprometer a produção. A empresa não parece se preocupar com o fato de que a presença das cobras representa outro risco para os trabalhadores.

O problema dos agrotóxicos é ainda mais grave porque moradores locais contam que já viram peixes morrerem nos rios da região, o que atribuem à chegada do dendê e à contaminação promovido por ele. O renomado instituto de saúde pública Evandro Chagas, de Belém, confirmou a denúncia dos moradores porque detectou a presença de agrotóxicos em fontes de água da região, das quais as populações dependem. Um dos produtos usados nas plantações é, por exemplo, o endosulfan, muito perigoso para a saúde humana e já proibido em vários países. Baseado nas análises, o Ministério Público do Pará está tentando fazer um termo de ajustamento de conduta com as empresas, para buscar reduzir a contaminação.

Com o plantio do dendê da Biovale, a região entrou de vez na rota da “economia verde”. Com a duplicação da sua ferrovia, que leva minério de ferro da maior mina do mundo – o Complexo de Carajás – para a costa brasileira, a demanda por biodiesel de dendê vai aumentar ainda mais. Mas o projeto serve, sobretudo, para a VALE fazer sua propaganda “verde”, já que 80% da demanda pelo diesel da empresa continua sendo de petróleo. Com a expansão prevista das rotas de trem e da produção, a empresa também vai aumentar ainda mais seu consumo de petróleo e, portanto, suas emissões de carbono (veja mais informação sobre os impactos da VALE e a resistência no artigo do Boletim de junho 2015). É um exemplo de como a “economia verde”, mais do que uma receita para reduzir as emissões, é uma forma de provocar uma “cortina de fumaça” para que as empresas possam aumentar ainda mais sua produção e a queima de combustíveis fósseis envolvida nisso. Trata-se, em vez de deixar o petróleo e outros combustíveis fósseis debaixo do solo, de uma forma de estender seu uso por mais tempo, até a última gota de petróleo se esgotar.

A instalação do projeto do plantio de dendê na região levou o Estado a melhorar as estradas para atender à demanda das empresas. Algumas obras do plano IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana) também estão sendo programadas para a região, para facilitar a entrada de outras empresas. Tudo isso provocou um aumento de preço e, consequentemente, um processo de especulação e de supervalorização das terras da região. Mais grave, várias comunidades quilombolas na região, como a de Concórdia, que aguardam o reconhecimento do seu direito constitucional de titulação, o reconhecimento coletivo dos seus territórios, denunciam que essa luta tem ficado bem mais difícil. A titulação coletiva é de suma importância para que essas comunidades tenham acesso a políticas públicas, mas, sobretudo, para garantir um futuro – inclusive acesso a terra – para as próximas gerações. Ao mesmo tempo, o Estado não parou de incentivar a titulação individual das terras, porque essa é uma categoria que se encaixa bem na proposta das empresas de plantar dendê individualmente, em terras de camponeses, com contratos com cada agricultor.

Nas visitas às comunidades quilombolas da região que já estão cercadas pelo dendê, moradores quilombolas nos contam sobre outros impactos que sofrem, como os animais selvagens que vêm se refugiando dentro das suas terras, fugindo das áreas de monocultura onde não encontram mais alimentos. Isto sem falar nas pragas que também se deslocam para as terras dos camponeses, por exemplo. As pessoas falam ainda de um desequilíbrio ambiental em geral e, inclusive, do ressurgimento de enfermidades até então erradicadas, como a Doença de Chagas. Também falam que são, sobretudo, os homens que encontram trabalho nas empresas, mas comparam a situação com uma “semiescravidão” na qual os trabalhadores ganham um salário mínimo por mês (788 reais ou 211dólares) por um trabalho muito duro.

Por fim, vale ressaltar o problema relacionado ao consumo de drogas por parte de trabalhadores responsáveis pelo plantio das mudas de dendê. Fato já detectado através de entrevistas e alguns artigos publicados, mas que ainda merece ser investigado aprofundadamente.

Winnie Overbeek – winnie@wrm.org.uy
Secretariado Internacional do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM)

Artigo baseado em uma visita a campo de dois dias aos municípios de Acará e São Domingos do Capim, articulada pela FASE-Amazônia, atividade que fez parte da Conferência Latino-Americana sobre Financeirização da Natureza, 24-27 de agosto de 2015, em Belém (veja em  http://br.boell.org/pt-br para mais informações).