“Florestas em exaustão” surge de uma controvertível proposta do Brasil sob as negociações da UNFCCC (Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática ) em Poznan. O interesse do Brasil de alterar o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) para incluir as “Florestas em exaustão” é que permitiria ao MDL outorgar créditos sob o Protocolo de Kyoto para projetos de reflorestamento em terras de florestas que têm sido exploradas excessivamente até ficar “exauridas”, e sem dinheiro adicional dos créditos de carbono, não seriam replantadas.
No entanto, não se trata de florestas, mas de plantações de árvores, uma atividade econômica principal no Brasil e em outros países do Sul. De fato, a Diretoria Executiva do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo concordou na definição de “floresta em exaustão” como “uma área de terra que continha floresta (sic) – estabelecida através da plantação, da semeadura e/ou da promoção induzida pela atividade humana de fontes naturais de sementes – em 31 de dezembro de 1989 e/ou na data de começo da atividade do projeto.” (http://unfccc.int/resource/docs/2009/cmp5/eng/16.pdf)
Isso tem a maior implicação que o MDL pode subsidiar as plantações de monoculturas de árvores no Sul, onde elas já são muito rentáveis, através de créditos outorgados sob o Protocolo de Kyoto, como projetos de reflorestamento em terras previamente plantadas que têm sido exploradas demais até ficar “exauridas”.
Em sua 33ª sessão realizada em Cancun em dezembro de 2010, o Órgão Subsidiário de Assessoria Científica e Tecnológica (SBSTA) da Convenção Quadro sobre Mudança Climática (FCCC) convidou as Partes e admitiu organizações observadoras para apresentar ao secretariado, até 28 de março de 2011, suas opiniões sobre as implicações da inclusão do reflorestamento de terras com florestas em exaustão como atividades de projetos de mecanismo de desenvolvimento limpo de florestamento e reflorestamento.
Como organização que há tempo que defende as florestas e os povos dependentes das florestas em suas lutas para garantir seus meios de vida contra ameaças como, por exemplo, plantações de monoculturas de árvores com fins industriais, o WRM apresentou os seguintes pontos principais de preocupações sobre a definição da Diretoria de ‘florestas em exaustão’ e o que supostamente aconteceria com essas ‘florestas’, bem como a proposta para incluir atividades de reflorestamento como possível atividade de MDL em terras que não continham ou continham ‘florestas em exaustão’:
“1. De acordo com sua descrição de ‘florestas em exaustão’, essas supostas ‘florestas’ podem incluir monoculturas de árvores industriais. Em nosso trabalho de apoio às comunidades locais atingidas por essas monoculturas, aprendemos que essas monoculturas de árvores não têm nada a ver com as florestas. A única semelhança é que as duas contém árvores. No entanto, enquanto as florestas oferecem uma grande variedade de benefícios nutricionais, espirituais, água, medicinas e outros benefícios para os povos das florestas, as plantações de árvores industriais são chamadas de “desertos verdes” pelas comunidades locais, pelo fato de que não oferecem qualquer benefício, e a vida está totalmente ausente dentro das fileiras idênticas de árvores dessas monoculturas que têm apenas um objetivo: fornecer madeira para a indústria. O fato de que até a FAO ainda considera as plantações de árvores industriais como florestas, tem tido conseqüências dramáticas para milhares de comunidades no Sul e tem favorecido os interesses da indústria. No entanto, durante os passados anos, muitos acadêmicos, funcionários do governo, representantes de diferentes organizações sociais e ambientais, etc. se têm oposto à definição da FAO. O fato de que a UNFCCC opte por manter a definição da FAO é perturbadora e tende a perpetuar e criar novos conflitos no mundo inteiro entre a expansão das companhias de plantação e as comunidades locais.
2. Essa nova proposta permite que as companhias de plantação de árvores apresentem um projeto de MDL para qualquer uma de suas plantações, sejam plantações existentes ou novas. O que temos aprendido da prática é que as companhias que começaram suas plantações bem antes de 1989 sempre têm tido suficiente apóio financeiro e recursos para manter suas atividades até agora e a evidência principal disso é que as principais companhias sempre têm estado replantando suas áreas; especialmente no Sul global onde esta atividade é extremamente rentável, o que tem levado a um processo de que as companhias de plantação de árvores do Norte estão em um processo de transferir suas atividades para o Sul Global, onde podem obter mais lucros. Portanto, esta atividade não pode ser considerada como ‘adicional’. Pelo contrário, fica claro que o que a indústria está objetivando é um outro subsídio para um setor já muito rentável.
3. As monoculturas de árvores industriais de eucaliptos, pinus, dendezeiros e seringueiras causam muitos impactos negativos, apesar do discurso da indústria de que é um setor ‘sustentável e renovável’. Os estudos anexos (1) mostram às claras que essas plantações têm severos impactos sobre a distribuição da terra, expulsando pessoas direta e indiretamente de suas terras. As plantações em grande escala têm grandes impactos sobre a disponibilidade e a qualidade dos recursos hídricos e vários estudos científicos sobre o assunto também estão disponíveis publicamente. As companhias plantadoras precisam aplicar pesticidas que afetam o solo, a biodiversidade e os trabalhadores. Esse tipo de atividade agrícola cria 10 a 15 vezes menos empregos em comparação com a produção agrícola em pequena escala e a maioria dos trabalhos são perigosos e relativamente mal remunerados. As mulheres são relativamente mais atingidas pelas monoculturas de árvores industriais. E também a expansão dessas monoculturas continua sendo um dos importantes impulsionadores diretos e indiretos do desmatamento, o que significa de fato a emissão de ainda mais carbono para a atmosfera.
4. E finalmente, mas extremamente importante: sejam plantações ou sejam florestas, nenhuma dessas áreas de árvores plantadas é capaz de garantir uma contribuição estrutural e duradoura para mitigar o aquecimento global, porque, entre outras razões, as emissões de carbono decorrentes do desmatamento podem ser quimicamente idênticas a aquelas provindas da queima de combustíveis fósseis, mas as duas são climatologicamente diferentes. O carbono liberado do desmatamento não aumenta a quantia total de carbono intercambiado entre a atmosfera, os oceanos, os solos, as florestas, etc. O carbono liberado dos combustíveis fósseis, de outro lado, aumenta esse depósito de carbono da superfície.”
(1) Isto faz referência ao documento que foi enviado para a CMNUCC com parte da pesquisa realizada pelo WRM a respeito dos impactos das plantações de monoculturas de árvores, e que pode ser lida em inglês em http://wrm.org.uy/actors/CCC/Letter_to_the_SBSTA.pdf