Após quase uma década lutando contra uma empresa que tomou suas terras e fez plantações de dendezeiros, um tribunal decidiu que as terras devem ser devolvidas às comunidades. Agora eles estão tentando saber o que devem fazer com as grandes áreas que foram ocupadas por fileiras e fileiras de dendezeiros.
Moradores de aldeias no distrito de Port Loko, em Serra Leoa, estão comemorando. Após quase uma década lutando contra uma empresa que tomou suas terras e fez plantações de dendezeiros, um tribunal decidiu que as terras devem ser devolvidas às comunidades. Agora eles estão tentando saber o que devem fazer com as grandes áreas que foram ocupadas por fileiras e fileiras de dendezeiros.
Esta saga dos moradores das aldeias de Port Loko começou em 2009, quando um ex-soldado das forças especiais britânicas veio a Serra Leoa para adquirir terras para plantações de óleo de palma de dendê em nome de uma obscura empresa do Reino Unido, sem experiência em agronegócio. Em três anos, Kevin Godlington garantiu contratos que cobriam mais de 200.000 hectares de terra nos distritos de Pujehun, Tonkolili e Port Loko. (1) Pouco tempo depois, a maioria desses contratos foi vendida por milhões de dólares a outras empresas que começaram a trabalhar limpando as terras e erguendo plantações de dendezeiros. Os contratos de terras de Port Loko foram vendidos ao Siva Group – uma empresa com sede em Cingapura que pertence a um empresário bilionário indiano. (2)
Os contratos estabelecidos por Godlington violaram os padrões mais básicos internacionais de consentimento comunitário. Em vários casos, os líderes das comunidades pensavam estar assinando recibos de presentes de Natal quando, na verdade, assinavam documentos entregando suas terras. (3)
A aldeia de Mamanka, na Chefia de Bureh, distrito de Port Loko, é uma das comunidades que perderam suas terras através desse processo. Em 2009, a empresa de Godlington, a Sierra Leone Agriculture Ltd, assinou um contrato de terras que lhe concedia 6.557 hectares da comunidade, deixando a aldeia sem terras para produzir seus próprios alimentos. O contrato fazia parte de outro, maior, envolvendo 41.582 hectares e várias outras aldeias do distrito. Um ano depois, o Grupo Siva comprou 95% da Sierra Leone Agriculture Ltd., com Goldington mantendo uma participação de 5%. (4)
Em agosto de 2018, GRAIN, WRM e Bread for All acompanharam líderes comunitários de áreas afetadas por plantações de dendezeiros na África Ocidental e Central em uma visita à aldeia de Mamanka, como parte de um evento (5) organizado pela Rede Serra Leoa sobre o Direito de Alimentos (SiLNoRF, na sigla em inglês), pela Ação das Mulheres pela Dignidade Humana (WAHD) e por outras organizações.
Trouxemos conosco uma cópia do contrato de terras que tinha sido assinado com a Sierra Leone Agriculture Ltd. (6) Para nossa surpresa, era a primeira vez em que os moradores viam uma cópia do documento. Eles perceberam imediatamente que era uma fraude, e nos disseram que nenhuma das autoridades locais de sua comunidade havia assinado esse acordo e que algumas das assinaturas eram de pessoas que nem são proprietárias de terras na área. Os moradores também disseram que se opuseram ao projeto quando lhes foi apresentado e que receberam ameaças e intimidações graves quando tentaram impedir pacificamente a empresa de desmatar e ocupar suas terras.
Eles também nos contaram que a empresa fez várias promessas, como bons empregos e escolas para as crianças, e que nenhuma delas foi cumprida. Apenas alguns deles foram contratados desde que a empresa começou a operar, e já fazia quase um ano desde que ela pagara os salários dos trabalhadores. Quando visitamos outras aldeias vizinhas afetadas pelo mesmo contrato, ouvimos histórias semelhantes sobre como a empresa descumpriu suas promessas e aumentou a pobreza e a insegurança alimentar na área.
