No dia 3 de agosto passado, o governo equatoriano e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) assinaram o Fideicomisso Yasuní ITT (sigla das jazidas de petróleo Ishipingo-Tambococha-Tiputini). A assinatura desse instrumento financeiro constitui o primeiro passo concreto para a execução do projeto lançado há 3 anos que propõe deixar embaixo da terra, no parque Yasuní- um dos locais de maior diversidade biológica do mundo e lar do povo indígena Huaorani e de povos em isolamento voluntário- 846 milhões de barris de petróleo.
Dessa forma, o Equador, que tem grande parte de sua receita na exportação de petróleo, evitaria a decorrente emissão de 410 milhões de toneladas de dióxido de carbono em troca de uma compensação monetária internacional equivalente no mínimo a 50 por cento dos benefícios que receberia caso explorasse essas reservas (calculam-se uns 3.500 milhões de dólares).
O PNUD, na qualidade de fideicomissário, será o encarregado de receber e administrar os fundos dos países que contribuírem à Iniciativa. Por sua vez, entregará esses fundos ao governo equatoriano garantindo que serão destinados aos fins estipulados e que o petróleo permanecerá debaixo da terra. Para o Equador, essa medida concorda com os princípios da nova Constituição, que recolhe o conceito de Sumak Kawsai ou “bom viver” como regime econômico, que, conforme o economista e professor universitário equatoriano Pablo Dávalos, “é a possibilidade de vincular o homem com a natureza sob uma visão de respeito, porque é a oportunidade de devolver a ética à convivência humana, porque é preciso um novo contrato social no qual possa conviver a unidade na diversidade, porque é a oportunidade de opor-se à violência do sistema”. (1)
A assinatura do fideicomisso foi um fato importante porque implica pôr em andamento o adiado projeto Yasuní, uma iniciativa estratégica com várias pontas: constitui uma opção nacional para conseguir fundos sem destruir mais a Amazônia, é uma forma de deter genuinamente a mudança climática, e poderia abrir a porta à construção de uma economia pós-petroleira, pós- extrativista.
Mesmo que a assinatura do fideicomisso tenha dado visibilidade à Iniciativa e consolidado posições favoráveis a respeito dela, Alberto Acosta, ex-presidente da Assembléia Constituinte do Equador, analisa que no tocante à contribuição internacional, ainda havendo alguns sinais de alguns governos europeus, o que falta é um posicionamento mais contundente da sociedade civil: “Os governos dos países industrializados lidam com o projeto apenas no contexto da ajuda ao desenvolvimento. Não aceitam sua co-responsabilidade, ao serem seus países os maiores predadores no mundo”, declarou em uma entrevista (2).
De outro lado, no tocante ao Equador, Acosta denunciou contradições: “esta Iniciativa não pode servir de desculpa para que o governo do presidente Correa se orgulhe e diga que já fazemos muito pela natureza e a vida dos povos não contatados, e ao mesmo tempo, amplie a fronteira petroleira no centro sul da Amazônia e incentive a mineração metálica em grande escala a céu aberto”. Alertou que não basta com o fideicomisso; o governo “também não deveria tolerar atividades petroleiras à beira do ITT, o que inclui o respeito irrestrito aos povos em isolamento voluntário em qualquer lugar da Amazônia”. Acosta relembrou que “as atividades petroleiras e também as mineiras provocam elevados custos ambientais. Custos que, ainda por cima, nunca entram nos cálculos de rentabilidade que fazem as empresas e inclusive os governos. Custos que posteriormente, de uma forma ou outra, são repassados de forma brutal à sociedade”. Apontou que o governo deveria deter “as outras ameaças que pairam sobre o Yasuní, como são o desmatamento e a extração ilegal de madeira, a colonização sem controle, o turismo ilegal e o eixo multimodal Manta- Manaus no contexto do IIRSA, herdado da época neoliberal. Também será preciso controlar as atividades que se desenvolvem nos blocos petroleiros adjacentes e as mesmas rodovias abertas para os projetos petroleiros próximos”.
Outras reflexões de Esperanza Martínez, da organização equatoriana Ação Ecológica assinalam “ações locais, nacionais e internacionais que ainda estão pendentes:
1. Em nível local cabe apoiar as comunidades para a defesa dos territórios, as florestas e a água; sem essas comunidades e suas lutas, a iniciativa do Yasuní nunca teria surgido. É intolerável que sejam reprimidas ou desqualificadas, isso equivale a deixar a iniciativa órfã.
2. A iniciativa Yasuní pode e deve aplanar o caminho para um Equador pós-petroleiro. De fato permitiu contrapor a idéia clássica de priorizar a exploração à de conservar o patrimônio. É preciso superar as medidas e políticas de mais prospecções, mais exploração e mais consumo, que nos atrelam ao modelo petroleiro, pior ainda quando estas afetariam o centro e sul da Amazônia. Inclusive é preciso fechar a ferida que representa o bloco 31, com quantidades mínimas de petróleo, o bloco 16 que sobrevive com vida artificial, pois seu contrato deveria concluir em dois anos e o campo Armadillo que afeta povos em isolamento voluntário.
3. Ainda quando a proposta Yasuní permitiu visibilizar as vexatórias negociações do mercado de carbono promovidas pelo Protocolo de Kioto, inspirou outros povos e países para replicarem a iniciativa de deixar o cru debaixo da terra e enriqueceu a discussão sobre a existência de uma dívida ecológica que o Norte deve ao Sul; é preciso unificar as posições oficiais, que em alguns casos são contraditórias. É preciso nesse sentido distanciar os fundos Yasuní dos mercados de carbono e dos projetos REDD, que vêm a ocorrer em cumplicidade com os poluidores e com perda de soberania local e nacional, ou dos investimentos em megaprojetos que sustentam o modelo extrativista”.
Mas agora está na hora de parabenizar pelos avanços. E como manifesta Esperanza Martínez, “está na hora de reconhecer e parabenizar aqueles que trabalharam pela iniciativa: os índios Waorani que levam mais de 20 anos denunciando os impactos das operações petroleiras em seus territórios; os povos e comunidades que com sua resistência inspiraram a proposta Yasuní; os dirigentes da CONAIE que mantiveram e promoveram a proteção do Yasuní; os trabalhadores petroleiros que providenciaram valiosa informação técnica e de seu espaço respaldaram a iniciativa; os demandantes do juízo contra a Texaco que nos permitiram contar com informação sobre os impactos da atividade petroleira; os jovens da campanha Amazônia Pela Vida que promoveram a defesa do Yasuní em escolas, colégios e bairros no país inteiro; os artistas, jornalistas, acadêmicos que mantiveram viva a iniciativa. E, obviamente, os funcionários e ex-funcionários do Estado que impulsionaram as ações para consolidar a chamada primeira opção para o Yasuní”.
(1) “El ‘Sumak Kawsay’ (‘Buen vivir’) y las cesuras del desarrollo”, Pablo Dávalos, ALAI, http://alainet.org/active/23920
(2) “Pensando alternativas. Entre la crisis europea y el Yasuní”, Franck Gaudichaud, entrevista a Alberto Acosta, ex–presidente da Assembléia Constituinte do Equador
http://www.cadtm.org/Pensando-alternativas-Entre-la
(2) “¿Qué celebramos con la firma del fideicomiso de la iniciativa Yasuní?”, Esperanza Martínez, Ação Ecológica, http://www.amazoniaporlavida.org/es/