O colonialismo de carbono: o fracasso do projeto de compensação de carbono da Green Resources em Uganda

A Green Resources – uma empresa norueguesa de plantação de árvores, compensação de carbono, produtos de madeira e energia renovável – se apresenta como boa cidadã corporativa. Ela afirma ter plantado mais árvores na África do que qualquer outra empresa privada nos últimos dez anos e investido mais de 125 milhões de dólares nessas plantações, além de tomar uma série de iniciativas de desenvolvimento comunitário. (1) Apesar dessas afirmações, os impactos devastadores causados pela Green Resources vêm sendo denunciados ao longo de vários anos. Em seu relatório de 2014, por exemplo, o Oakland Institute documentou a má conduta da empresa em seus dois projetos de plantação em Uganda: Kachung e Bukaleba. (2) Os danos sociais, culturais e ambientais causados pela Green Resources foram chamados de violência do carbono, pois o sofrimento e a destruição relatados estavam diretamente ligados ao fato de a empresa estabelecer plantações industriais de monoculturas de árvores para entrar nos mercados de carbono. (3) A ideia por trás desses mercados é medir a quantidade potencial de dióxido de carbono que uma determinada área de terra com árvores pode sequestrar e atribuir um valor econômico a esse “serviço”. Esse valor econômico é convertido em créditos de carbono, que são vendidos principalmente a governos e à indústria, para “compensar” sua poluição.

Após a má conduta da Green Resources em sua plantação de Kachung ser denunciada, a Agência Sueca de Energia, o único comprador de créditos de carbono da empresa, (4) interrompeu os pagamentos em novembro de 2015. (5) A agência descreveu dez ações que a empresa deveria implementar para voltar a receber esses pagamentos. Ao explicar sua decisão de se retirar do acordo de compra, a Agência Sueca da Energia chamou a atenção para as preocupações com os direitos humanos. (6) As falhas profundas na conduta da Green Resources custaram à empresa o acesso ao seu mercado de carbono.

Como a Green Resources respondeu à perda de seu único comprador de carbono? Em dezembro de 2017, o Oakland Institute divulgou um relatório de acompanhamento intitulado “Colonialismo do carbono: o fracasso do projeto de compensação da Green Resources em Uganda”. (7) O documento analisa as alegações da empresa contra os moradores de Kachung. Essas conclusões indicam a permanente desconsideração pelas queixas que recebe ou a ausência de ações que respondam aos impactos sociais e ambientais adversos decorrentes diretamente de seu projeto.

Antecedentes

O norte de Uganda tem algumas das comunidades mais vulneráveis do país. (8) Os índices de pobreza são elevados e a expectativa de vida é baixa. A região também enfrenta limitações no acesso a serviços vitais, incluindo educação, água potável, saneamento e saúde. (9) É lá que a Green Resources opera sob os nomes Busoga Forestry Company (BFC) e Lango Forestry Company. A empresa diz ter entre 80 e 105 acionistas privados, incluindo atores importantes, como a Diversified International Finance (20,1%), New Africa/Asprem (9,6%) e Sundt AS (8,7%). (10) A Green Resources também recebeu fundos significativos – aproximadamente 33 milhões de dólares (11) – de instituições públicas de financiamento ao desenvolvimento, incluindo Norfund (Noruega), FMO (Países Baixos) e Finnfund (Finlândia).

A Green Resources obteve uma licença da agência florestal de Uganda, a National Forestry Authority (NFA), para estabelecer uma plantação industrial de árvores na Reserva Florestal Central de Kachung em 1999. As operações de florestamento começaram em 2006 e estão completas, com plantações estabelecidas e manejadas em cerca de 2.050 hectares, majoritariamente de monoculturas (cerca de 90% das árvores plantadas são de Pinus carribea hondurensis e o restante, de várias espécies de eucaliptos). O projeto é certificado pelo Conselho de Manejo Florestal (FSC, na sigla em inglês), reconhecido como um projeto do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), e foi validado pelo Climate Community and Biodiversity Standard (CCBS) em 2011. Os únicos créditos de carbono de Kachung foram adquiridos pela Agência Sueca de Energia, um organismo governamental que responde ao Ministério do Meio Ambiente e Energia. Embora a Agência tenha pago inicialmente 150 mil dólares à Green Resources, o pagamento restante está suspenso e só deve ser retomado em 2018. (12)

Existem 17 povoados diretamente adjacentes à área da licença da Green Resources, dentro da Reserva Florestal Central de Kachung, e afetadas pela empresa. Os seus meios de subsistência dependem da agricultura, da pesca e da pecuária de subsistência em pequena escala. (13) Dada a grande dependência em relação à terra para a produção de alimentos e pastagens de subsistência, a perda de terras devido ao projeto de plantações representa desafios graves para as comunidades locais.

Colonialismo de carbono

O último relatório do Oakland Institute desmascara as falsas soluções para as mudanças climáticas promovidas pelas corporações e instituições ocidentais na África. Uma ampla pesquisa de campo realizada entre novembro de 2016 e agosto de 2017, em Uganda, revela como a Green Resources prejudica a segurança alimentar e os meios de subsistência, excluindo as pessoas de suas próprias terras.

