Brasil: Sustentável somente no papel - Nas plantações para produção de papel da Bahia, Brasil

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De forma rítmica, uma fileira infinita de árvores passa por nosso vidro de carro. No Extremo  Sul da Bahia, as plantações de eucalipto nunca ficam longe. Em alguns lugares observamos  restos da Mata Atlântica, a selva exuberante que antigamente cobria toda a região e da qual  sobre apenas 4%. As empresas madeireiras e as serrarias tiveram tempos dourados por aqui.

Depois da devastação, a região recebeu um novo impulso: eucalipto, o novo ouro verde. As  plantações por onde passamos são todas da Veracel.

David Fernandes, o responsável para silvicultura da Veracel, nos guia sobre as estradas de  chão no meio de um labirinto gigante de plantações de eucalipto. O carro pára em cima de um  morro com vista ao orgulho da empresa: a paisagem em mosaico. Fernandes conta com  entusiasmo sobre a harmonia entre o eucalipto nos tabuleiros mais altos e os trechos de mata  atlântica nos morros íngremes e ao longo dos rios.

Um pouco mais na frente o verde fechado muda de forma abrupta numa planície árida onde  recentemente toda a vegetação foi cortada. Mas aí de repente a paisagem segue com um trecho  por onde novas árvores de eucalipto começam a crescer para um novo ciclo de produção.  Seguimos entre dois montes enormes de arvores cortadas. Máquinas grandes, que parecem  com feras pré-históricas mecanizadas, cortam arvores grandes num ritmo alucinante. Em  menos de 25 segundos, uma árvore é cortada, é feito o desbaste, a mesma é cortada em cinco  pedaços e pilhada. Fernandes: ‘Por hectare plantamos 833 árvores. Em sete anos elas atingem uma altura de trinta  metros e estão prontas para a colheita.’

O clima na Bahia ajuda para obter a produtividade  mais alta do mundo. ‘Apenas durante o primeiro ano pulverizamos por hectare nove litros de  glisofato. É uma herbicida da Monsanto, mais conhecido como Round Up. É um produto  perfeitamente seguro sem nenhum problema.’ Também segundo o FSC, a aplicação desta herbicida não é incompatível com a  sustentabilidade. O que o David Fernandes não conta é que a Veracel ‘usa quantidades muito  grandes de um produto químico que consta da lista de produtos proibidos pelo FSC’, segundo  um relatório de inspeção da ASI [empresa que a pedido do FSC inspeciona certificadoras] sobre a certificação da Veracel. A empresa pulveriza as  plantações que estão sendo atacadas por infestações de formigas com Sulfluramide. Para essa  aplicação, a empresa pediu uma exceção do FSC, e conseguiu essa medida(autorização) em  2008.

O uso de produtos químicos pela Veracel deveria também ser controlado pelo IBAMA, a  agência ambiental federal. Em lugares destinados para a regeneração da mata atlântica a  empresa tinha usado herbicidas e por isso um grande número de árvores nativas foram  destruídas. Por isso, a Veracel foi multada em R$ 400.000 (160 mil euros).

Papel ilegal

Em 2008, a Veracel foi condenado pela justiça federal por desmatamento da Mata Atlântica,  resultando numa multa de vinte milhões de reais (oito milhões de euros). Durante a análise do  processo ficou claro que a Veracel não tinha um relatório de impactos ambientais válido para  suas plantações de eucalipto. Por isso, o juiz declarou ilegais as licenças de 96.000 hectares de  plantações..

‘O consumidor que compra a celulose da Veracel tem que ter consciência de que ele compra  um produto ilegal e que o selo de sustentabilidade não é compatível com a realidade’, alerta  João Alves da Silva, promotor em Eunápolis.

Protesto indígena 

O terceiro dos dez princípios aos quais as empresas têm que atender para conseguir o  certificado do FSC é o respeito aos direitos dos povos indígenas. Eliana Anjos, responsável de  sustentabilidade da Veracel nos assegura que Veracel mantém uma relação excelente com as  comunidades indígenas na região. Biribiri, uma liderança da comunidade indígena Pataxó de  Coroa Vermelha confirma isso com vontade.

No entanto, Coroa Vermelho é mais uma exceção do que uma regra. Na região onde se  localiza o eucalipto da Veracel apenas quatro das 19 comunidades Pataxó e Tupinambá têm  um território próprio. Os habitantes de Guaxuma, uma aldeia indígena na beira da BR-101,  aguardam há mais de 10 anos pela regularização do seu território. O território que eles  reivindicam alcança uma área além das plantações que se aproximam cada vez mais.

Há  alguns anos que já estão totalmente cercados por eucalipto. Kuhupyxa  podemos chamar ele  também de Antônio- conta que dez anos atrás sua comunidade ainda caçava na mata onde hoje  tem eucalipto. Ele nos leva a uma cerca perto de sua casa. ‘Até aqui a Veracel queria  plantar eucalipto. A menos de dez metros da minha porta. Eles começaram a pulverizar tudo  com veneno enquanto as crianças estavam brincando fora de casa. Aí nos afugentamos eles  com arco e flecha. Eles não têm um mínimo de respeito por nos’.

