Este artigo faz parte do boletim especial "Plantações de árvores para o mercado de carbono: mais injustiça para as comunidades e seus territórios"
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No âmbito internacional, lobbies corporativos e grandes ONGs de conservação pressionam os Estados e as negociações internacionais a promover as plantações de árvores como um mecanismo de compensação legítimo para as emissões de carbono.
Iniciativa Africana dos Mercados de Carbono
Um exemplo é a Iniciativa Africana para os Mercados de Carbono (ACMI), lançada em 2022 durante a Cúpula do Clima da ONU. A iniciativa visa acelerar o crescimento dos mercados voluntários de carbono da África, canalizando “bilhões em financiamento climático para a África” e estabelecendo “créditos de carbono como uma das principais commodities de exportação da África”.(1)
Sobre o caminho a ser percorrido, a ACMI aponta as plantações de árvores em terras agrícolas e outros projetos da categoria “silvicultura e uso da terra” como aqueles com maior potencial para gerar créditos de carbono. Ela também identifica 10 países que seriam os mais relevantes para esse tipo de projeto: República Democrática do Congo, Madagascar, República do Congo, Angola, Zâmbia, Nigéria, Camarões, República Centro-Africana, Moçambique e Sudão. A iniciativa também afirma que há um “potencial significativo para aumentar a geração de créditos de carbono com pequenos agricultores”, que atualmente vivem e trabalham em cerca de 80% das terras agrícolas da África.(2)
A ACMI é patrocinada por várias agências doadoras internacionais e organizações filantrópicas e conta com “ONGs de caráter empresarial”, como a Verra e a Conservation International, em seu Comitê Diretor. Cabe destacar que a iniciativa é sustentada por análises conduzidas pela McKinsey, uma empresa de consultoria sediada nos EUA com interesses na expansão dos mercados voluntários de carbono na África.(3) A empresa também influenciou fortemente a Cúpula do Clima da África, na qual compensação de carbono e financiamento também foram apontados como uma direção importante.(4)
Centenas de organizações da sociedade civil africana têm denunciado os mercados de carbono como a nova disputa pela África, expondo os interesses ocidentais colocados em primeiro plano por essas agendas “positivas para o clima” e pedindo a rejeição dos esquemas poluidores.(5)
Plataforma Africana de Impacto Florestal
O setor financeiro e as empresas de investimento são grandes impulsionadores da atual expansão dos empreendimentos de plantação de árvores no Sul Global para compensar as emissões de carbono do Norte Global. Um exemplo são os US$ 200 milhões prometidos pelo Norfund da Noruega, pelo Finnfund da Finlândia e pelo British International Investment do Reino Unido para a Plataforma Africana de Impacto Florestal (African Forestry Impact Platform – AFIP, que na verdade é um fundo privado e não uma plataforma), seguindo um compromisso assumido durante a COP 26 de expandir o setor de “silvicultura sustentável”.(6)
A AFIP foi lançada pela New Forests (que é diferente da New Forests Company mencionada no artigo Quais são os principais tipos de projetos de plantação de árvores no negócio de carbono? deste boletim). A entidade é a segunda maior gestora e investidora florestal do mundo e pertence aos grupos financeiros japoneses Mitsui e Nomura Holdings, intimamente ligados ao setor de combustíveis fósseis.(7) O plano de “soluções baseadas na natureza” da AFIP é desenvolver plantações industriais de árvores voltadas para os mercados de carbono, garantindo assim grandes quantidades de financiamento de instituições financeiras de “desenvolvimento”. Como resultado, a AFIP comprou recentemente a Green Resources, conforme mencionado no artigo Quais são os principais tipos de projetos de plantação de árvores no negócio de carbono? deste boletim.
Iniciativa Um Trilhão de Árvores
Outro exemplo é a ideia Um Trilhão de Árvores, que foi lançada em 2018. Desde então, ela foi endossada pelas elites econômicas e políticas representadas pelo Fórum Econômico Mundial, pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pelas principais ONGs de conservação, como WCS, WWF e BirdLife. A iniciativa ingênua e perigosa do plantio maciço de árvores como solução para o caos climático se encaixa muito bem nos interesses de várias das maiores corporações e doadores bilionários do mundo e os inspirou a participar.(8)
AS EMPRESAS PETROLÍFERAS AGRADECEM
Distração como o Um Trilhão de Árvores são muito eficazes para desviar a atenção da necessidade de reduzir as emissões de combustíveis fósseis. Vale lembrar que, pouco tempo depois do surgimento da ideia Um Trilhão de Árvores, a Eni e a Shell (as duas maiores compradoras de créditos de carbono na África(9)) anunciaram que estabeleceriam suas próprias plantações de árvores para compensar suas emissões. A empresa colombiana Ecopetrol aderiu à campanha Um Trilhão de Árvores, comprometendo-se a plantar 20 milhões de árvores e compensar 2 milhões de toneladas de carbono entre 2020 e 2030.
