Há muitos anos se reconhece a importância global das florestas tropicais do estado de Cross River, no sudeste da Nigéria, por sua excepcional diversidade. O estado também contém mais de metade dos 10% restantes de florestas tropicais do país. Com uma das maiores taxas de desmatamento, o governo decidiu desenvolver um programa nacional de REDD+ em 2009. Deveria ser um processo em duas vias: o desenvolvimento de um marco nacional de REDD e um quadro mais “básico”, cujo piloto seria a experiência estadual em Cross River (um dos 36 estados do país). O processo de implementação do REDD pelo estado envolveu uma força-tarefa incorporada à Comissão Florestal, com mandato para impor uma moratória a todas as atividades madeireiras. Sem qualquer consulta adequada às populações diretamente afetadas, a força-tarefa vem ameaçando comunidades que dependem das florestas há gerações (1). O estado de Cross River também faz parte da “Força-tarefa de Governadores para o Clima e as Florestas”, que visa estabelecer o comércio de carbono por REDD entre 29 estados e províncias de Brasil, Indonésia, Costa do Marfim, México, Nigéria, Peru, Espanha e Estados Unidos.Em paralelo ao desenvolvimento do programa nacional de REDD, o governo do estado de Cross River anunciou em 2009 uma moratória de três anos a toda a extração de madeira, com o objetivo de dar tempo para que o estado planeje o uso “sábio” de suas florestas. A moratória foi prorrogada por tempo indeterminado e, como se pode imaginar, a proibição do corte foi altamente impopular e até mesmo muito controversa. É questionável se ela realmente aliviou a pressão sobre as florestas, e ela certamente gerou uma grande dose de ressentimento e tensão entre governo, comunidades e pequenos madeireiros. A moratória significava uma proibição total do corte de madeira em todas as florestas, incluindo as que não são definidas como reservas por parte dos governos estaduais ou federal, afetando meios locais de subsistência que dependiam dos recursos da madeira.
Nesse meio tempo, a Nigéria recebeu, por meio do “esquema de carbono florestal” da ONU (UN-REDD), uma doação de 4 milhões de dólares para definir seu programa de REDD. Parte dessa concessão foi para o governo federal e parte foi para Cross River, por ser o estado-piloto para o país. Após sete anos, é difícil ver o impacto desses fundos, se é que houve algum. Como aponta a pesquisa da ONG nigeriana Social Action, “as leis florestais de Cross River, derivadas diretamente de leis britânicas da época colonial, datando de 1956, autorizam o governo do estado a constituir reservas florestais e declarar áreas como florestas protegidas sob controle do Estado... Basta que governos e chefes locais sejam notificados. Depois dessa notificação, os agentes do governo têm o poder de proibir a retirada de qualquer produto florestal, avisando com pouca antecedência. Além disso, a Lei de Uso da Terra, que foi promulgada como decreto militar em 1978, submete a terra compreendida no território de cada estado ao respectivo governador. Essa Lei substitui todos os títulos comunais e consuetudinários. Foi com a combinação das leis florestais e de terras que o governo do estado de Cross River criou o marco para o REDD” (2), sem realmente estabelecer novas estruturas jurídicas ou instituições.
