Quando a região de Chure foi declarada Área Protegida, os direitos de milhares de Grupos Comunitários que dependem da Floresta foram comprometidos. Esses grupos continuam resistindo, apesar da violência geral e do projeto do Fundo Verde para o Clima, que já foi aprovado e aumentará as tensões sociais e fundiárias existentes.
A região de Chure compreende as montanhas de formação mais recente do Nepal e está localizada entre as terras baixas e planas (Tarai Madesh), ao sul, e as colinas médias (cordilheira de Mahabharat), ao norte. Abrange 12,78% do território nacional (1.896.255 hectares) e se expande por mais de 36 distritos. (1) As florestas cobrem 72,37% dessa região (1.373.743 hectares). Devido às fortes pressões de empresas para extrair minerais e outras matérias-primas para projetos de infraestrutura, a taxa anual de desmatamento é muito alta. (2) Mais de 5 milhões de pessoas vivem na região de Chure, e seus meios de subsistência dependem principalmente da agricultura e das florestas comunitárias.
Chure é uma das principais bacias hidrográficas para a conservação das águas superficiais e subterrâneas da região de terras baixas e planas (Tarai Madesh). O alto valor também se deve a sua biodiversidade, sua vida selvagem e seus habitats, e ao fato de conectar diferentes áreas protegidas no Nepal. Povos indígenas e comunidades locais dependem dessa região para seu sustento e outros propósitos bioculturais. Independentemente disso, as atividades extrativistas das empresas têm explorado excessivamente essas florestas e, como consequência, deslizamentos de terra e inundações vêm aumento continuamente, com enormes impactos para a população que vive a jusante da bacia hidrográfica de Chure e suas terras agrícolas.
A maior parte das áreas florestais de Chure é de florestas comunitárias (cerca de 60%) e se enquadra em um dos 2.837 Grupos Florestais Comunitários, regulamentados pela Lei Florestal de 1993 (agora chamada de Lei Florestal de 2019). As florestas restantes estão predominantemente sob gestão governamental, e grande parte está dentro das Áreas Protegidas dos Parques Nacionais de Parsa, Chitwan, Banke e Bardia, e a Reserva de Vida Selvagem de Shuklaphanta. No entanto, com o pretexto de controlar atividades de extração ilegal na região de Chure, em 2015, o Governo do Nepal declarou toda a região, incluindo as florestas comunitárias, como Área de Proteção Ambiental, o que reduziu os direitos de posse dos Grupos Florestais Comunitários. A autoridade sobre essa área protegida foi atribuída ao Conselho de Desenvolvimento da Conservação de Chure-Terai Madhesh, estabelecido pelo governo do Nepal em nível nacional.
Dessa forma, os Grupos Florestais Comunitários, empresas do setor de silvicultura, autoridades da Área Protegida e o Conselho de Conservação de Chure-Terai Madhesh reivindicam formalmente seus direitos e ter papéis reguladores na região de Chure. Pequenos agricultores e pessoas sem terra também estão reivindicando seus direitos sobre a terra, as florestas e as fontes de água, das quais precisam para se sustentar. Apesar disso, diferentes níveis governamentais (local, provincial e federal) têm emitido licenças para empresas de mineração nas bacias hidrográficas ou rios/córregos da região de Chure e, portanto, o setor empresarial continua extraindo e explorando florestas, bacias hidrográficas e rios/córregos para obter benefícios econômicos. Por haver tantas reivindicações sobre a mesma região, os conflitos entre esses atores cresceram continuamente nos últimos anos, resultando em ainda mais desmatamento e degradação ambiental.
Regeneração Florestal através de Florestas Comunitárias
De acordo com a Avaliação de Recursos Florestais de Chure de 2014, entre 1995 e 2010, mais de 38 mil hectares foram desmatados nessa região devido a invasão por parte de atividades extrativistas, extração ilegal de madeira e incêndios florestais. No entanto, a Avaliação de 2015 mostra que as florestas do Nepal, incluindo as da região de Chure, aumentaram devido a intervenções das comunidades (3).