Enganar as pessoas 

Uma condição fundamental para ser reconhecida como plantação sustentável é que esse tipo  de plantação não pode estar localizada em lugares onde recentemente tinham ainda florestas ou  matas nativas. Mesmo assim, lemos nos relatórios de auditoria da SGS Qualifor que a Veracel desmatou  depois de 1994 e plantou eucalipto nesses lugares.

O centro de pesquisas CEPEDES em Eunápolis tem filmagens em que a Veracel, na época   anos 90 - ainda chamada de Veracruz , desmata mata atlântica com trator e correntão. Para eles  está mais do que claro que a empresa não merece o certificado do FSC.

Num relatório contundente a equipe de inspeção da ASI acaba com o trabalho da SGS  Qualifor. A SGS Qualifor seguiu insuficientemente os critérios do FSC, não dedicou tempo  suficiente para uma auditoria profunda e, além disso, se contentou muitas vezes com os  documentos cheios de números e os estudos da Veracel sem verificar os mesmos em campo.  Segundo o relatório, a ASI não teria dado o certificado. Mas o papel da ASI é limitado à  inspeção da certificadora. Retirar o selo apenas a SGS Qualifor pode fazer.

Ninguém come eucalipto 

Num dia chuvoso encontramos um grupo de homens e mulheres do MLT, um movimento  menor de camponeses sem terra que cortam com facão pequenas árvores de eucalipto. Rose  Lemos vem ao nosso encontro: ‘Esta terra é terra devoluta, é de propriedade do Estado e deve  ser destinado primeiramente para reforma agrária. A Veracel não tem o direito de plantar  aqui’, ela diz. Organizações sociais afirmam que a Veracel plantou cerca de 30.000 hectares de terras  devolutas com eucalipto. O MLT espera por uma decisão judicial sobre este pedaço de terra  devoluta: ‘Queremos produzir aqui novamente alimentos, porque o povo não come eucalipto.  Esta região é capaz de exportar comida em vez de ter que importar isso’.

Mais na frente o  MLT já plantou mandioca, feijão, milho, abóbora e outras culturas. As 65 famílias que vivem  debaixo da lona sonham em abastecer a cidade, porque agora quase toda a comida vem de  outros estados.

Na visão da Veracel, as ações dos movimentos de camponeses sem terra são brincadeiras de  vândalos, que desde 2009 já causaram cinco milhões de reais (dois milhões de euros) de  prejuízos.

A cidade de Eunápolis conta agora com 85.000 habitantes. Há bastantes novas lojas  movimentados no comércio que devem seu sucesso à presença da Veracel, mas também o  trafico de drogas aumentou. Aqui andam a noite meninos com pouco mais de doze anos  armados pela cidade, em busca de um celular ou alguma outra garantia valiosa. Na beira de  uma favela, Roberto Joaquina dos Santos, habitante da periferia da cidade, conta como tudo  mudou: ‘As pessoas que se mudaram para cá conheciam apenas a cultura de semear e colher.  Eles não estavam preparados para a vida na cidade. As favelas cresceram e trouxeram o crack  e muita violência para a cidade.’

Sustentabilidade sem fronteiras? 

Se os acionistas derem sinal verde, Veracel aumentará sua produção de celulose de 1 milhão  de toneladas para 2,7 milhões de toneladas. Para isso ela precisa de mais 92.000 hectares de  eucalipto. Os pedidos de licença ambiental já foram feitos. Segundo ASI, a Veracel nem de  longe está pronto para conseguir o certificado FSC para esta ampliação. Mas é a SGS Qualifor  que terá a última palavra. De qualquer forma, o presidente Sergio Alipio é otimista: ‘Se  continuarmos a atender a todos os princípios e critérios do FSC como atendemos até hoje, é  algo normal que as plantações novas serão certificadas’.

Conflitos sociais e ecológicos, a questão indígena, problemas com a segurança alimentar, o  êxodo rural e a redução de terras agricultáveis serão agravados com a expansão do eucalipto,  escreve IMA, o Instituto de Meio Ambiente da Bahia, num relatório do final de 2008. Aliás, o  IMA espera que os conflitos aumentarão ainda mais com a chegada da BahiaBio, um projeto  que em mais 300.000 hectares plantará cana-de-açucar e em 64.000 hectares Palma Africana  para a produção de biocombustíveis na região. ‘Há uma necessidade urgente para uma visão  integrada’, conclui o relatório governamental.

Extraído do relatório “Sustentável somente no papel: Nas plantações para produção de papel da Bahia, Brasil”, Leopold Broers e An-Katrien Lecluyse, Setembro de 2010, financiado pelo Fondo Pascal Decroos. relatório completo foi publicado pela revista flamenga MO * e está disponível em  http://www.mo.be/index.php?id=340&tx_uwnews
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