Indonésia: violência contra trabalhadoras das plantações de dendê

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Foto: Sawit watch, Indonésia

(Disponível em Bahasa)

As condições de exploração do trabalho na indústria das plantações de dendezeiros na Indonésia são persistentes, e a maioria das principais vítimas é de mulheres. Embora essa situação costume ser ignorada, o processo usado pelo maior produtor mundial de óleo de dendê é muito influenciado por sua existência.

A recorrente história do “sucesso” da Indonésia como maior produtora mundial de óleo de dendê não é seguida realmente por uma história de sucesso semelhante para as trabalhadoras na indústria de plantações de dendezeiros. As condições de exploração do trabalho na indústria das plantações de dendezeiros na Indonésia são persistentes, e a maioria das principais vítimas é de mulheres. Embora essa situação costume ser ignorada, o processo usado pelo maior produtor mundial de óleo de dendê é muito influenciado por sua existência. As mulheres são responsáveis por 15 dos 16 tipos de trabalho nas plantações de dendezeiros, incluindo a colheita. (1)

As empresas de plantações de dendezeiros contratam trabalhadores permanentes e temporários (informais, terceirizados e diaristas, conhecidos como kernet). O setor de manutenção, que inclui o trabalho de pulverização, fertilização e limpeza, geralmente não é considerado como atividade central, de modo que a maioria dos trabalhadores – mulheres em condições precárias – trabalha de forma não permanente. (2)

As mulheres trabalham no setor de manutenção das plantações por muitos anos sem nunca adquirir a condição de trabalhadoras permanentes. Elas enfrentam maiores riscos à saúde por ter contato direto com as substâncias químicas usadas todos os dias nas plantações. Os seus direitos a licenças menstruação e maternidade, exames de rotina, e banheiros e instalações apropriadas para lactação nunca são respeitados pelas empresas. Geralmente, a relação de trabalho não é documentada adequadamente em um contrato por escrito. As informações sobre salários e jornadas de trabalho são fornecidas verbalmente pelo capataz. As trabalhadoras das plantações de dendê costumam enfrentar injustiça de gênero na forma de marginalização, discriminação, violência e assédio. (3)

Mulheres grávidas: trabalho ininterrupto para os lucros da empresa

No início de 2019, a ONG indonésia Sawit watch descobriu que cinco trabalhadoras grávidas – entre um e três meses – sofreram abortos espontâneos em uma plantação de dendezeiros em Kalimantan Central, causados principalmente pelo excesso de trabalho. “As trabalhadoras grávidas são mantidas em tarefas como capina, adubação, pulverização e coleta de frutos de dendê soltos. São trabalhos pesados. O marido de uma das trabalhadoras grávidas perguntou à direção da empresa se poderiam dar à esposa um período de descanso ou trabalhos mais leves, mas a administração não aprovou”, disse um trabalhador. O sindicato dos trabalhadores da plantação também exigiu que as grávidas não trabalhassem ou que recebessem pequenas tarefas administrativas, mas a empresa respondeu que tudo já havia sido definido no Escritório Central de Kuala Lumpur, na Malásia.

A licença para menstruação também é complicada, embora, de acordo com as leis trabalhistas da Indonésia, todos os setores e empresas devam proporcionar esse direito a suas funcionárias. Mas não há garantia de que as mulheres o recebam. “Um médico da empresa disse a uma funcionária que queria obter a licença: Você está falando sério que quer tirar licença menstruação? Não tem vergonha?”, disse uma trabalhadora.

Mulheres na condição de trabalhadoras informais ou terceirizadas geralmente não têm boa saúde reprodutiva. Elas são empregadas para colher cachos de frutas. A meta depende do terreno a trabalhar, conhecido como Ancak. Se o Ancak estiver em um pântano, a meta é de 1,25 hectare, mas se for em terra, é de 1,5 hectare. As empresas não costumam fornecer equipamentos de proteção específicos para trabalhar em um Ancak de pântano, conhecido como Ancak Rawa. De acordo com um trabalhador informal, em um Ancak Rawa, a água chega à cintura de pessoas adultas, e elas não recebem roupas especiais. “Nós só trabalhamos, de manhã até a noite. Metade do nosso corpo, dos tornozelos até a cintura, fica debaixo d’água no pântano. A empresa não fornece roupas especiais, e se nós pedimos, ele vão nos banir e não seremos mais contratadas”, disse uma funcionária.

A saúde das mulheres a serviço das empresas de dendê

Para as mulheres que trabalham nas plantações de dendezeiros, nunca é fácil acessar serviços de saúde fornecidos pelas empresas, devido à burocracia complicada. Se elas pedem uma licença de saúde, a gerência parece tentar dificultar o processo. Em vários casos, as mulheres às quais a clínica da empresa já recomendou licença de saúde continuam trabalhando devido a decisões administrativas.

A empresa PT TN East Kalimantan, com 12.437 hectares, tem uma clínica que atende a toda a propriedade. Segundo informações dos trabalhadores, o procedimento para usar os serviços de saúde é muito burocrático, e a disponibilidade de medicamentos na clínica também é limitada. “O mesmo remédio é usado para todas as doenças”, disse um deles.