Com base em observações de campo e em muitos relatórios, está claro que os Grupos Florestais Comunitários têm contribuído muito para a conservação das florestas de Chure. Suas ações incluem: controlar incêndios florestais, manejar pastagens abertas, reduzir a extração ilegal de madeira e o tráfico de fauna e flora, e controlar a erosão do solo através da regeneração natural das florestas. Para esse fim, cada Grupo Florestal Comunitário possui seu próprio plano de manejo de longo prazo, aprovado pelas Agências Florestais Distritais, segundo a legislação nacional para as florestas.
A Lei Florestal de 2019 dá às comunidades o direito de exigir qualquer parte das florestas nacionais como floresta comunitária, considerando os interesses da comunidade, sua capacidade de gestão e sua distância em relação à área solicitada. Na região de Chure, mais de 350 novos Grupos Florestais Comunitários estão exigindo áreas específicas das florestas nacionais remanescentes com base na Lei Florestal de 2019. No entanto, as Agências Florestais Distritais hesitam em entregar essas florestas porque elas estão sendo dadas em concessão a empresas privadas ou estatais para mineração e exploração de madeira – e as concessões rendem royalties para o governo central.
Áreas de proteção centralizada restringem os direitos das comunidades
A falta de manejo florestal eficaz sob supervisão governamental gerou taxas de desmatamento muito altas no Nepal. As atividades empresariais de extração estão aumentando continuamente para fornecer matérias-primas a grandes projetos de infraestrutura (rodovias, ferrovias, aeroportos, hidrelétricas etc.). Após instituir a Área Protegida Ambiental de Chure, o recém-formado Conselho de Conservação de Chure-Terai Madhesh foi encarregado de implementar diferentes atividades de conservação. Infelizmente, o Conselho de Conservação começou a reduzir os direitos de posse sobre florestas dos Grupos Florestais Comunitários, em nome da aplicação das leis de proteção ambiental na região.
Portanto, em 2015, a Federação de Usuários de Florestas Comunitárias (FECOFUN), que representa os Grupos Florestais Comunitários (4), começou a organizar intensos protestos contra a Área Protegida centralizada, mobilizando esses grupos. Como resultado, o governo central emitiu um aviso em 2016 para garantir e respeitar os direitos de posse dos Grupos Florestais Comunitários. No entanto, a FECOFUN continua exigindo a dissolução do Conselho de Conservação de Chure-Terai Madhesh e a anulação da Área Protegida centralizada. Essas intervenções do governo central estão criando muitos obstáculos para que os Grupos Florestais Comunitários exerçam seus direitos legais, que devem ser garantidos, segundo a Lei Florestal de 2019.
O Fundo Verde para o Clima, a FAO e o governo estão promovendo uma solução falsa para as florestas de Chure!
O Governo do Nepal, junto a agências de desenvolvimento do Norte, como USAID (EUA), JICA (Japão), GIZ (Alemanha) e SNV (Holanda), bem como o Global Environmental Facility (GEF) e a FAO, investiu uma enorme quantidade de dinheiro na região de Chure por meio de agências governamentais e do Conselho de Conservação de Chure-Terai Madhesh. No entanto, os resultados desses investimentos são pífios devido a corrupção, falta de transparência e governança fraca do Conselho e das agências governamentais. Diante dessa situação, o conselho do Fundo Verde para o Clima (GCF) aprovou, em 2019, um projeto intitulado “Construindo uma região de Churia resiliente no Nepal (BRCRN)”, cujas Entidades Executoras serão o Ministério de Florestas e Meio Ambiente (MoFE) do Nepal e a FAO. O GCF fornecerá 39,3 milhões de dólares, que inclui diferentes componentes para o chamado “manejo de recursos naturais sustentável e resiliente ao clima”, como práticas de uso da terra resilientes ao clima, proteção e restauração florestais, e capacitação. (5)
Uma questão fundamental que tem sido pouco mencionada é que as empresas dos setores madeireira e extrativista, agências governamentais e o Conselho de Conservação de Chure-Terai Madhesh violam continuamente os direitos humanos na região de Chure. As comunidades estão sendo privadas de acesso às florestas para obter seu sustento, devido à implementação violenta da Área de Proteção Ambiental. Além disso, as empresas extrativistas estão reprimindo e matando ambientalistas (6). Não há mecanismo no projeto GCF que ajude a garantir os direitos humanos nem a enfrentar a questão das violações dos direitos humanos na região.