O relatório denuncia que a Green Resources infla as oportunidades de emprego que oferece, além de não assumir as responsabilidades pelas condições de saúde e segurança de seus trabalhadores. Os moradores locais também continuam a lutar para garantir o acesso a lenha e água, desafios que a Green Resources têm feito pouco para resolver. Mais grave ainda, eles continuam tendo dificuldades de acessar a terra para cultivar alimentos e criar animais, aumentando a insegurança alimentar na região.

Dito claramente, o projeto de plantação de monoculturas de árvores e compensação de carbono executado pela Green Resources em sua plantação de Kachung é incompatível com a presença e as necessidades dos moradores locais que dependem dessa mesma terra para sua subsistência. Os resultados do projeto prejudicam diretamente os meios de subsistência locais e ameaçam a própria sobrevivência dos moradores locais.

Os mercados de carbono prejudicam as pessoas e o planeta

Os fracassos do projeto de plantações industriais de árvores e compensação de carbono da Green Resources expõem, mais amplamente, os limites dos mercados de carbono. Enquanto os moradores locais arcam com custos sociais, ambientais e outros, a empresa pode lucrar ainda mais com suas plantações destrutivas, enquadrando-as como “sumidouros de carbono”.

Esse sistema é o colonialismo de carbono (14) em ação, com os recursos naturais de um país africano sendo explorados por interesses estrangeiros disfarçados de desenvolvimento sustentável, e com um alto custo para as pessoas e o meio ambiente.

Tais circunstâncias devem ser motivo de grande preocupação para os acionistas e financiadores da Green Resources, que compartilham a responsabilidade da empresa no apoio a um projeto cujo impacto é tão prejudicial para as populações locais.

Enquanto a Agência Sueca da Energia reavalia se retoma os pagamentos à Green Resources no início de 2018, o último relatório do Oakland Institute é uma acusação irrefutável sobre o fracasso da Green Resources em assumir a responsabilidade pelos impactos das atividades do seu projeto que são nocivos às comunidades locais.

Você pode acessar o último relatório do Oakland Institute aqui:
https://www.oaklandinstitute.org/carbon-colonialism-failure-green-resources-carbon-offset-project-uganda

Kristen Lyons, Kristen.lyons@uq.edu.au
Membro Sênior do Oakland Institute e Professora Associada da Escola de Ciências Sociais da Universidade de Queensland, Austrália.

(1) Lyons, K., Richards, C. e Westoby, P. (2014). The Darker Side of Green: Plantation Forestry and Carbon Violence in Uganda – The Case of Green Resources’ Forestry Based Carbon Markets. The Oakland Institute. https://www.oaklandinstitute.org/darker-side-green (acessado em 23 de maio de 2017)
(2) Idem (1)
(3) Lyons, K. e Westoby, P. (2014) ‘Carbon Markets and the New ‘Carbon Violence’: A Story from Uganda’, International Journal of African Renaissance Studies, Special Edition on Green Grabbing. Vol. 9, No. 2, p. 77-94.
(4) Arunsavath, F. e Shamsher, S. Lessons Learnt From Kachung (2015) SwedWatch. http://www.swedwatch.org/en/2015/11/05/lessons-learned-kachung (acessado em 14 de maio de 2017); Swedish Energy Agency. Kachung – Sustainability in International Climate Projects (2015) Swedish Energy Agency. https://archive.is/zOetZ#selection-39023.1-39023.242 (acessado em 21 de abril de 2017).
(5) “Sweden Freezes Carbon Payments to Green Resources Due to Land Conflicts” (2016) Development Today. http://bit.ly/2BjhGkj (acessado em 25 de agosto de 2017).
(6) “Swedish Agency Monitors Green Resources Plantation in Uganda Pending 2018 Carbon Pay-Out” (2016) Development Today: 12-13. http://bit.ly/2EqzjRf (acessado em 14 de março de 2017).
(7) Lyons, K. e Ssemwogerere, D. (2017) Carbon Colonialism. Failure of Green Resources’ Carbon Offset Project in Uganda, Oakland Institute: California. Disponível em https://www.oaklandinstitute.org/carbon-colonialism-failure-green-resources-carbon-offset-project-uganda
(8) Climate Focus. Kachung Forest Project: Afforestation on Degraded Land. Kachung Forest Project: Afforestation on Degraded Land (2011). https://www.scribd.com/doc/303944478/Due-Diligence-Kachung (acessado em 14 de abril de 2017).
(9) Kyalimpa, D. e William, S. Socioeconomic Impact Assessment of Busoga Forestry Company Operations Dokolo District. Prepared for Busoga Forestry Company Limited. 2016.
(10) Green Resources. 2015/2016 Accounts and Directors Report. http://dev.greenresources.no/Portals/0/pdf/GR-Annual-Report2015-16.pdf (acessado em 21 de agosto de 2017).
(11) Idem (6)
(12) Idem (6)
(13) Idem (9)
(14) Lyons, K. e Westoby, P. (2014) “Carbon Colonialism and the New Land Grab: Plantation Forestry in Uganda and Its Livelihood Impacts.” Journal of Rural Studies 36: 13-21.