Em número cada vez maior, os novos sistemas de segurança das corporações no mundo todo incluem ex-oficiais de inteligência, do exército e veteranos dos esquadrões da morte. Eles dão combate pagos por novos chefes: as indústrias de mineração.
O advento das novas tecnologias, como o mapeamento por satélite assistido por computador e o uso de cianeto para a extração do ouro, transformou as operações, antes marginais, em fábricas potenciais de fazer dinheiro (para as multinacionais). O colapso da União Soviética e a assinatura de tratados de livre comércio no mundo todo abriu as portas de países como a Angola, que antes estavam além dos limites das multinacionais ocidentais. E, finalmente, a disponibilidade de capital e a mitigação do risco foram garantidas por instituições financeiras internacionais, tais como as agências bilaterais e multilaterais, incluídos o Banco Mundial e o Banco de Importação-Exportação dos Estados Unidos. Eles estão ansiosos por fornecer dinheiro e seguros contra risco político para projetos privados de extração de recursos, praticamente, em qualquer parte do mundo.
Há alguns anos, Tim Spicer, ex-integrante dos Serviços Aéreos Especiais britânicos (SAS, em inglês), teve uma reunião com dois altos funcionários do governo em relação à compra de una mina de cobre, propriedade da Rio Tinto, a gigante anglo-australiana de mineração, na ilha de Bougainville, na Papua-Nova Guiné. Menos de um mês depois, ele era conduzido perante um tribunal da Papua-Nova Guiné por ter sido contratado pelo governo, para facilitar um exército mercenário, visando tomar a mina de cobre. Sua missão era vencer um pequeno grupo de pessoas que, na luta pela liberdade, tinham fechado a mina de cobre por quase dez anos. Quando a notícia do contrato de Spicer se tornou pública, cidadãos comuns e oficiais do exército local tentaram fazer justiça pelas próprias mãos. Os distúrbios provocaram o fechamento de lojas, bancos e escolas, bem como o bloqueio das principais estradas, até a chegada de caminhões da polícia que, armados com rifles automáticos, finalmente dispersaram a multidão enfurecida com gases lacrimogêneos e balas de borracha (veja o boletim número 7 do WRM).
Na Colômbia, dois ex-oficiais dos SAS deram maior sorte. Suas caixas-pretas cheias de armas e munições passaram sem problema pelo posto de controle graças a um colega encarregado dele, Bill Nixon, ex-oficial de inteligência britânico, cujo novo trabalho consistia em cuidar da segurança no aeroporto privado, propriedade da British Petroleum (BP). Os três mercenários tinham sido contratados pela BP para ajudar no treinamento da polícia colombiana – famosa pelos abusos contra os direitos humanos -, visando proteger a plataforma petrolífera da Dele-B. A companhia de petróleo interpretou as considerações de segurança de forma ampla. Segundo um relatório encomendado pelo governo colombiano, a BP cooperou com soldados locais envolvidos em casos de seqüestro, tortura e assassinato. O documento, que não foi publicado, alega que a companhia de petróleo reuniu informações – incluindo fotos e vídeos dos protestos dos habitantes locais contra as atividades petrolíferas – e as entregou a militares colombianos que mais tarde prenderam ou seqüestraram os manifestantes como “subversivos”.
A maior parte dos homens que executam operações com mercenários costuma agir em segundo plano, contratando outros homens – sicários locais ou importados – para as operações de campo. Tanto o contrato da Colômbia quanto o contrato da Papua-Nova Guiné foram ajustados em escritórios em Londres, administrados por outros ex-funcionários dos SAS, como Anthony Buckingham, um dos operadores mais obscuros do negócio da segurança, que administra um microconglomerado de empresas de mineração, petroleiras e mercenárias desde seu discreto escritório londrino.