A Constituição do Nepal, sob a Lei de Proteção Ambiental e a Política para a Mudança Climática (ambas de 2019), garante direitos preferenciais às comunidades locais nas florestas. Para estabelecer um projeto, é necessário que haja compartilhamento claro dos benefícios com as comunidades locais, um programa de adaptação comunitário e destinação de 80% do financiamento climático disponível nos mecanismos internacionais às comunidades locais. Infelizmente, esse projeto minou todas essas disposições legais e políticas nacionais. A Autoridade Nacional Designada para o GCF (o Ministério das Finanças) já indicou que o financiamento oriundo do projeto do GCF será fornecido ao Conselho de Conservação de Chure-Terai Madhesh através de um “Livro Vermelho” controlado pelo governo. O Conselho quer usar o dinheiro do GCF para expulsar pessoas e grupos florestais comunitários. Esses grupos e as famílias sem terra (que não têm títulos de propriedade) querem manter e fortalecer seus direitos de posse sobre terras e florestas, mas não há mecanismo de reparação de queixas para as comunidades locais afetadas.
Existem muitas ações na justiça contra o Conselho de Conservação de Chure-Terai Madhesh relacionados à corrupção; portanto, é muito provável que o órgão também faça uso indevido do dinheiro do GCF. O Conselho vem mobilizando uma grande quantidade de dinheiro para criar obstáculos cada vez maiores à campanha dos Grupos Florestais Comunitários na região de Chure, e é por isso que as comunidades estão exigindo a sua dissolução.
Sob essa situação conflitante, o projeto do GCF, já aprovado, enfrentará muitos outros obstáculos em sua fase de implementação e aumentará as atuais tensões com relação à posse da terra, algo que não foi analisado na proposta do projeto.
Além disso, na região de Chure, mais de 50% das famílias não possuem certificados de propriedade e, portanto, são consideradas famílias sem terra. O projeto do GCF não incluiu nenhum componente ou subcomponente para resolver os problemas das famílias sem terra que dependem da floresta e, portanto, terá um enorme impacto sobre elas, no sentido de que poderão ser desalojadas durante a fase de implementação. O projeto propôs apenas o uso dos Grupos Florestais Comunitários, que é uma de suas estratégias para tirar proveita das estruturas atuais de comunidades florestais em nome de um projeto resiliente ao clima.
A região de Chure é muito afetada pelas indústrias extrativistas com fins lucrativos, que têm recebido proteção política permanente para manter seus próprios benefícios comerciais. O projeto do GCF se cala sobre o enfrentamento destes desafios devastadores gerados pelo setor empresarial enquanto faz questão de responsabilizar com destaque as pessoas que dependem da floresta, como se fossem invasoras.
A realidade é que quem cuida da maior parte da região de Chure são os Grupos Florestais Comunitários. Mesmo assim, o projeto do GCF não os reconhece verdadeiramente pelo que são e representam, já que não foram reconhecidos pela Área Protegida sob gestão pelo Conselho de Conservação de Chure-Terai Madhesh. Portanto, as comunidades florestais não estão satisfeitas com o projeto financiado pelo GCF e farão campanhas permanentes para garantir seus direitos sobre as florestas.
Dil Raj Khanal, dilcommon@gmail.com
Consultor de Políticas da Federação de Usuários de Florestas Comunitárias, Nepal (FECOFUN), Kathmandu, Nepal
(1) Ministry of Forest and Environment, Gazette notification on declaration of Chure Environmental Conservation Area, datada de 30 de junho de 2015 (Seção 64, volume 9, parte 5)
(2) DFRS. 2014. Chure Forests of Nepal. Forest Resource Assessment Nepal Project/Department of Forest Research and Survey (DFRS). Babarmahal, Kathmandu, Nepal.
(3) DFRS, 2015. State of Nepal’s Forests. Forest Resource Assessment (FRA) Nepal, Department of Forest Research and Survey (DFRS). Kathmandu, Nepal.
(4) Federation of Community Forest Users. Nepal (FECOFUN)
(5) GCF B.24 02_Add.04 – Consideration of funding proposals – Addendum IV Funding proposal package for FP118
(6) Nepal human Rights situation update, janeiro de 2020, Environmental rights defender in Nepal killed for protesting illegal mining