Libéria: a expansão das plantações e a pilhagem de um continente

“Os liberianos estão mais saudáveis, mais bem alimentados, têm mais renda, consomem mais, são mais alfabetizados e desfrutam de mais liberdade do que nunca” (1), diz que o governo do país. Esse governo também afirmou que mais liberianos estão ficando mais ricos e o fosso entre ricos e pobres no país está diminuindo. Mas, de acordo com o PNUD (2), 84% da população vivem em Pobreza Multidimensional ou enfrentam privações em termos de saúde, educação e padrão geral de vida. Em 2012, a Libéria ficou no 174o lugar entre 186 países listados no Índice de Desenvolvimento Humano. Mais de dois terços de seus habitantes estão entre as pessoas mais pobres no mundo, e a percepção pública generalizada é de que o nível de desigualdade entre ricos e pobres continua aumentando.

As estatísticas do PNUD suscitam a pergunta: por que a Libéria, assim como muitos países africanos, é tão rica em recursos naturais, mas a maior parte do povo é pobre? Os fatores responsáveis por isso são muitos, mas a má governança e a pilhagem dos recursos do país pelas elites e pelos políticos corruptos estão entre os fundamentais. De acordo com a International Land Coalition, “decisões equivocadas com relação à terra também podem ampliar e consolidar a pobreza, a desigualdade e a perda de capacidade de ação" (3).

Usando o exemplo da terra, mudanças na política e na prática poderiam contribuir para reverter a situação em muitas partes da África. Em vez de tomar a terra dos pobres e a entregar às corporações multinacionais, os governos africanos poderiam apoiar as comunidades para que estas dessem usos produtivos e rentáveis a suas terras. Uma forma poderia ser incentivar o investimento na produção de alimentos por meio de tecnologias menos avançadas, mas eficientes.

Por exemplo, a Libéria “depende das importações para obter 60% de seus alimentos, dos quais o mais básico, o arroz, constitui 65%” (4), e “81% da população são muito vulneráveis ou moderadamente vulneráveis à insegurança alimentar” (5). Para tratar dessa situação, dois dos três grandes objetivos da política agrícola do governo são “oferecer permanentemente alimentos seguros e nutritivos de boa qualidade e em quantidade suficiente, para satisfazer as necessidades nutricionais de todos os liberianos” (6) e assegurar “crescimento includente e voltado aos pobres em termos de produção agrícola, produtividade, competitividade, agregação de valor e diversificação, e ligações com o mercado” (7).

Investir na produção de alimentos tem um claro potencial de fortalecer economicamente os cidadãos, reduzir a pobreza e melhorar a soberania alimentar, e ainda estimula o crescimento econômico que leva a um desenvolvimento mais equitativo e inclusivo. Em vez disso, o governo concedeu mais de 50% das terras do país para a plantação de seringueiras e dendezeiros, exploração de madeira e atividades de mineração. A retórica da adoção de uma abordagem favorável aos pobres para estimular o crescimento do setor agrícola parece zombar dos agricultores pobres que estão perdendo suas terras, as quais serão entregues a investidores estrangeiros.

Experiências em toda a África mostram que o atual modelo de concessões não só despoja as pessoas de suas terras e prejudica seus meios de subsistência, mas também cria condições que reforçam a pobreza, a desigualdade e as injustiças. Estas condições intensificam as queixas contra o Estado e seus colaboradores corporativos – condições férteis para a violência e o conflito. Esse modelo dependente de exportações também é vulnerável às flutuações de preços, de tal modo que os preços baixos das commodities muitas vezes deixam os países que dependem de recursos naturais com perigosos déficits orçamentários.

Não é necessário dizer que, ao tomar medidas que não fazem sentido econômico, cobri-las de retórica política e justificá-las como medidas destinadas a criar empregos, reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento, os governos africanos se colocam contra os interesses dos seus cidadãos. Ao deixar de cumprir suas responsabilidades de negociar acordos comerciais que garantem o máximo possível de benefícios para seu povo em termos de desenvolvimento, eles traem a confiança do público. Essas atitudes dão origem e justificação às reivindicações dos cidadãos por uma liderança sensível e responsável.

