No dia 24 de maio, as lideranças do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), José Cláudio Ribeiro da Silva e sua esposa Maria do Espirito Santo, foram assassinados por pistoleiros no sudeste do Estado do Pará, na Amazônia, perto do assentamento onde viviam. Eles lutavam por um uso sustentável e diversificado da floresta, mantendo-a viva, denunciando a extração ilegal de madeira e o desmatamento. Foram mais dois assassinatos numa lista longa que parece não ter fim...
A exploração madeireira com seus lucros exorbitantes está na base dessa violência e continua sendo uma causa direta do desmatamento na região Amazônica. Junta-se a isso a destruição causada por grandes fazendeiros, que abrem novas áreas de pasto para abastecer um grande parque frigorífico instalado na região, financiados pelo governo brasileiro através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e pertencente a grandes empresas transnacionais de comercialização de carne. O Brasil já é o maior exportador de carne do mundo e o governo brasileiro tem como meta duplicar suas exportações nesta década.
Outros interesses como a expansão da soja para alimentar gado em países industrializados e produzir biodiesel para o mercado interno, a mineração de ferro e bauxita e também centenas de projetos de barragens, com o de Belo Monte, no Pará, prometem destruir outras centenas de milhares de hectares de florestas, com toda sua riqueza e biodiversidade. Somam-se a isso as pressões da expansão da cana-de-açúcar para produzir o etanol, cuja produção o governo brasileiro pretende multiplicar. Apesar dessa expansão se concentrar no Centro-Oeste do país, onde contribui com a destruição do cerrado/savannah, ela pressiona outras culturas para se deslocarem para a região Amazônica e provocar mais desmatamento.
É nesse contexto que ocorre, no Congresso Nacional brasileiro, um dos debates mais polêmicos dos últimos tempos: o do novo Código Florestal, a partir de uma proposta do deputado Aldo Rebelo. O novo Código Florestal foi aprovado no dia 24/05/2011 pela Câmara dos Deputados, no mesmo dia do brutal assassinato dos dois trabalhadores extrativistas. A nova lei segue agora para o Senado.
O que é o Código Florestal?
O atual Código Florestal é uma lei de 1965 que estabelece, entre outros, que cada propriedade no Brasil precisa manter uma área de Reserva Legal (RL), ou seja, uma quantidade de vegetação nativa cuja porcentagem varia de 20% no caso das regiões de Mata Atlântica, até 80% da propriedade na maior parte da Floresta Amazônica. Além disso, o Código estabelece a categoria das Áreas de Preservação Permanente (APPs) para proteger rios, encostas e topos de morro. Em relação aos rios, dependendo da largura, o Código estabelece faixas mínimas de 30 metros de proteção com mata a cada margem dos rios.
Por que estão discutindo mudanças no Código Florestal?
Atualmente, a grande maioria dos agricultores não está cumprindo o que estabelece o Código. A situação mais grave é dos grandes fazendeiros do agronegócio na Amazônia. Quase nenhum deles cumpre com a reserva legal de 80% da propriedade. Isso ficou ainda mais evidente com o aumento do monitoramento, fiscalização e aplicação de multas nos últimos anos por parte de órgãos do governo federal brasileiro.
Quais as mudanças propostas?
A proposta do deputado Rebelo anistia aqueles que desmataram áreas de RL até julho de 2008 e inclui formas para reduzir o tamanho das áreas de RL e APPs, abrindo inclusive a possibilidade para novos desmatamentos. Áreas de até 4 módulos rurais (até 400 hectares, no caso da Amazônia) não precisam mais de RL. E atendendo a interesses das empresas de monoculturas de árvores, 50% da RL poderia ser recuperada com monoculturas de árvores exóticas, como eucalipto. Essa recuperação não precisa ser na propriedade, pode ser no bioma, permitindo vastas áreas de apenas monoculturas. A proposta também pretende tirar competência pela gestão ambiental da esfera federal.
A proposta de Rebelo vai ao encontro dos anseios de grandes fazendeiros do agronegócio, representados pela Bancada Ruralista no Congresso Nacional, e que defendem uma revisão rigorosa do Código Florestal em favor dos seus planos de expansão e de anistia das multas aplicadas, várias das quais envolvem os próprios deputados e senadores desta Bancada!
Por outro lado, movimentos sociais que representam os trabalhadores rurais do campo, ambientalistas e cientistas defendem o atual código florestal e querem medidas complementares que possam garantir a proteção do meio ambiente e a produção agrícola da classe dos pequenos agricultores, diferente dos fazendeiros do agronegócio que praticam uma agricultura em larga escala.
O que está em jogo?
O que está em jogo é a luta pela conservação das florestas e dos recursos hídricos do Brasil versus uma visão desenvolvimentista, que atende aos interesses de madeireiras e de grandes empresas transnacionais e nacionais do agronegócio que querem ver o Brasil aumentando suas áreas com gado, soja, milho, eucalipto, etc., e que defendem a impunidade para quem realiza grandes desmatamentos. Vale lembrar que, segundo notícias dos órgãos de monitoramento do desmatamento, esse índice tem voltado a aumentar de forma assustadora nos últimos meses, depois de anos de queda, em estados como o Mato Grosso. Além de anistiar o desmatamento ilegal já realizado, é previsto que com a aprovação das propostas da Bancada Ruralista, dezenas de milhões de hectares de florestas possam ser desmatadas legalmente, contrariando todas as boas intenções e planos nessa área, e que o Brasil divulga tanto nacional e internacionalmente.
Por fim
Se em 1965, quando o atual Código Florestal foi aprovado, a proteção da biodiversidade já era um argumento importante, hoje soma-se a isso a importância da conservação das florestas em função das mudanças climáticas causadas sobretudo por emissões de poluentes dos países industrializados e agravadas pelo desmatamento que aumenta ainda mais as emissões de carbono. Os impactos dessas mudanças afetam a todos/as, mas em especial as parcelas da população em situação mais vulnerável, sem falar do aumento de enchentes que deve ocorrer se for permitida a ausência de APPs nas áreas frágeis como rios, encostas e topos de morros e que também afetará, em especial, essas parcelas da população.
O Brasil abrange no seu território a maior área de floresta tropical no mundo e, com isso, sempre busca se perfilar internacionalmente como uma nação e economia ‘verde’. Manter e fortalecer o Código Florestal em vigor é fundamental para a luta pela conservação dessa floresta e do futuro do planeta, bem como para as populações locais, indígenas e tradicionais do Brasil.
Significa também combater a busca incessante pela ganância e lucro por parte de grandes fazendeiros, madeireiras e empresas nacionais e transnacionais que vêm destruindo esse patrimônio. Essa foi a luta de José Cláudio e Maria e para que sua luta não tenha sido em vão, é preciso defender o Código Florestal em vigor e não permitir a anistia aos que desmataram e destruíram, sobretudo os grandes fazendeiros. Ao mesmo tempo, exigimos a apuração e, sobretudo, a punição rigorosa daqueles que mataram José Cláudio e Maria, e tantos outros que já perderam suas vidas na luta pela floresta Amazônica.
Por: Winfridus Overbeek, Coordenador Internacional do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais, e-mail: winnie@wrm.org.uy