Em Doha, Qatar, na 18ª Sessão da Convenção do Clima, as negociações em torno do REDD+ se complicaram. A discordância principal é sobre como verificar a redução de emissões no desmatamento que deveriam resultar de projetos de REDD+. Enquanto países do Norte defendem uma verificação externa, internacional, países do Sul querem fazer esse controle internamente. Sem acordo sobre este ponto, dificilmente os países do Norte disponibilizarão recursos para o REDD+. O que podemos dizer sobre este impasse?
Primeiro, é bom perguntar por que se discute a verificação da redução de emissões de carbono. É porque no debate sobre REDD, as florestas têm se reduzido a nada mais do que carbono, ou seja, à quantidade de carbono armazenada e emitida por elas. Essa é a questão central que interessa aos países do Norte, os quais buscam desesperadamente formas de reduzir as emissões de carbono que causam as mudanças climáticas, adiando as modificações drásticas e necessárias no seu próprio modelo de produção e consumo.
Se os países do Norte tivessem uma visão mais ampla da importância de conservar as florestas e combater o desmatamento, se considerassem todas as funções fundamentais das florestas e sua importância para os povos que dependem delas, não seria necessário discutir e implementar sistemas de verificação do carbono. Além do mais, esses sistemas são caros e não muito confiáveis, oferecendo uma ótima oportunidade para algumas grandes empresas de consultoria, de certificação e outros “especialistas” ganharem muito dinheiro. Calcula-se que esses gastos com monitoramento e verificação do carbono poderiam absorver até mais da metade dos custos de um projeto de REDD+. Ou seja, um desperdício enorme de dinheiro, mas uma boa oportunidade de negócio.
O sistema externo de verificação é uma precondição para garantir o REDD através de um “mercado de carbono”, ou seja, a possibilidade de países e empresas comprarem créditos de carbono do REDD, que lhes serviriam para compensar suas emissões e lhes dariam o “direito” de continuar poluindo. Para o capital financeiro, mais interessado nesse novo mercado que promete novos negócios especulativos, é necessária alguma garantia, que seria, nesse caso, a verificação da redução das emissões. Se não, fica difícil mercantilizar os chamados “ativos”, os papéis com valor de mercado, gerados pelo “serviço ambiental” de carbono.
Chama a atenção, também, o foco exagerado dos países do Norte na redução de emissões de carbono das florestas sob regime de REDD+. Calcula-se, hoje, que as emissões do desmatamento abrangem em torno de 15% de todas as emissões globais. Mesmo que seja uma quantidade razoável, é pouca comparada com os 85% de emissões restantes que ficam, numa perspectiva histórica, em grande parte por conta dos países do Norte global. Pergunta-se: em algum momento, os países do Sul exigiram um controle externo da redução drástica necessária dessas emissões de carbono por parte dos países do Norte? E será que algum país do Norte aceitaria isso?
Ainda menos comentado é que no sistema de REDD+ de mercado, está embutida a ideia do“direito” de poluir de países e de grandes empresas do Norte. No entanto, trata-se de um “direito” que não consta de nenhum tratado ou declaração internacional. Trata-se de algo que é historicamente imposto, desde tempos coloniais, e que se viabiliza pelo poder atual dos países mais industrializados do Norte e das suas transnacionais, apesar da crescente ascensão de outros países, mas que aplicam a mesma lógica.
Neste boletim do WRM, queremos falar de outros direitos, os direitos humanos. Esses sim, são direitos consagrados em diversos tratados internacionais, inclusive o direito a um meio ambiente saudável, incluindo o direito a um clima equilibrado que permita às comunidades garantir sua sobrevivência e seu bem estar, seu modo de vida. Esse direito está sendo violado e corre enorme risco no futuro próximo. Nnimmo Basey, em seu artigo sobre petróleo e direitos humanos, observa que, se não deixarmos 80% das reservas de petróleo conhecidas hoje debaixo da terra, estaremos enfrentando um aquecimento global extremo, com consequências catastróficas.
Enquanto prevalece o “direito” de poluir por parte de uma minoria da humanidade, liderada por empresas transnacionais, estas últimas, como mostra este boletim, violam de forma constante os direitos humanos de comunidades afetadas por seus projetos. Continuam destruindo mais e mais florestas tropicais. Mas isso não se discute em Doha.
Os direitos humanos de todas e todos não podem ser subordinados ao “direito” de poluir de poucos, que visa basicamente garantir o lucro de empresas transnacionais. É inaceitável que essa lógica coloque em risco a sobrevivência da humanidade e do planeta, principalmente nos países do Sul. É urgente que a grande maioria da humanidade se mobilize e se organize cada vez mais para exercer seu poder legítimo, o poder popular.