Brasil: Barragem de resíduos da mineradora de alumina Hydro Alunorte. Um desastre anunciado?

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Barcarena, Brasil, bacia de rejeitos. Foto: Pedrosa Neto

O crescimento da extração de minérios e produção minero-metalúrgico e a consequente multiplicação das barragens de resíduos tóxicos ocorreram na mesma proporção dos vazamentos e rompimentos de barragens de resíduos em diversos do mundo. E evidente a complexidade social, histórica, política e econômica de esses desastres.

A indústria extrativa mineral, apesar da sua desaceleração, tem crescido tanto em volumes extraídos quanto em ganhos financeiros, com a abertura ou expansão de novas minas e refinarias a nível mundial. Em relação ao alumínio, por exemplo, o crescimento em termos de fluxos econômicos exportados no Brasil subiu de 129.033,4 toneladas no ano de 2000 para 930.206,6 toneladas, em 2017. (1)

Em 2017, só no estado de Pará, Brasil, pelo porto de Vila do Conde (no município de Barcarena), exportou-se 5.014.443 toneladas de alumina e 208.906 toneladas de alumínio. E todo esse fluxo econômico (de exportação de alumínio) é de responsabilidade da empresa Hydro Alunorte.

A fábrica Alunorte em Barcarena, propriedade da Norsk Hydro, é considerada a maior refinaria de alumina do mundo, além de deter toda a tecnologia - técnicas, científicas, políticas e econômicas - de extração, produção e distribuição do minério. Isso envolve o domínio completo da cadeia produtiva do alumínio, desde a lavra da bauxita, o refinamento da alumina e sua transformação em alumínio primário e produtos laminados, até a sua exportação.

A Norsk Hydro é uma empresa multinacional norueguesa, com 2,69 bilhões de ações emitidas, sendo que o estado norueguês possui 34,7% destas ações.  Entre os demais acionistas, destacam-se os investidores: State Street Bank and Trust Comp (Estados Unidos), Clearstream Banking (Luxemburgo), HSBC Bank (Grã-Bretanha), J. P. Morgan Bank Luxembourg (Luxemburgo), Banque Pictet e Cie (Suíça), J.P Morgan Chase Bank (Grã-Bretanha) e Euroclear Bank (Bélgica).

Com base em dados de 2017, uma média de 14% da produção da Hydro Alunorte (de Barcarena) é destinada ao mercado interno brasileiro e os outros 86% à exportação. Atualmente, a empresa exporta principalmente para os mercados do Canadá, Noruega, Islândia, Rússia, Estados Unidos, Emirados Árabes Unidos, Letônia, Japão e México. (2)

Em 2010, a Hydro comprou os ativos referentes à produção de bauxita, alumina e alumínio de um dos maiores mineradores do mundo, a Vale, (por 4,9 bilhões de dólares), que receberia 1,1 bilhão de dólares em dinheiro e uma participação de 21,6% na Hydro, avaliada em 3,1 bilhões de dólares (3). A aquisição incluiu as operações de mineração de bauxita em Paragominas, Pará, a participação majoritária na maior refinaria de alumina do mundo, Alunorte, em Barcarena, e a participação de 51% na principal empresa de alumínio do Brasil, a Albras (hoje uma empresa conjunta entre a Norsk Hydro e a Nippon Amazon Aluminium Co. Ltd).

Em 2013, a Hydro comprou 407.122.241 de ações da Vale, por US$ 1,656 bilhão. E, dessa forma, a participação de 21,6% da Vale caiu para 2,0% das ações autorizadas e emitidas pela Hydro. Nesse mesmo ano, realizou a fusão com a SAPA Aluminium, por um valor equivalente a U$S 3,381 bilhões. Nesse cenário, houve a expansão das atividades produtivas da Hydro Alunorte em Barcarena, como também das suas barragens de rejeitos.

O que são as barragens de rejeitos de mineração?

Para armazenar os resíduos originários da extração de minerais, as empresas de mineração construíram as chamadas barragens de rejeitos. Esses rejeitos contêm altas concentrações de produtos químicos, além de depósitos de lama, rochas finamente moídas e água que permanece após a separação dos metais dos minerais. As barragens de rejeitos são construídas à medida que os depósitos são explorados e crescem como a mina.