O exército mercenário mais infame contratado pelos novos colonialistas é o Executive Outcomes (EO), que forneceu soldados de aluguel a Buckingham e Spicer na Papua-Nova Guiné. A campanha mais famosa da EO, porém, foi na República de Serra Leoa, em maio de 1996. Os mercenários da EO chegaram a Serra Leoa melhor equipados do que a maioria dos exércitos da África. Eles possuíam helicópteros de ataque russos, um sistema de intercepção de rádio, Boeings 727 para transporte de tropas e provisões, uma aeronave Andover para evacuação de vítimas, e bombas de ar-combustível (fuel air explosives, conhecidas como bombas FAE). Utilizadas com resultados devastadores pelos Estados Unidos na guerra do Golfo, as bombas FAE – cujo poder de destruição está apenas um degrau abaixo das armas nucleares – absorvem o oxigênio depois de serem detonadas, matando todo tipo de vida em uma área de uma milha quadrada. A operação deixou para a EO um vantajoso contrato de segurança, financiado com os lucros derivados das minas de diamantes.
Mas eles não são, de forma alguma, os únicos atores principais. Existem mais duas dúzias, no mínimo, que trabalham para a indústria de mineração, fornecendo serviços de “segurança” para as companhias e os governos da Colômbia, Guiana e Venezuela, na América do Sul; Guiné, Libéria, Nigéria e Serra Leoa, na África ocidental; Angola e Namíbia, no sul da África; o antigo Zaire, na África central; Sudão e Uganda, no leste da África; Papua-Nova Guiné e Indonésia, no Pacífico; e Cazaquistão, na Ásia central. Muitos desses recrutas são veteranos do Batalhão 32 da África do Sul e do Departamento de Cooperação Civil (Civil Cooperation Bureau), que foram as unidades mais destacadas das forças do antigo apartheid até as eleições e a posse do novo governo multirracial, poucos anos atrás.
Enquanto isso, a companhia de mineração Rio Tinto, sediada no Reino Unido, está se esforçando, na Indonésia, por convencer o mundo de seu compromisso com os direitos humanos. Nos últimos dois anos, ela contribuiu com fundos para o Prêmio de Direitos Humanos Yap Thiam Hien. Este ano o prêmio foi ganho pelo defensor dos direitos humanos e poeta Wiji Thukul, que está desaparecido desde 1996. Em dezembro, a família recusou o prêmio, argumentando que a Rio Tinto estava envolvida em várias violações dos direitos humanos em suas operações de mineração na Indonésia e que, em 1992, tinha sido responsável pela prisão de manifestantes que exigiam o pagamento de uma compensação adequada pelo uso de suas terras.
A família conta com o apoio das ONGs indonésias JATAM, WALHI e TATR, que fizeram uma declaração, enumerando algumas das violações dos direitos humanos em que a Rio Tinto esteve envolvida, inclusive as praticadas na mina PT KEM, em Kalimantan do leste, que foram investigadas pela Comissão de Direitos Humanos da Indonésia em 1999 e 2000. As denúncias incluem casos de abuso sexual e o estupro de dezesseis mulheres e meninas de nove a dezenove anos de idade; a prisão de quinze manifestantes, em 1992, e a posterior morte de um deles; o despejo dos mineiros tradicionais realizado pelos militares indonésios e a queima de centenas de casas entre 1982 e 1991. A declaração descreve ainda a participação da Rio Tinto em diferentes casos, através de suas ações na mina de cobre e ouro Freeport Indonésia, na Papua ocidental (a Rio Tinto tem participação de 15% ); na mina Kaltim Prima Coal (em co-propriedade com a BP); na mina de ouro Lihir, na Papua-Nova Guiné; e na mina Panguna, em Bougainville. A declaração exorta os realizadores do programa Prêmio Yap Thiam Hien a não continuarem aceitando financiamento proveniente de violadores dos direitos humanos: “Não devemos dar aos violadores dos direitos humanos a chance de se livrarem da responsabilidade pelas suas ações…”.
Artigo baseado em informação de: “Militarization & Minerals Tour”, Project Underground, http://www.moles.org/ProjectUnderground/mil/intro.shtml ; “Rio Tinto: practise what you preach!”, Down to Earth N° 56, fevereiro de 2003, http://dte.gn.apc.org/56rio.htm