A comunidade Ekuri tem a maior área de floresta sob controle comunitário na Nigéria. Essa comunidade tem uma experiência singular de manejo florestal comunitário, o que a ajudou a afastar os interesses madeireiros que teriam ameaçado suas florestas. Também é lá que um dos três projetos-piloto de REDD do estado de Cross River estava sendo desenvolvido. A Environmental Rights Action (Amigos da Terra-Nigéria) relatou que, em um fórum local organizado em 2011, o sentimento era de que “o REDD tinha começado a causar divisão entre as comunidades florestais como a Ekuri, como consequência de táticas enganosas empregadas por consultores de REDD e por empreiteiros contratados pelo governo de Cross River”. (3) Além disso, a Social Action afirma que “produtos movimentados e comercializados, que sejam considerados originários das florestas, são confiscados. Em Nwanga Ekoi, na área de governo local de Akpabuyo, por exemplo, a força-tarefa apreende rotineiramente produtos agrícolas, como nozes de cola e frutas destinadas ao mercado, por serem derivados de florestas destinadas ao REDD. A colheita de folhas de afang, um vegetal local consumido na África Ocidental e Central, agora é proibida nas florestas afetadas. A caça em busca de carne de animais selvagens, principal fonte de proteína nas comunidades, foi interrompida, assim como a obtenção de vinho de dendê da palmeira de ráfia e a produção associada do kaikai, uma bebida local”. (4)
Com as recentes eleições na Nigéria, o senador Ben Ayade, chegou ao poder como novo governador de Cross River. Em questão de semanas, ele não perdeu tempo para afirmar publicamente que o processo UN-REDD precisava ser “reexaminado”. Ele disse que discordava abertamente da necessidade de conservar floresta antiga e queria avançar para o “manejo” florestal, de modo que as árvores velhas pudessem ser cortadas”, já que as mais jovens sequestram o carbono mais rapidamente”. No mesmo espaço de tempo, o governador suspendeu a moratória de corte de árvores e deu metas à comissão florestal do estado sobre a quantidade de receita que ela tinha que gerar para que a exploração da floresta contribuísse para as finanças do estado.
Ao mesmo tempo, ele promoveu um projeto para construir um uma rodovia de 260 km de comprimento, bem no meio das florestas tropicais do estado e atravessando terras florestais pertencentes a mais de 40 comunidades. No dia 22 de janeiro, ele também anunciou que todas as terras dentro de 10 km de cada lado da rodovia estavam sendo adquiridas “no interesse público maior”. Sendo assim, quase que da noite para o dia ele transformou tecnicamente em sem-terra e sem-teto mais de 40 comunidades que dependem das florestas. Além disso, a rodovia vai passar bem no meio de todos os três locais-piloto de REDD propostos no estado. Portanto, o programa de REDD está basicamente morto, na prática. A rodovia vai destruir todos os 33.600 hectares de florestas ekuri, acabando com o modo de vida dessas comunidades florestais para sempre e as deixando sem-teto.
Como se pode imaginar, as comunidades florestais estão indignadas. É irônico ver o quão rápido o REDD implica em não haver nenhuma proteção para as florestas, assim que aparecer um “investimento melhor” (do ponto de vista do governo). Não só a rodovia deixa as comunidades sem terra, mas também é sabido que assim que a floresta for aberta, madeireiros ilegais, agricultores migrantes e caçadores virão e ela desaparecerá rapidamente. As comunidades locais afirmaram que a rodovia planejada não é necessária e estão trabalhando com uma coalizão de ONGs nacionais e internacionais, incluindo o WRM, para lutar contra a obra, que ameaça sua própria existência.
É irônico que tenham estabelecido uma moratória ao corte e a programas de REDD para restringir a ameaça às florestas, representada pelo uso tradicional por comunidades e pela extração de madeira em pequena escala. Mas agora, a verdadeira ameaça às florestas apareceu na forma de uma rodovia apoiada pelo governo, e os direitos dos povos da floresta da Nigéria estão ameaçados como nunca antes.
Assine o abaixo-assinado para parar a destruição da floresta tropical do povo Ekuri:
https://www.rainforest-rescue.org/petitions/1045/stop-the-destruction-of-the-ekuri-people-s-rainforest-in-nigeria?mtu=140661639&t=1757#
E escreva cartas às autoridades competentes na Nigéria, apoiando a luta contra a rodovia. Você pode encontrar um exemplo de carta aqui:
http://wrm.org.uy/all-campaigns/please-sign-on-stop-the-destruction-of-the-ekuri-peoples-ancestral-rainforest-in-nigeria/
Tunde Morakinyo
(2) http://saction.org/books/SEEING_REDD.pdf (Atenção: este é um documento pesado para download)
(3) http://www.redd-monitor.org/2011/04/15/a-wolf-in-sheeps-clothing-redd-questioned-in-cross-river-state-nigeria/
(4) http://saction.org/books/SEEING_REDD.pdf (Atenção: este é um documento pesado para download)