O Ano Internacional de Florestas se encerra: o que celebrar?

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A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou o ano de 2011 como o Ano Internacional das Florestas . Uma vez que este ano se encerra, é bom fazer um breve balanço.

O lema deste Ano Internacional é: ´ celebrando florestas para as pessoas ´. Em janeiro escrevemos neste boletim: será que os povos da floresta têm motivo para ´celebrar´? Será que neste ano houve avanços no combate às causas diretas de desmatamento, como a extração de madeira e o avanço do agronegócio? O que dizer das causas chamadas indiretas ou subjacentes, ou seja, aquelas que estão por trás da destruição florestal, como uma economia movida por lucros e especulação financeira e um consumo excessivo que beneficia apenas uma minoria da humanidade?

REDD+

O que dominou novamente a agenda de florestas foi o debate sobre o mecanismo REDD+ (1). As tentativas de avançar com a implantação do REDD+ movimentaram bancos, consultores, empresas, governos e até mesmo muitas ONGs. Bilhões de dólares já foram gastos neste processo, algo que foi denunciado por um grupo de organizações indígenas entre outras (2). São recursos que poderiam ser utilizados para incentivar e multiplicar as experiências positivas de conservação das florestas e respeito aos direitos humanos ao redor do mundo, não ligados ao mecanismo REDD.

Chama a atenção a “cegueira” daqueles que mais insistem em promover o REDD+, como o Banco Mundial e empresas de consultoria. Não parecem enxergar a evidência de violações de direitos humanos, que estão ocorrendo em áreas onde projetos pilotos de REDD+ estão sendo implantados (3). Tampouco enxergam as crescentes análises de que o REDD+ não vai funcionar devido a sérios obstáculos, principalmente enquanto mecanismo de mercado (4). Os problemas detectados culminaram numa proposta, lançada em Durban durante a COP17 por organizações indígenas, de declarar um moratório ao REDD (veja artigo neste boletim).

Enquanto o Brasil busca se apresentar como protetor da maior floresta tropical do mundo, um grupo de parlamentares desse mesmo país, ligados ao agronegócio, buscou modificar, neste ano, o Código Florestal do país. Esse fato abriu caminho para um desmatamento legal de milhões de hectares para beneficiar, sobretudo, o agronegócio, enquanto a recuperação está sendo pensada através de projetos REDD+ e o pagamento por serviços ambientais, temas para os quais legislações específicas estão sendo elaboradas rapidamente. A aposta na “economia verde”, baseada na mercantilização e controle sobre a natureza e o território, tende a provocar um retrocesso nos direitos legalmente garantidos das populações indígenas e tradicionais no Brasil.

O agravamento da poluição global, consequência desse modelo, prorroga e intensifica também a poluição das grandes corporações transnacionais no Norte, o que significa mais impactos para populações indígenas e outras que vivem ao redor dessas indústrias e suas áreas de extração, intensificando o racismo e outras injustiças ambientais e sociais.

No Sul, também significa a médio-longo prazo impactos negativos para todas as florestas tropicais, fazendo do REDD+um processo contra-produtivo, mesmo para aqueles que pensam que a ´floresta em pé´ e um certo controle sobre ela garantirá seu futuro. Faltam propostas estruturais para atacar causas diretas e indiretas do desmatamento. Mas essas propostas continuam sendo consideradas pelos governos e seus interlocutores muito ´radicais´, ou seja, ´não dialogam´. Mas sem essas propostas´radicais´ o clima tende a sofrer um aumento de temperatura de cerca de 4 graus em pouco tempo (5). Isso sim significa uma mudança realmente radical na vida de centenas de milhões de pessoas ao redor do mundo, sobretudo das mulheres, mais vulneráveis às mudanças climáticas.

A definição de florestas

Um outro fator incentivador de desmatamento é, sem dúvida, a definição de florestas da FAO (6), chamando monoculturas de árvores de florestas. O WRM realizou uma mini-campanha intensa sobre o tema neste ano, elaborando ferramentas e entregando uma carta ao FAO em setembro apelando que a organização inicie urgentemente um processo de revisão desta definição, com participação efetiva dos povos da floresta.

