Madre Vieja: o rio que chegou ao mar

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O dendê chegou há mais de 30 anos aos municípios costeiros de Tiquisate e Nueva Concepción, cujos limites territoriais são definidos pelo rio Madre Vieja, que nasce na parte alta das montanhas de Quiche e Chimaltenango. De acordo com testemunhos locais, junto com o dendê, outros problemas também chegaram à região. “O dendê começou a desviar o rio para as plantações”, diz seu Juan, um dos líderes de mais idade do movimento. É comum ouvir as pessoas dizerem que, há mais de 15 anos, na estação seca, o rio chegava ao mar. “O rio era um rio de areia, podíamos caminhar de um lado a outro. Nós não tínhamos pesca, o rio não chegava ao mangue”, disse o agricultor Fredy A..

Em 7 de fevereiro de 2016, reuniram-se no Salão Municipal de Nueva Concepción representantes das agroindústrias da banana, engenheiros do açúcar e do dendê, representantes de comunidades, a Igreja Católica, as autoridades – o prefeito e membros da Câmara, assim como organizações ecologistas e de direitos humanos. As comunidades denunciam o roubo de água pelas agroindústrias e exigem a retirada dos desvios para que o rio chegue à sua foz e aos manguezais. A inconformidade é direcionada ao Grupo Hame, produtor de dendê.

Meses atrás, uma de suas empresas – a REPSA – foi acusada do que até hoje é considerado o maior ecocídio na história recente da Guatemala: a poluição do rio La Pasión (1). O descontentamento das comunidades é grande, elas querem água e seu rio de volta. Um acordo encerra a reunião, e em dois dias será verificado o cumprimento do que foi acordado: que o rio chegue ao mar e os desvios sejam eliminados.

Dois dias depois, uma fila muito grande de pessoas se forma em direção às plantações de Pinar del Río, onde está um dos maiores desvios usados pelo grupo Hame, para verificar o cumprimento dos acordos. Muitos duvidam, porque o rio ainda não chegou ao mar. A Guatemala é o único país da América Central que não tem uma lei de águas, e o grupo Hame se aproveita disso, argumentando que tem direito de usufruto sobre um canal por onde passam as águas, herdado da antiga United Fruit Company.

Ao chegar à margem do rio, observam uma máquina que supostamente trabalha para reduzir o molhe, uma borda de areia de cerca de duzentos metros, que desvia a água até o canal de Pinar del Río. Nesse momento, os representantes do Grupo Hame explicam os trabalhos, mas os líderes não acreditam neles. As empresas já fizeram muitas promessas de remover os desvios, e isso parece uma estratégia para entreter comunidades e autoridades. O prefeito toma a decisão e atravessa as águas do Madre Vieja, vai até a máquina com dezenas de pessoas da comunidade, exige do engenheiro que remova o molhe, enquanto o resto observa do outro lado da margem do rio. De repente, a máquina faz um giro, escava e levanta seu braço de metal cheio de areia, e começa a fechar parte do desvio. Pinar del Río está se fechando e se observa claramente que o nível da água do Madre Vieja sobe. Muitos aplaudem com alegria, pois finalmente o rio chegará ao mar (2). Com grande euforia, pedem para verificar outro desvio, o da fazenda La Sierra.

O desvio de La Sierra vai em direção às plantações de cana-de-açúcar e de banana. Aqui não há máquinas, não há ferramentas como pás e picaretas para cobri-lo, apenas mãos. Enquanto representantes dos engenheiros do açúcar explicam a história do desvio e por que ele foi construído, ouve-se um som, e uma mulher joga uma pedra em direção à boca do desvio onde entram as águas que vão para as plantações. Mais pessoas se somam, cai uma pedra, duas, três, centenas delas são jogadas ao rio. O que elas querem fazer parece quase impossível: bloquear a saída com pedras. Após 40 minutos, o que parecia impossível acontece. Mais uma vez, as águas do Madre Vieja são libertadas; é mais uma conquista. O desconforto dos representantes das empresas de cana é evidente, e eles se retiram.

Naquele dia, as comunidades fizeram três liberações. Os meios de comunicação, juntamente com membros de organizações ambientais como Redmanglar, Cogmanglar e Utzche, divulgaram a notícia nas redes sociais. Nos dias seguintes, as capas e as reportagens de vários veículos divulgavam a realização das pessoas: o rio Madre Vieja foi libertado de um longo sequestro.

O avanço do rio é lento, mas vai acontecendo. Em 14 de fevereiro, Alfredo A., membro da comunidade Ilha Chicales, localizada ao lado dos manguezais, onde o Madre Vieja desemboca, não cabe em si de alegria, e anuncia que o rio chegou ao mar, o rio chegou ao mangue.

Entre fevereiro e março, o movimento comunitário fez mais de 18 liberações do rio Madre Vieja. Em fevereiro, uma Comissão Técnica foi convocada para garantir o cumprimento dos acordos. Várias reuniões e monitoramentos foram feitos com técnicos de instituições governamentais, membros da prefeitura, comunidades e membros de organizações ambientais. Para as comunidades, o ponto inegociável era: enquanto o rio chegar ao mar, haverá negociação e diálogo. Depois de várias semanas, as comunidades decidem não continuar participando das mesas, pois dizem que os acordos não foram cumpridos, que não há proposta nem plano claro por parte das agroindústrias.

Em abril, a Assembleia Social e Popular convoca a grande Marcha pela Água, um movimento que reivindica o direito humano à água para as comunidades e a natureza. As marchas saíram de La Mesilla, de Tecún Umán, de Purulhá, e eles as chamaram de “as vertentes”, como as três grandes vertentes de nosso país (3). O povo do Madre Vieja se soma e logo recebe a vertente do Sul, constituída pelas mulheres da comunidade Cajolá, o Comitê de Unidade Camponesa (CUC), a Rede de Soberania Alimentar e muitas outras organizações e comunidades. Formam uma linha com faixas e cobertores, mostrando sua palavra de ordem “rios ao mar, rios ao mangue”. A estação das chuvas começa em maio, e as comunidades sabem que o rio levará água até à foz, mas, para os líderes do Madre Vieja, a luta não acabou. Agora, sua preocupação é com o que acontecerá no próximo ano.

Carlos Salvatierra, salvatierraleal@gmail.com
Membro da SAVIA Guatemala e da COGMANGLAR (Coordenadora Guatemalteca para a Defesa dos Manguezais e da Vida)

(1) Vídeo da Amigos da Terra-Estados Unidos sobre a poluição do rio La Pasión, com base em um artigo de Saul Paau, da “Comissão para a Defesa da Vida e da Natureza de Sayaxté”: -XKXvHrL-GY">
(2) Ver reportagem fotográfica em http://wrm.org.uy/es/otra-informacion-relevante/galeria-fotografica-madre-vieja/
(3) “La marcha por el agua fue tremenda”, de Magalí Rey Sosa https://www.plazapublica.com.gt/content/la-marcha-por-el-agua-fue-tremenda-y-70-diputados-que-votaron-favor-del-desvio-de-rios