No dia 21 de setembro de 2013, agricultores, movimentos sociais e ONGs em toda a África vão renovar suas reivindicações aos governos para que implementem programas de desenvolvimento sólidos, destinados a promover um desenvolvimento mais inclusivo e equitativo. Não serão reivindicações novas, mas agora há um sentido de urgência que não existia antes. Infelizmente, enquanto os cidadãos de todo o continente estão exigindo ter voz durante as negociações dos contratos e receber sua justa parte nos benefícios de seus recursos, os governos estão reagindo de forma agressiva.

Em Uganda, uma nova lei impôs amplas restrições às reuniões públicas, uma ferramenta utilizada por ativistas que desafiam a concentração de terras. No Gabão, um vencedor do prêmio ambiental Goldman Environmental Prize tem sido perseguido e intimidado, supostamente por sua postura contra a alocação de terras em grande escala para projetos de plantações. Na Libéria, dois altos funcionários do governo atacaram publicamente o Instituto de Desenvolvimento Sustentável (IDS) e acusaram a organização de ser contra o desenvolvimento, por se contrapor aos abusos de direitos humanos ligados à expansão das plantações de dendê. Quando lhe pediram para justificar sua tentativa de encerrar um encontro de cidadãos sobre o dendê no oeste da Libéria, o Superintendente respondeu que as ONGs não estavam falando de como o desenvolvimento de plantações iria beneficiar o povo.

“Tirar as terras dos agricultores, destruir florestas e aldeias inteiras em seus arredores com plantações de dendê não cabe em nossa visão para o desenvolvimento da Libéria”, diz Nora Bowier, que lidera o trabalho do IDS sobre a expansão das plantações de dendê. Para ela, ao alocar terra da qual dependem as comunidades consuetudinárias sem o consentimento delas nem uma compensação justa, o governo descumpre seu dever de proteger os cidadãos contra os abusos aos direitos humanos. Por outro lado, ao não evitar a violação dos direitos das comunidades, as empresas de plantação de dendê e outras culturas, como a Sime Darby e a Golden Veroleum no caso da Libéria, não podem transferir a culpa ao governo – sua responsabilidade é separada da do Estado.

À medida que muitas dessas plantações no continente se expandem, alertam os ativistas, os conflitos de terra vão se tornando comuns. “É só uma questão de tempo antes que as coisas comecem a desmoronar para o Estado, seus colaboradores nas empresas e as comunidades; ninguém tem muita probabilidade de sair vitorioso nessa situação”, conclui Nora.

NOTA: Uma versão mais curta deste artigo foi apresentada à revista D+C, http://www.dandc.eu/ (Alemanha).

(1) Socioeconomic Achievements of the Government of Liberia, 2006 – 2011, p. 9, Governo da Libéria. Disponível em: http://s3.amazonaws.com/zanran_storage/
www.mopea.gov.lr/ContentPages/2529148229.pdf
(2) Human Development Report, 2013, UNDP: Disponível em: http://www.undp.org/content/dam/undp/library/corporate/HDR/2013GlobalH
DR/English/HDR2013%20Report%20English.pdf
(3) Land Rights and the Rush for Land: Findings of the Global Commercial Pressures on Land Research Project, 2012, p.9, International Land Coalition.
(4) Everyone Must Eat? Liberia, Food Security and Palm Oil, 2013, p.5, Columbia School of International and Public Affairs.
(5) Food and Agriculture Policy and Strategy: from subsistence to sufficiency, sem data, p.1, Governo da Libéria.
(6) Food and Agriculture Policy and Strategy: from subsistence to sufficiency, undated, p.xii, Governo da Libéria.
(7) Food and Agriculture Policy and Strategy: from subsistence to sufficiency, sem data, p.xii, Governo da Libéria. Autor: Silas Kpanan’Ayoung Siakor.

Silas Kpanan’Ayoung Siakor, Sustainable Development Institute (SDI), e-mail: sksiakor2005@gmail.com