Este ano, 2017, o Banco Asiático de Desenvolvimento (BAD) comemora seu 50º aniversário. Desde a fundação, já investiu mais de 250 bilhões de dólares na região. Boa parte desse dinheiro foi alocada a grandes projetos de extração, bem como a “corredores econômicos” regionais que integram infraestrutura para facilitar os fluxos de exportação de minerais e outras commodities. Ainda que, teoricamente, não sejam permitidos empréstimos a projetos que causem desmatamento significativo, um grande número de projetos financiados pelo BAD deixou um rastro de destruição ambiental e social: desmatamento, perda de biodiversidade, deslocamento de povos que dependem da floresta e destruição de seus meios de subsistência (1). Diante disso, as pessoas resistiram à política de empréstimos do Banco e organizaram mobilizações e lutas em todo o continente para defender seus territórios, florestas e meios de subsistência.
Após 50 anos, no entanto, em vez de uma mudança fundamental, a resposta do Banco foi implementar políticas de “salvaguarda” específicas que lhe permitem continuar promovendo projetos destrutivos enquanto alega praticar a sustentabilidade. Este artigo trata de compensações de biodiversidade e corredores de biodiversidade – os novos disfarces do lobo para permitir a continuação de um modelo econômico em expansão, baseado em extração em grande escala.
A política de compensação de biodiversidade do BAD: “ganho” em biodiversidade?
Em teoria, as salvaguardas do Banco devem assegurar que nenhuma destruição ocorra. A última versão do documento de política de salvaguardas do BAD data de 2009. Dois aspectos marcantes devem ser mencionados.
O primeiro é o fato de que o BAD não relaciona sua prática de empréstimos a projetos destrutivos e ao que o próprio banco reconhece como uma situação de “redução da qualidade e da quantidade da água, perda de biodiversidade, desmatamento e desertificação, níveis elevados de poluição e impactos negativos sobre a saúde humana”. Também reconhece que “essas ameaças tendem a afetar desproporcionalmente os pobres”. No entanto, o BAD não assume a responsabilidade por isso; na melhor das hipóteses, emite declarações que indicam as políticas de salvaguarda como “solução”.
O segundo aspecto marcante, que deriva do primeiro, é que, em vez de tomar a decisão lógica de interromper ou, pelo menos, reduzir em muito seus empréstimos para projetos destrutivos, o banco sugere que, se o resultado é destruição ambiental significativa que não possa ser evitada, minimizada ou mitigada, o titular do projeto pode usar o mecanismo da compensação de biodiversidade para “chegar a uma perda líquida zero ou a um ganho líquido da biodiversidade afetada” (veja artigo introdutório neste boletim). O documento também explica que projetos dentro de “habitats naturais”, “habitats críticos” ou “áreas legalmente protegidas” – onde nenhuma intervenção destrutiva deve ser permitida – ainda podem ser permitidos se houver “medidas de mitigação” para garantir que não haja “nenhuma perda líquida de biodiversidade”. Essas medidas “podem incluir uma combinação de ações, como restauração de habitats pós-projeto, compensação de perdas através da criação ou da conservação efetiva de áreas ecologicamente comparáveis que são geridas para a biodiversidade, respeitando o uso contínuo dessa biodiversidade por povos indígenas ou comunidades tradicionais, e compensação aos usuários diretos da biodiversidade”. (2)
Essa política não só abre as portas para que as áreas protegidas sejam exploradas, mas também, e ainda mais surpreendentemente, sugere que levar adiante projetos destrutivos pode resultar em um “ganho da biodiversidade afetada” caso se conserve “uma área ecologicamente comparável” que esteja ameaçada, de acordo com o titular do projeto.
Como a compensação da biodiversidade é uma política do BAD de 2009, vários beneficiários de financiamentos do banco criaram projetos de compensação de biodiversidade desde então, como é o caso do Projeto de Desenvolvimento de Energia Geotérmica Sarulla, na Indonésia (3), e do Projeto Hidrelétrico Nam Ngiep 1, no Laos (4). Na verdade, os projetos de compensação permitirão que a usina de energia geotérmica e a represa hidrelétrica aleguem ser sustentáveis, já que sua destruição inevitável está sendo compensada em outro lugar, apesar de eles terem claros impactos sociais e ambientais. Mas, em termos gerais, ainda são poucos os projetos de compensação de biodiversidade que aparecem em uma busca no site do BAD. Uma explicação para isso é que a compensação de biodiversidade é considerada um “último recurso”, o que significa que, de acordo com o BAD, muitas vezes as medidas para “minimizar” ou “mitigar” seriam suficientes. Ao mesmo tempo, com relação à biodiversidade, o BAD, pelo menos para a região do Grande Mekong, deu muita ênfase aos corredores de conservação da biodiversidade. É mais uma tática do banco para tentar responder à crítica de que promove ativamente a destruição do meio ambiente, enquanto abre caminho a medidas mais “compensatórias” para justificar a continuação da destruição.
