Empresas poluidoras contam histórias sobre atingir um nível de emissão “Líquida Zero” enquanto planejam continuar ou até aumentar a destruição e a exploração. As compensações estão no centro dessas histórias e, ultimamente, também vêm sendo defendidas pelo setor financeiro. É hora de acabar com essa ilusão perigosa!
Nas últimas três décadas, todos os tipos de adjetivos que soam amigáveis para com o meio ambiente foram acrescentados à palavra capitalismo (ou crescimento, ou economia). Por quê? Porque isso ajuda a transformar um problema estrutural em um desafio para o qual se pode prometer uma solução (técnica). As compensações são oferecidas como uma “bala de prata” que resolverá o problema climático sem prejudicar os lucros das empresas ou a queima de combustíveis fósseis. Essas compensações têm sido fortemente promovidas por algo que podemos chamar de uma verdadeira “indústria da conservação”, com a participação de ONGs conservacionistas como WWF e The Nature Conservancy (TNC), governos de muitos países industrializados, o setor financeiro, o Banco Mundial, e muitas empresas, inclusive nos setores de combustíveis fósseis e aviação.
A maioria das empresas poluidoras endossou a compensação como parte de seus planos climáticos para atingir emissão líquida zero. Em seus sites, empresas criminosas como as petroleiras Shell ou a Eni contam histórias sobre “compromisso com a proteção das florestas” e investimento em “soluções naturais”, enquanto planejam dar continuidade, ou mesmo aumentar, a extração de combustíveis fósseis muito além de 2050. Não há hipocrisia que pareça suficiente para proteger os lucros das empresas com a queima de combustíveis fósseis. Muitas empresas dos setores de aviação e alimentos também estão apostando em compensações para proteger seu modelo destrutivo de negócios. Os governos, enquanto isso, estão ocupados preparando a estrutura jurídica para essa panaceia ilusória da compensação.
Mais de 30 anos de ampla documentação, evidências e análises por parte de organizações comunitárias, redes de justiça ambiental, movimentos sociais e estudos acadêmicos expondo as falhas estruturais, as contradições e os interesses corporativos por trás da ilusão de compensações estão sendo descartados para proteger os lucros das empresas!
Pior ainda – a ilusão da compensação vem sendo defendida recentemente pelo setor financeiro.
Mark Carney passou 13 anos no banco privado Goldman Sachs, foi presidente do Banco do Canadá e do Banco da Inglaterra, e agora é um investidor influente e enviado especial da ONU para ações climáticas e finanças. Em novembro de 2020, uma iniciativa privada liderada por Carney lançou um “Documento de Consulta” de 98 páginas sobre um projeto que visa aumentar os mercados voluntários de carbono. O documento menciona a palavra “compensação” 238 vezes e “energia de combustível fóssil” uma vez. (1) É uma ode aos mercados de carbono.
A iniciativa, chamada de “Força-tarefa para potencializar os mercados voluntários de carbono”, foi lançada em um momento conveniente. Muitas empresas destrutivas e poluentes, como Shell, Unilever, Tata Steel e BP, comprometeram-se a transformar suas cadeias de fornecimento em operações que produzam emissão líquida zero. Mas essa emissão líquida zero não significa emissão zero. A ideia de “líquida zero” depende do uso intenso de compensações, o que, por sua vez, significa que os combustíveis fósseis continuarão sendo queimados, enquanto as empresas se promovem como neutras em carbono, de emissão líquida zero, verdes, sustentáveis ou qualquer outro adjetivo que pode soar ambientalmente amigável, mas não gera nada além de destruição verde.
As empresas estão sendo estimuladas a agir por iniciativa do Larry Fink, o presidente da maior gestora de ativos financeiros do mundo, a BlackRock. Em janeiro de 2021, Fink anunciou na Carta Anual da empresa que a BlackRock espera que todas as empresas nas quais investe apresentem planos para atingir emissão líquida zero até 2050. (2) A BlackRock é uma grande acionista de empresas do agronegócio, dos setores imobiliário, de energia, mineração e outras, e seus administradores fazem parte dos conselhos de várias grandes organizações conservacionistas. (3)
É fundamental lembrar que as compensações não reduzem as emissões. Na melhor das hipóteses, as compensações deslocam essas emissões. Isso significa que, por exemplo, para atingir emissão líquida zero, uma empresa que emite dez toneladas de CO2 no local A precisaria implementar ou comprar créditos de um projeto de compensação que absorva dez toneladas de CO2 no local B, ou de um projeto de compensação que evite a emissão de dez toneladas de CO2 que corriam o risco de ser liberadas no local C. Essa lógica ignora a singularidade de qualquer local. A compensação se baseia na falsa suposição de que a vida e as interconexões dos locais A, B e C podem ser substituídas, trocadas ou recriadas. Na maioria dos casos onde já foi usado, esse “deslocamento de emissões” foi um fracasso absoluto em termos climáticos. (4) O que é pior, como o WRM e outros denunciaram em inúmeras ocasiões, (5) a maioria dos projetos de compensação resultou em conflitos, concentração de terras, violência extrema e destruição de meios de subsistência e vidas de comunidades. Foram raras as ocasiões em que as pessoas afetadas diretamente pela imposição desses projetos foram devidamente informadas. Seus territórios e espaços de vida dos quais elas dependem foram destruídos, cercados ou fortemente contaminados.
A realidade das compensações está muito distante da ilusão que elas vendem. A compensação é uma ferramenta para as empresas continuarem lucrando com um sistema capitalista viciado em combustíveis fósseis. Isso também representa um grande negócio para as ONGs conservacionistas, que se ocupam de oferecer terras sob sua gestão como compensação para as empresas mais sujas do mundo. Contudo, para as inúmeras comunidades cujos territórios estão dentro de áreas projetos de compensação ou para aquelas afetadas pela simples continuação das atividades voltadas ao lucro, isso significa destruição e violência. O recente interesse em compensações ameaça se transformar em apropriação de terras em grande escala.
É hora de redobrar os esforços, por um lado para expor a ilusão perigosa que é alimentada pela ideia da compensação mas, também, de apoiar as populações que dependem da floresta e as comunidades de camponeses que há muito usam e protegem suas terras, suas florestas e sua diversidade. No dia-a-dia de suas lutas contra a destruição por parte das empresas, elas não deixam se enganar pela lista – constantemente atualizada – de adjetivos que soam como se as empresas fossem verdadeiros amigos do meio ambiente, usados para disfarçar, fazer lavagem verde da destruição.
(1) REDD-Monitor, Mark Carney’s Taskforce on Scaling Voluntary Carbon Markets: The global financial elite’s plan to profit from the climate crisis while maintaining business as usual for Big Oil, 2021
(2) BlackRock, Net zero: a fiduciary approach, 2021
(3) Focus on the Global South, Rogue Capitalism and the Financialization of Territories and Nature, 2020
(4) The Corner House, Carbon Markets Are not Designed to Reduce Emissions, 2020
(5) WRM, Mercantilização, REDD e outras falsas soluções