A proposta gerou críticas significativas na comunidade científica uma vez que foi lançada para tratar da estratégia de plantar árvores como provavelmente a maneira mais eficaz de limitar o aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera, desviando-se da necessidade imperativa de reduzir as emissões de combustíveis fósseis. (10) No entanto, isso é ofuscado pela ampla cobertura da mídia proporcionada pelo apoio financeiro levantado pelos autores (11) da ideia enganosa de que “o florestamento maciço e a indústria madeireira resultante podem criar centenas de milhões de empregos e riqueza no Sul Global”.(12) Com o crescimento dos mercados de carbono, as iniciativas dentro do escopo da ilusão do trilhão de árvores estão cada vez mais associadas à compensação de carbono.(13) Em 2023, mais de um terço das empresas que prometeram plantar árvores no âmbito da campanha 1t.org estavam fazendo isso para compensar as emissões.(14)
Iniciativa 20 x 20
A Iniciativa 20 X 20 está sendo desenvolvida na América Latina e no Caribe. Seu objetivo é proteger e restaurar 20 milhões de hectares. Ela engloba vários projetos de plantação de árvores desenvolvidos para gerar créditos de carbono para o mercado voluntário de carbono. O projeto pede “financiamento para restauração e conservação para gerar emissões líquidas zero de carbono em toda a região”,(15) e conta com o apoio de governos nacionais do Norte Global (doações da Alemanha, Noruega e Luxemburgo), empresas como a Cargill e a Nestlé (por meio da Nespresso), empresas do mercado de carbono como a South Pole e a Ecosecurities, entre outras. Mais uma vez, a ilusão de emissões líquidas zero incentiva um movimento na direção errada, fortalecendo e se beneficiando da ideia enganosa de compensar as emissões de combustíveis fósseis com o plantio de árvores.
Políticas nacionais
Muitos governos e legisladores nacionais têm promovido as plantações de árvores como forma de compensar as emissões de carbono. Os exemplos incluem:
Na Nova Zelândia, o esquema estatal de comércio de emissões recompensa os proprietários de terras que investem em monoculturas de pinus. Essa é uma peça central do roteiro do governo para a redução de emissões. Esse apoio governamental levou a um aumento acentuado dessas monoculturas, o que dissolveu comunidades e causou enormes perdas sociais e culturais.(16)
No Paraguai, o projeto Proeza orienta a política institucional do Estado para o setor florestal e baseia-se na expansão das plantações industriais de eucalipto para atender às Contribuições Nacionalmente Determinadas (CND) do país.(17) Os projetos foram financiados pelo Fundo Verde para o Clima e realizados por meio do Fundo Arbaro, cujas plantações foram expostas por abusos e danos às comunidades nos países sul-americanos e africanos onde opera.(18)
Na Índia, o parlamento aprovou a Lei de Conservação das Florestas em 2023, que reduz as restrições para o estabelecimento de plantações de árvores em determinados tipos de terra. Isso poderia desencadear uma expansão considerável de projetos de florestamento e reflorestamento sob o pretexto de plantar árvores para ajudar o país a atingir sua meta de emissões líquidas zero até 2070. As estimativas indicam que a Índia teria que mudar a forma como quase 60% de suas terras são usadas para atingir essas metas.(19)
Esses são apenas alguns exemplos de iniciativas de governos nacionais que promovem e incentivam as plantações industriais de árvores como forma de atingir suas metas de compensação. À medida que cresce o número de países com iniciativas para regular seus mercados nacionais de carbono, pode-se esperar que o número de políticas nacionais nessa direção continue a aumentar, especialmente no Sul Global.
(1) Africa Carbon Markets Initiative, 2022. Roadmap Report by ACMI, pp. 8 and 25.
(2) Idem, p. 37.
(3) Power Shift Africa, 2023. The Africa Carbon Markets Initiative: a wolf in sheep’s clothing.
(4) REDD-Monitor, 2023. Africa Climate Summit: “It looks like a trade conference on carbon credits”.
(5) Real Africa Climate Summit, 2023. Over 500 civil society organisations issue an urgent call to reset the focus of the Africa Climate Summit.
(6) Reuters, 2022. Norfund, BII, Finnfund invest $200m in African forestry fund.
(7) The Oakland Institute, 2023. Green Colonialism 2.0: tree plantations and carbon offsets in Africa.
(8) REDD-Monitor, 2020. One trillion trees. A naive and dangerous distraction from the need to leave fossil fuels in the ground.
(9) Africa Carbon Markets Initiative, 2024. Carbon Markets in Africa (online), section 2.3 “Who are the key players in the VCM”.
(10) Um dos principais artigos científicos que apoiam a ideia (“The global tree restoration potential”, publicado na Science em 2019) nem sequer menciona as emissões de combustíveis fósseis como um problema. Mais tarde, no mesmo ano, a revista publicou quatro comentários técnicos e três cartas com críticas ao artigo, que podem ser acessadas em Science, volume 366, issue 6463, 2019.
(11) REDD-Monitor, 2019. Remember the headlines: Tree planting is our “most effective climate change solution”?
(12) Trillion Tree Declaration, 2018. A trillion trees to fight the Climate Crisis.
(13) Os exemplos incluem a seção de doação de compensação de carbono da Trillion Trees Australia e o compromisso da City Forest Credits.
(14) Financial Times, 2023. The illusion of a trillion trees.
(15) Initiative 20x20, 2024. Members. https://initiative20x20.org/members
(16) The Guardian, 2023. New Zealand falls out of love with sheep farming as lucrative pine forests spread.
(17) Global Forest Coalition, 2023. “The Devil’s Totality”: Paraguay’s Struggle Against Agribusiness and Monoculture.
(18) WRM, 2022. Fundo Arbaro: uma estratégia para expandir as plantações industriais de árvores no Sul global.
(19) Dooley, K., et al., 2022. The Land Gap Report, p. 25. https://landgap.org/