Corredores de conservação da biodiversidade: mais um corredor econômico
A “iniciativa dos corredores de conservação da biodiversidade” (BCI, na sigla em inglês) é um plano apoiado pelo BAD, por governos da Região do Grande Mekong – China, Laos, Mianmar, Camboja, Tailândia e Vietnã – e por grandes ONGs de conservação, como WWF, Birdlife International, UICN, Wildlife Conservation Society e Conservation International. O plano também recebeu apoio de alguns governos do Norte. Os objetivos são melhorar a conectividade dos habitats, combatendo a fragmentação da floresta como resultado das causas do desmatamento. Ao mesmo tempo, a BCI visa reduzir a pobreza das comunidades. (5)
A abordagem da iniciativa tem sido a de identificar as mais importantes paisagens de conservação da biodiversidade/bacias hidrográficas na região. Em 2005, nove delas já estavam identificadas. O papel da BCI, na época, foi conectar essas chamadas áreas principais de conservação, como forma de combater o processo contínuo de fragmentação da floresta e da biodiversidade e conservar os “serviços ecossistêmicos” (como os ciclos de carbono ou água). Na primeira fase do projeto (2006-2011), foram instalados oito áreas-piloto da BCI, totalizando mais de 1,2 milhão de hectares. De acordo com o documento do projeto, muitas coisas foram realizadas, como a criação de “fundos de desenvolvimento” ou o estabelecimento de “serviços ecossistêmicos florestais/hectare”, “práticas de conservação” por parte das comunidades e criação de “oportunidades de subsistência para reduzir a dependência em relação a recursos florestais”.
No entanto, a abordagem da BCI realmente prepara o terreno para o REDD+, que é um dos objetivos explícitos da nova fase do projeto da BCI no Laos, por exemplo. (6) Isso significa que o uso e o acesso das comunidades locais às florestas que elas vêm conservando tendem a se restringir por meio desse plano, pois os serviços ecossistêmicos precisam continuar “preservados”, ameaçando as práticas socioculturais dos povos que dependem das florestas. Em outubro de 2016, o BAD aprovou 12,8 milhões de dólares para o projeto da BCI no Laos, uma subvenção do fundo estratégico para o clima do BAD e do Programa de Investimento Florestal (FIP, na sigla em inglês) do Banco Mundial, sendo que este último também foi estabelecido para se preparar para o REDD+. De acordo com a reportagem de um jornal laosiano sobre a aprovação dessa subvenção, “na área do projeto, as províncias de Attapeu e Xekong se destacam como pontos críticos de desmatamento e degradação florestal rápidos, principalmente devido à agricultura itinerante praticada por comunidades locais (...)”. (7)
A BCI reconhece que o crescimento econômico na região resultou em graves ameaças à conservação da biodiversidade, além de ser um notório fator de desmatamento em grande escala devido, por exemplo, à expansão das redes rodoviárias que melhoram a “integração” regional ou os diversos projetos de grandes hidrelétricas – ambas atividades financiadas pelo BAD ao longo dos anos. Mas, em vez de suspender os investimentos nessas atividades, a BCI afirma que “esses planos de investimento precisam ser incorporados a uma abordagem de gestão de ecossistemas”. O Plano segue argumentando que, caso contrário, colocará em risco “a natureza e a magnitude dos fluxos dos serviços ecossistêmicos, incluindo a conservação da biodiversidade e os benefícios de sequestro de carbono para as comunidades locais, e prejudicará o desempenho e a sustentabilidade dos investimentos”. Em outras palavras, os projetos destrutivos podem continuar, desde que certas medidas de conservação “compensatórias” sejam implementadas nas áreas mais conservadas que restarem, com ênfase na proteção dos “serviços ecossistêmicos”. Isso, por sua vez, beneficiaria comunidades e investidores.
Observando os números dos serviços ecossistêmicos identificados nos planos da BCI, o carbono se revela o “serviço” mais importante em termos de valor financeiro. A experiência com créditos de carbono florestal, também conhecidos como projetos de REDD, mostra que esse mecanismo é do interesse da indústria poluente, como forma de continuar poluindo. Além disso, um pequeno grupo de ONGs de conservação é muito favorável a isso, trabalhando em conjunto com empresas poluentes. Por fim, empresas de consultoria, carbono e certificação também estão interessadas, bem como governos, em função do dinheiro que pode ser obtido nesse mercado e nesses negócios. As comunidades que vivem dentro desses corredores recebem pouco ou nenhum benefício, sofrendo restrições e proibições ao seu uso da floresta, como se fossem a principal ameaça a ela. (8)
Não é nenhuma surpresa e, ao mesmo tempo, é muito preocupante que a BCI culpe, em primeiro lugar, as pessoas que vivem nas áreas a ser conservadas e suas práticas de cultivo itinerante pelo desmatamento, antes de mencionar outras causas, como concessões para atividades de silvicultura e exploração de madeira. O crescimento populacional nas comunidades, incluindo o afluxo de migrantes, também é mencionado como um fator que aumentaria a pressão sobre as florestas, mas sem se questionar por que e de onde essas pessoas estão migrando.