Em outra plantação de dendê em Sumatra do Norte, as trabalhadoras informais não têm atendimento de saúde. Se ficam doentes, a empresa não cuida de sua condição, e elas não têm direito a licença remunerada. Se não vierem trabalhar, não recebem salário. A situação das trabalhadoras permanentes é diferente, já que suas licenças ainda serão pagas no final do mês. “Se não trabalharmos, não receberemos nenhum salário. Se adoecermos, ainda assim vamos trabalhar. Além disso, não podemos ir à clínica da empresa porque somos apenas trabalhadoras informais”, disse uma mulher na plantação de dendezeiros de Sumatra do Norte.

A situação do trabalho informal: razões da empresa para a irresponsabilidade

“Trabalhamos de segunda a quinta com um salário de 106.000 rúpias por dia [cerca de 7,50 dólares]. O máximo que trabalhamos por mês é 16 dias. Limpamos as ervas daninhas, recolhemos frutos de dendê soltos, recolhemos cachos vazios”, disse uma diarista informal em Kalimantan do Norte.

“As trabalhadoras informais às vezes ajudam a fertilizar. Temos que gastar dois sacos de fertilizante por dia (cada saco contém 50 quilos), e isso deve ser gasto no mesmo dia. A hora em que você vai para casa depende de você, mas primeiro tem que terminar os sacos”, como disse uma delas à Sawit watch.

A empresa PT Agro Kati Lama (PT AKL), que faz parte do grupo de agronegócio belga SIPEF, opera plantações de dendezeiros no sul da ilha de  Sumatra. A empresa emprega mais de 1.200 trabalhadoras informais através de seis empresas contratadas (terceirizadas). As mulheres atuam na divisão de manutenção, com um período médio de trabalho de apenas 8 dias por mês. Na maioria das vezes, elas recebem seus salários diretamente dos capatazes, sem comprovantes de pagamento. O valor do salário é escrito apenas em documentos não oficiais, sem carimbo nem nome de quem paga. As mulheres contratadas através de terceiros são obrigadas a assinar uma carta declarando que não irão processar por seguro de saúde, feriados religiosos pagos e custos de recuperação em casos de acidentes de trabalho.

Segundo as mulheres, desde que passaram a trabalhar para a PT AKL, nunca receberam equipamento de trabalho ou proteção, tendo que providenciar algo por conta própria. Elas também nunca foram informadas sobre os impactos que o trabalho com pulverizadores e fertilizantes teria sobre a saúde. Com frequência, perguntam quando a empresa poderia fornecer equipamentos adequados, mas nunca obtiveram resposta. Ultimamente, a PT AKL forneceu algum material incompleto e apenas para alguns dos trabalhadores.

Além disso, a empresa não se responsabiliza por acidentes de trabalho. As duas mulheres que sofreram um acidente em 2017 ainda não receberam nenhuma indenização da PT AKL, que transferiu a responsabilidade à terceirizada.

As leis que regem o emprego dentro das plantações de monoculturas na Indonésia não são claras a ponto de exigir proteção trabalhista, principalmente para mulheres. O governo ainda exerce violência direta contra as mulheres por meio de muitas de suas políticas: expansão das plantações industriais, emprego flexível, e ausência de proteção e descumprimento dos direitos das trabalhadoras no setor de óleo de dendê.

Embora seja verdade que o governo da Indonésia – maior produtor e consumidor mundial de óleo de dendê bruto – tenha adotado uma política para reconhecer e respeitar os direitos trabalhistas, essa política é aplicada somente em acordos escritos. A Wilmar, por exemplo, lançou um Plano de Ação Corretiva e uma política de proteção infantil para garantir o cumprimento dos direitos trabalhistas; a Golden Agri-Resources, por meio de sua subsidiária SINARMAS Tbk, é uma das signatárias do Pacto Global da ONU (UNGC). Em nível de consumidor, Colgate-Palmolive, Kellogg, Nestlé, Unilever e Wilmar afirmam estar se esforçando para melhorar as condições de trabalho em toda a cadeia de fornecimento de óleo de dendê na Indonésia. Porém, os fatos mostram que milhares de trabalhadores da indústria de plantações de dendezeiros, principalmente mulheres, são empregados em condições muito precárias, enfrentando discriminação em um ambiente de trabalho perigoso.

Zidane
Sawit watch, Indonésia, http://sawitwatch.or.id/

(1) Investigação de Sawit watch

(2) Guy Standing, “The Precariat”, 2011. The New Dangerous Class afirma que a condição de Precariado se refere a ausência de emprego permanente garantido, proteção contra a demissão arbitrária, garantia de proteção contra acidentes de trabalho ou doenças causadas pelo trabalho, indisponibilidade de informações de segurança e saúde, falta de oportunidade para desenvolver mais habilidades e conhecimentos através de estágios, treinamento para aprimorar competências, salários mínimos e ausência de seguridade social. O precariado também não tem garantia de direitos de cidadãos, incluindo participar de associações. Alguns tipos de emprego precário envolvem todas as formas de trabalho indesejável, incluindo o mal remunerado, sem benefícios (saúde, aposentadoria, gratificações, etc.), trabalho extra involuntário, em condições perigosas, bem como no setor informal.

(3) Ver artigo do Boletim do WRM de março de 2018, Indonésia: exploração de mulheres e violação de seus direitos nas plantações de dendê, Zidane, Sawit watch.