Florestas sob cerco: Libéria pode intensificar a destruição florestal

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As florestas do mundo permanecem sob a ameaça da exploração ilegal de madeira... A exploração ilegal perpetua a corrupção, prejudica os meios de subsistência, alimenta conflitos sociais, priva os governos de receitas e corrói as bases dos recursos naturais dos países”. Relatório Chatham House, julho de 2015 (1)

Os responsáveis pelas florestas na Libéria apresentaram uma proposta que permitirá sua conversão em grande escala em plantações de dendezeiros. Isso apesar de o país ainda estar lutando para enfrentar o problema da exploração ilegal de madeira, e de a União Europeia (UE), o governo da Noruega, os Estados Unidos e outros doadores estarem investindo mais de 200 milhões de dólares para lutar contra a exploração ilegal e a destruição de florestas no país.

Em julho de 2015, a Autoridade de Desenvolvimento Florestal (FDA, na sigla em inglês) divulgou a proposta de um “Manual para Colheita de Árvores em Extensões de Plantações Agrícolas e Áreas de Contrato para Mineração” para que as partes interessadas examinassem. De acordo com o manual, para desmatar uma concessão agrícola, uma empresa madeireira deve confirmar que a área não inclui uma proposta de área de proteção ou conservação, demonstrar que a detentora da concessão agrícola tem planos para desmatar e plantar dendezeiros na área de onde a madeira precisa ser retirada, ter um mapa da área e possuir uma carta de renúncia ou consentimento do titular da concessão. Contudo, o titular da concessão pode extrair madeira também mas só para uso em suas operações. Como a agricultura em áreas de concessão inclui vastas extensões de florestas nas regiões noroeste e sudeste do país, a destruição da floresta acabará aumentando se o governo levar adiante esse plano.

A floresta da Libéria fornece meios de subsistência para mais da metade de seus 3,5 milhões de pessoas. Segundo o censo de 2008, mais de dois terços da população vivem em áreas rurais, onde quase todo mundo depende de recursos florestais, como produtos florestais madeireiros e não madeireiros, incluindo ervas, juncos, carne de caça e uma variedade de alimentos para subsistência e geração de renda. No entanto, sucessivos governos têm permitido que madeireiros ilegais saqueiem as florestas do país. Por exemplo, entre 1997 e 2001, aproximadamente 2,5 milhões de metros cúbicos de madeira foram cortados, dos quais mais de 1,7 milhão foi exportado, principalmente para Europa e Ásia (2). Uma revisão feita pelo governo nas concessões madeireiras em 2005 constatou que todas as empresas madeireiras que operaram durante esse período o fizeram ilegalmente (3).

Da mesma forma, entre 2009 e 2013, o governo atual alocou ilegalmente mais de 3 milhões dos cerca de 4 milhões de hectares de florestas do país. Mais de 2 milhões de hectares concedidos como “Licenças de Uso Privado” foram cancelados posteriormente. Sete grandes concessões que cobrem mais de um milhão de hectares continuam a funcionar – mesmo que uma auditoria encomendada pós-concessão pelo governo a partir de 2013 tenha constatado que 771,390 hectares haviam sido alocados ilegalmente a quatro empresas madeireiras. As outras três concessões não foram avaliadas durante a auditoria, mas haviam sido alocadas da mesma maneira. O futuro dessas concessões continua incerto, já que a Libéria e a UE tentam encontrar uma forma de lidar com elas no âmbito do Acordo Voluntário de Parceria, que se destina a conter o fluxo de madeira ilegal da Libéria para a UE.

A madeira de conversão como problema emergente

De acordo com um relatório do centro de estudos Chatham House, globalmente, mais florestas estão sendo desmatadas para agricultura e outros usos da terra, e até metade da madeira tropical vendida atualmente no mundo vem da conversão de florestas em países tropicais. O relatório também concluiu que, embora a exploração ilegal tenha diminuído desde 2000, o ganho foi compensado pelo aumento da produção ilegal de madeira a partir da conversão florestal.

O marco jurídico da Libéria já permite que certas áreas florestais sejam desmatadas e convertidas em plantações e outros usos da terra, através de licenças conhecidas como Contratos de Venda de Madeira (TSC, na sigla em inglês). No entanto, existem salvaguardas para prevenir a destruição desenfreada das florestas. Por exemplo, esses contratos só podem ser concedidos sobre fragmentos florestais não maiores do que 5.000 hectares e desconectados de qualquer área florestal significativa. Além disso, eles só podem ser alocados em terras públicas, através de um plano de concessão aprovado pelo governo, e concedidos através de licitação. Os TSCs também não podem ser feitos sobre terras que já estejam sob outro contrato de uso. Por conseguinte, o atual marco jurídico exclui a exploração madeireira nas concessões agrícolas existentes e se destina a restringir ao mínimo a possibilidade de conversão de florestas.

Seguindo as exigências para o corte de madeira estabelecidas no manual, a atividade madeireira industrial em concessões agrícolas abrirá várias possibilidades que seriam prejudiciais para as florestas da Libéria. Em primeiro lugar, abrirá imediatamente as portas ao desmatamento e à conversão de pelo menos 500.000 hectares de florestas. Em segundo, vai pressionar as empresas de dendê que têm relutado em permitir o corte de madeira em suas concessões. Em terceiro lugar, vai destruir outros recursos florestais, como junco, troncos redondos e outros materiais de construção locais, bem como dendezeiros nativos colhidos e processados para fazer óleo comestível em toda a Libéria, e carne de caça. As comunidades dependem dessas áreas de floresta e dos recursos florestais para subsistir e gerar de renda, e atender a funções ambientais inestimáveis. Portanto, abrir a porta à exploração industrial de madeira em “concessões agrícolas” não seria apenas um desastre ambiental, mas também teria graves consequências sociais e econômicas.

Sendo assim, o que tem que acontecer?

A responsabilidade maior pela gestão das florestas do país de forma responsável cabe ao governo e ao povo da Libéria. Como tal, o governo deve retirar o manual e revisá-lo para limitar a extração de madeira oriunda de “concessões agrícolas” e reservar a madeira para uso exclusivo na região onde a concessão está situada. A versão revista deve excluir explicitamente a atividade madeireira industrial. A União Europeia e o Governo da Noruega não devem apenas tomar medidas para se distanciar desse plano; eles também devem levantar preocupações sobre o plano junto ao governo da Libéria, e não fazê-lo implicaria cumplicidade. A sociedade civil, por outro lado, deve se mobilizar e lançar uma campanha agressiva em níveis local e internacional, para salvar as florestas e proteger os meios de subsistência das comunidades que dependem delas.

Silas Kpanan Ayoung Siakor
Email: ssiakor@sdiliberia.org
Sustainable Development Institute, Libéria

Chatham House Report ‘Tackling Illegal Logging and the Related Trade: What Progress and Where next? Julho de 2015. Disponível em:https://www.chathamhouse.org/publication/tackling-illegal-logging-and-related-trade-what-progress-and-where-next
Plunder: the silent destruction of Liberia’s rainforest, 2002. Disponível em:http://www.forestsmonitor.org/uploads/2e90368e95c9fb4f82d3d562fea6ed8d/plunder_1_.pdf
Forest Concession Review Report, maio de 2005