Outra coisa que chama a atenção nessa abordagem é que a documentação do projeto da BCI curiosamente traça um paralelo entre corredores econômicos e ecológicos. Argumenta-se que, em ambos os casos, é crucial um movimento “sem impedimentos”, seja de bens, seja de espécies naturais. Além disso, se nenhum dos tipos de corredores existir, o argumento continua, a “agenda de desenvolvimento da sub-região do Grande Mekong provavelmente será ameaçada”. Na verdade, essa observação reveladora faz sentido porque, segundo essa visão, para que o crescimento econômico continue dentro de uma estrutura de “economia verde”, há necessidade de práticas de conservação “compensatórias”, como corredores de biodiversidade baseados em serviços ecossistêmicos, REDD+ e compensações de biodiversidade. Sendo assim, o “preço” real é pago principalmente por comunidades que dependem da floresta, pois os alvos para a implementação dos projetos de compensação são principalmente os seus territórios. Outro sinal de quanto o corredor biológico se baseia no econômico pode ser visto na linguagem adotada na documentação de projeto da BCI, por exemplo, dando às comunidades indígenas locais o título de “gestoras de recursos”.
O papel estratégico e a relação entre corredores econômicos e de biodiversidade para os governos da região e sua cooperação com o BAD tornam-se ainda mais evidentes na publicação do banco, de 2016, chamada “Cooperação ASEAN-BAD rumo à comunidade da Asean”, que apresenta uma visão para 2025. Entre as seis prioridades destacadas para concretizar essa visão, uma diz que “através da sustentabilidade ambiental, podemos ajudar a mitigar os efeitos negativos da integração ao gerenciar ecossistemas críticos e corredores de biodiversidade”. O significado dessa “integração” é explicado nas principais prioridades entre as outras seis: “A primeira prioridade é a conectividade física. Conectando os mercados e impulsionando o crescimento futuro, melhorando partes da rede de estradas da ASEAN (...)” e “maior segurança energética através da interconexão e do comércio transfronteiriços de energia “ (9).
É urgente compreender melhor os impactos dos corredores de biodiversidade e dos projetos de compensação de biodiversidade nas comunidades que dependem da floresta na Ásia, tanto os promovidos com apoio do BAD quanto outros, promovidos por diferentes instituições financeiras, ONGs de conservação e empresas privadas. Além disso, é imperativo entender que essas medidas são apenas mais um disfarce para permitir que indústrias extrativas e projetos de infraestrutura continuem e se ampliem. A lógica subjacente a esses planos mostra os verdadeiros interesses e beneficiários do Banco Asiático de Desenvolvimento e de outros promotores de projetos. As comunidades que dependem da floresta, por outro lado, representam o rosto e a prática reais da conservação, radicalmente oposta a um sistema econômico destrutivo.
Se alguém tiver mais informações sobre o que está acontecendo concretamente onde esses projetos estão sendo promovidos e/ou quiser denunciar seus impactos negativos, entre em contato com o secretariado internacional do WRM.
Winnie Overbeek, winnie [at] wrm.org.uy
Membro do Secretariado Internacional do WRM
https://focusweb.org/page/adb50/
“Declaração de Política de Salvaguardas” do Bad, 2009. https://www.adb.org/sites/default/files/institutional-document/32056/safeguard-policy-statement-june2009.pdf
Plano de gestão de compensações de biodiversidade, Sarulla Geothermal Power Development Project, 2015, https://www.adb.org/sites/default/files/project-document/213991/42916-014-emp-02.pdf
Plano de gestão de compensações de biodiversidade, Nam Ngiep 1 Hydropower Project in Lao PDR, 2014, https://www.adb.org/sites/default/files/project-document/81682/41924-014-eia-03-jul-2014.pdf
http://www.gitec-consult.eu/index.php/en/projects?view=project&id=50
https://laotiantimes.com/2016/10/19/adb-supports-sustainable-biodiversity-management/
http://wrm.org.uy/pt/livros-e-relatorios/redd-uma-colecao-de-conflitos-contradicoes-e-mentiras/
http://www.thejakartapost.com/academia/2016/07/13/supporting-aseans-2025-vision.html