Pode ser que a luta contra a definição atual de floresta teve algum eco durante a COP17 na recomendação feita pela SBSTA (7), o órgão assessor da Conferência das Partes, no marco do debate sobre REDD. A SBSTA sugere que cada país possa fazer sua definição de floresta, diferente de uma definição única por parte da UNFCCC. Se por um lado isso abre espaço para lutar, no âmbito de cada país, por definições que excluam monoculturas de árvores e que considerem melhor a realidade florestal local, por outro lado, essa decisão abre também a brecha para definições que promovam ainda mais o avanço das monoculturas. A última opção é a mais provável, devido ao grande poder de lobby das empresas do setor e instituições financeiras que incentivam as plantações de árvores junto aos governos nacionais, cujos representantes costumam ter suas campanhas eleitorais financiados pelas empresas de plantações; e dos quais as empresas consigam obter, como se fosse numa ‘troca', as terras, as vantagens e incentivos. Sem uma definição e referência clara internacionalmente, a porta está aberta para definições que atendam ainda mais aos interesses corporativos.

O desinteresse em abordar as causas subjacentes de desmatamento fica ainda mais evidente se consideramos o avanço nos planos das falsas soluções para a crise do clima, por exemplo, a utilização de agrocombustíveis, em especial a biomassa de madeira, para gerar energia na Europa, e plantações de carbono, numa tentativa de manter o atual sistema insustentável de produção e consumo, lançando mão novamente dos sistemas de certificação como FSC para as monoculturas de eucalipto e pinus, e RSPO para as plantações de palma para produção do azeite de dendê. Ambas não evitam graves violações de direitos humanos, como mostra, por exemplo, o artigo de Indonésia neste boletim. Governos preferem atender a interesses corporativos e banqueiros, do que se preocupar com o bem estar e futuro das pessoas e do meio ambiente, inclusive do clima. Buscam enfrentar a crise econômica nos mesmos moldes como sempre sem se preocupar em impor limites à exploração da natureza ou reduzir emissões de gases de estufa por parte dos grandes poluidores.

A resistência

Teríamos pouco a celebrar, se não tivessem ocorrido profundos questionamentos neste ano sobre a ´lavagem verde´ praticada pelos selos verdes como o FSC nos países do Norte (8) e,sobretudo, se não fosse a resistência dos povos das florestas e de outros biomas que têm lutado em muitos países do Sul contra o desmatamento e resistido em áreas onde os governos incentivaram o plantio de monoculturas de árvores e praticaram outras formas de usurpação de terras.

Fica cada vez mais evidente que é necessário reconhecer os direitos dessas populações, senão perpetuará a violação desses direitos e a criminalização das pessoas, apenas por estar lutando por seus direitos, algo que ocorre em muitos países, desde o Chile, nas áreas de monoculturas de pinus, até na Indonésia em torno das plantações de eucalipto e da palma africana. Respeitar os direitos dos povos que habitam e dependem de florestas e outros biomas é a melhor forma para conservar as florestas para reduzir o impacto das mudanças climáticas e para promover a segurança e soberania alimentar.

Para avançar nesse caminho, acreditamos que uma tarefa fundamental é incentivar e articular os mais diversos processos de resistência, desde a luta pela conservação das florestas até a luta contra o sistema financeiro internacional, criando laços de solidariedade entre os povos do Sul e também com os povos do Norte e aumentando assim a pressão sobre empresas e governantes.

É importante que a voz dos diferentes povos, contrária à privatização e à apropriação das terras e da natureza, e em favor dos seus direitos humanos básicos, ecoa de forma mais forte e articulada nos próximos grandes eventos, como o Rio+20 (veja a chamada do Rio+20 neste boletim). Reforçamos também o importante chamado global da Via Campesina, lançado no mês passado em Mali, África, contrário ao processo de concentração de terras (veja também artigo sobre usurpação de terras neste boletim).

 

1 - Redução de Emissões provenientes do Desmatamento e Degradação florestal
2 - www.wrm.org.uy/subjects/REDD.html
3 - Um exemplo, dentre outros,é o estudo de caso de um projeto de Conservação Internacional e Walt Disney em Congo, realizado pelo WRM neste ano,
http://www.wrm.org.uy/subjects/REDD/DRC_REDD_en.pdf
4 - http://www.fern.org/carbonmarketswillnotdeliver
5 - http://outrapolitica.wordpress.com/2011/11/17/a-un-ano-de-cancun-y-dias-de-durban-mas-de-4o-c/
6 - FAO = Organização das Nações Unidas paraAlimentação e Agricultura
7 - http://www.redd-monitor.org/wordpress/wp-content/uploads/2011/12/l25a01.pdf 
8 - como foi o caso com o FSC na Bélgica a partir do caso da Veracel Celulose no Brasil (veja http://www.duurzaamoppapier.be)