O crescimento da extração de minérios e produção minero-metalúrgico e a consequente multiplicação das barragens ao longo do último século ocorreram na mesma proporção dos vazamentos e rompimentos de barragens de resíduos em diversos do mundo. (4) O rompimento de barragem de rejeitos no Brasil mais noticiado foi da empresa Samarco Mineração S.A, em novembro de 2015, no município de Mariana, em Minas Gerais, seguido do desastre em 2019 de Brumadinho.

Destacam-se também os consecutivos vazamentos da barragem de rejeitos da companhia Hydro Alunorte, em Barcarena, Pará, que tem seus pontos mais dramáticos nos desastres ocorridos em abril de 2009 e em fevereiro de 2018. Todos esses rompimentos em intervalos muito próximos e consecutivos.

O Relatório de Segurança de Barragens 2017, da Agência Nacional de Águas (ANA), assinala 753 barragens de contenção de resíduos industriais e 790 de rejeitos de mineração em Brasil. (5)

Os desastres da Norsk Hydro Alunorte

A Hydro Alunorte possui duas barragens de rejeitos (a DRS1 e a DRS 2/embargada), porém a empresa se recusa a tratar o local de rejeitos como barragem e o denomina como bacia ou depósito, e, portanto não estão mencionados na listagem da Agência Nacional de Mineração de 2019. Nos discursos e no próprio processo de licenciamento ambiental as áreas são tratadas como Depósitos de Rejeitos Sólidos (DRS).

Esse processo de autodefinição realizado pela empresa inicia-se com a inauguração da Alunorte em 1995. Segundo o relatório anual da Alunorte de 2009 (ano do grande desastre provocado pelo transbordo da barragem de rejeitos), a primeira célula do DRS foi iniciada em 1995, em uma área de aproximadamente 15 hectares. Em 2009, a “barragem” já ocupava cerca de 130 hectares. Esses rejeitos quando transbordaram atingiram as nascentes e percurso do rio Mucurupi, da qual afetaram diretamente a vida de quase 100 famílias que moram na área e indiretamente milhares de outras famílias que dependem dos rios. Essas famílias ficaram sem água para beber, para o uso doméstico e ainda foram impedidos de pescar para se alimentar; além disso, os poços utilizados pelas famílias atingidas foram poluídos por metais pesados.

Outro destaque é que a Hydro “aproveitou” a própria área em que ocorrera o vazamento de 2009 para expandir o DRS1 enquanto planeja a instalação de uma nova estrutura. Nesse sentido, a apresentação de Estudos de Impacto Ambiental e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) acabam sendo meros procedimentos administrativos.

Em 2018 (16 e 17 de fevereiro), houve o transbordamento e ao mesmo tempo despejo de rejeitos tóxicos e metais pesados (chumbo, cromo e níquel) da Hydro Alunorte, no qual atingiu comunidades (Bom Futuro, Vila Nova, Burajuba, particularmente), igarapés e o rio Pará. É um caso emblemático desde a negação sistemática da empresa e em primeiro momento pelo Estado (culpabilizando alta concentração de chuvas), porém com um Termo de Juste de Conduta (TAC) assinado entre Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público do estado de Para (MPPA) e a Hydro Alunorte para reparação e ações emergenciais.

As chuvas excessivas foram usadas como peça central argumentativa da empresa; uma criação discursiva enganosa. Os dados de 1977 a 2006 da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) revelam isso quando confrontados com os dados disponíveis do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que nos permitem afirmar que as chuvas que ocorreram nos dias 16 e 17 de fevereiro em Barcarena, estão dentro dos padrões históricos e que, por isso, não podem ser “culpabilizadas” pelo desastre. No entanto, não houve embargo ou cancelamento das licenças ambientais concedidas ao DRS2.

Construiu-se a narrativa que os vazamentos constituem “acidentes normais ou desastres naturais”, que podem ser igualados às inundações e terremotos. Com isso acaba sendo criado um evento episódico que congela a complexidade social e a processsualidade histórica, política e econômica da construção do desastre, e invizibiliza as estruturas e forças de poder que são colaboradores significativos na produção de desastres.

Nesse sentido, o desastre não se constitui simplesmente um elemento isolado no espaço-tempo, ele aponta a relação estrutural entre eventos de rompimento de barragens de rejeitos e os ciclos econômicos da mineração. Ao mesmo tempo revela-se o jogo de interesses e parcerias entre Estado e mercado/empresas, com “discursos afinados”.