Contudo, as mulheres de Mamanka ficaram muito comovidas com as histórias que ouviram durante as reuniões de líderes comunitários de outras partes da Serra Leoa e de outros países africanos também afetados pelas empresas de plantação de dendezeiros. Elas perceberam que não estavam sozinhas em seu sofrimento e que poderiam agir para recuperar suas terras.
Ao final das reuniões, as mulheres e outros participantes de Mamanka definiram um conjunto claro de reivindicações para a empresa: devolução de suas terras, pagamento de salários e aluguéis devidos, e anulação do contrato de arrendamento de terras. Todas as 36 organizações participantes das reuniões assinaram uma declaração apoiando essas reivindicações.
De acordo com a chefe da aldeia de Mamanka, Yarbom Kapri Dumbuya (ex-Mamusu Dumbuya), a luta deles para recuperar as terras se intensificou após essas reuniões. “Aprendemos muito com experiências contadas por outras mulheres de todo o país e da África”, ela disse a Aminata Finda Massaquoi, da Rádio Culture, durante uma visita à aldeia, em novembro de 2018.
A luta dos moradores acabou chamando a atenção de uma organização que defende os direitos jurídicos, a NAMATI. Representantes da organização visitaram a comunidade e concordaram em dar assessoria jurídica para levar a empresa à justiça. Após várias sessões, o tribunal decidiu em favor da comunidade, ordenando que a Sierra Leone Agriculture Ltd devolvesse todas as terras às aldeias de Port Loko e lhes pagasse 250 mil dólares de aluguel devido. (7)
Em lágrimas, as mulheres da aldeia de Mamanka disseram a Aminata que sentiam muito alívio por poder voltar a pisar em suas terras agrícolas, sem ser assediadas. Elas agradeceram a todos que lhes deram apoio durante sua luta.
No entanto, a comunidade ainda tem muitos desafios a enfrentar. A empresa deixou um poço perigoso e inacabado, e cerca de 1.500 hectares das terras são agora ocupados por plantações industriais de dendezeiros. Os moradores de Mamanka não têm certeza do que devem fazer com relação a essas plantações. Tentar remover os dendezeiros e produzir outras culturas alimentares? Formar uma cooperativa para produzir seu próprio óleo de dendê? Existe alguma maneira de integrar as duas coisas?
Uma empresa que talvez entre em contato com os moradores de Port Loko para tentar convencê-los a assinar um novo contrato é a holandesa Natural Habitats. Ela tem plantações de dendezeiros no país, mas também está desenvolvendo esquemas de contratos de plantio com agricultores para produzir óleo de dendê com certificação de produto orgânico e, por isso, é considerada melhor do que as grandes empresas de plantações. Mas os moradores das aldeias de Port Loko devem ter cautela, pois Kevin Godlington, a mesma pessoa que orquestrou o contrato que roubou suas terras dez anos atrás, é Diretor de Operações da Natural Habitats! (8)
A corajosa vitória dos aldeões de Port Loko em recuperar suas terras é uma inspiração para as comunidades afetadas por plantações de dendezeiros de toda a África e do mundo, algumas das quais também estão lutando contra a tomada de terras pelo Grupo Siva. Agora começa uma nova luta para as comunidades de Port Loko, para garantir que nunca mais percam o controle de suas terras.
Este artigo é baseado, em parte, em um texto de Aminata Finda Massaquoi sobre sua visita à aldeia de Mamanka, em outubro de 2018.
(1) Os vários contratos de terras podem ser vistos aqui
(2) GRAIN, "Feeding the one percent," 7 de outubro de 2014
(3) Caitlin Ryan, "Large-scale land deals in Sierra Leone at the intersection of gender and lineage", Third World Quarterly, Vol. 39, 2018
(4) Entrevista feita por Joan Baxter e fornecida à GRAIN, 2013.
(5) Declaração de Porto Loko: Mulheres dizem “Queremos nossas terras de volta!”
(6) O contrato de terras pode ser visto aqui
(7) Cooper Inveen, "Sierra Leone ruling against palm oil company will empower communities – campaigners", Reuters, 12 de novembro de 2018
(8) https://www.natural-habitats.