Os desastres nem não são advindos de erros e negligências humanas ou falhas em sistemas ou leis, mas são exemplos que indicam que as estruturas de controle ambiental outorgam “licenças de permissão” de crimes ambientais a empresas concedidos pelo Estado. Pode-se destacar as seguintes “licenças de permissão”: i) no Parecer técnico da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), no 16 de janeiro de 2019, que assegura que Hydro já pode operar com 100% da capacidade; 2) na determinação do Ministério Público Federal (MPF), em maio de 2019, do encerramento do embargo da refinaria de alumínio Hydro Alunorte -, a decisão judicial fez com que a empresa voltasse a operar em 100%, que tinha ficado apenas 50% após fevereiro de 2018, com “desastre” (crime); 3) Petição conjunta e Protocolo de Entendimentos da Hydro e MPF sobre o fim do desembargo DRS2 (6). Cabe destacar que a DRS 2 funcionava sem licença ambiental e está dentro de uma reserva ecológica (área de proteção ambiental).

Uma cadeia de desastres e crimes ambientais anunciados

O fato é que historicamente essas poluições, contaminações e crimes ambientais estão acompanhados de outros desastres. Desastres referentes ao aumento das desapropriações (despossessões / espoliações forçadas), em virtude das instalações e expansões de indústrias e grandes agentes econômicos, do qual são “desastres” que vem contribuindo diretamente na degradação da vida no município de Barcarena. (7)

Nessas áreas (desapropriadas) pelo desastre do 2018 da Hydro Alunorte: “existia toda uma complexa estrutura social composta de inúmeras comunidades rurais, com uma população nativa, ligada por fortes laços de parentesco e religiosidade, praticantes da pesca, caça e extrativismo, além de uma pequena lavoura de subsistência.” (8)

Esses novos desastres estão relacionados com 1) (novas) desapropriações / expulsões; 2) desmatamento; 3) contaminações no rios; 4) proibição da atividade artesanal e econômica pesqueira; 4) uso privado de ruas e estradas; 5) aumento da prostituição e mobilidade do trabalho (estrangulando o setor educacional e de saúde); 6) criação de dependência de empregos temporários; 7) conflitos territoriais (familiares e entre comunidades); 8) especulação fundiária e imobiliária; 9) aumento da violência urbana.

Paralelo a isso o apequenamento (inferiorização) do pequeno produtor rural (e sua migração para a cidade), o apagamento de histórias/vidas, violações de direitos humanos, étnicos e territoriais. Violações essas que vem acontecendo por meio da naturalização das violações de diretos, invisibilizaram e permitiram a legitimação da dominação social de sistemas e políticas capitalistas espoliativas. Consequentemente a asfixia de histórias e memórias construídas: de roças, quintais, pesca e “banhos” no rio e crenças e simbologias.

Jondison Rodrigues e Marcel Hazeu,
Grupo de Estudo Sociedade, Território e Resistência na Amazônia (GESTERRA) - Universidade Federal do Pará.

(1) MICES - Ministério de Indústria, Comercio Exterior e Serviços. Séries históricas. Acesso em: 01 dez. 2018
(2) SEDEME – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia. Comercio Exterior. Acesso em: 18 fev. 2019.
(3) SOLSVIK, T.; MOSKWA, W. Hydro compra negócios de alumínio da Vale por US$4,9 bi. Acesso em: 30 jan. 2019.
(4) COELHO, M. C. N. et al Regiões econômicas mínero-metalúrgicas e os riscos de desastres ambientais das barragens de rejeito no Brasil. Revista da ANPEGE, v.13, n.20, p.83-108, 2017.
(5) ANA – Agencia Nacional de Águas. Relatório de segurança de barragens 2017. Brasília: ANA, 2018.
(6) http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/documentos/2019/peticao-conjunta-protocolo-entendimentos-hydro-mpf-desembargo-drs2/view
(7) NASCIMENTO, N. S. F.; HAZEU, M. T. Grandes empreendimentos e contradições sociais na Amazônia: a degradação da vida no município de Barcarena, Pará. Argumentum, v. 7, n. 2, p. 288-301, 2015.
(8) HAZEU, M. T. O não-lugar do outro: Sistemas migratórios e transformações sociais em Barcarena. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Socioambiental) - Universidade Federal do Pará, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Belém, 2015.