O negócio do carbono, as terras e as árvores

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Derramamento de óleo na Amazônia peruana. Foto: Barbara Fraser

Este artigo faz parte do boletim especial "Plantações de árvores para o mercado de carbono: mais injustiça para as comunidades e seus territórios"
Veja aqui o boletim completo

 

O caos climático exige que as empresas parem de extrair e usar petróleo e outros combustíveis fósseis. É claro que isso abalaria as bases de uma economia global construída a partir de energia barata gerada pela queima de carvão mineral, gás e petróleo, além de ameaçar os lucros de algumas das empresas mais ricas do planeta.

Para adiar o inevitável e desencorajar os governos a aprovar leis que exijam que as empresas realmente reduzam suas emissões de acordo com o que é necessário para evitar o caos climático incontrolável, as empresas, juntamente com os EUA e outros governos, criaram o mecanismo de compensação de carbono.

O comércio de compensações de carbono cresceu rapidamente após a assinatura do Acordo de Paris, em 2016, e tem sido alvo de escândalos e críticas generalizadas. Com um faturamento de US$ 2,4 bilhões em 2023, (1) o mercado voluntário de carbono se transformou em uma oportunidade de lucro promissora para as empresas que dele participam. Por um lado, grandes corporações gerando emissões a partir de atividades baseadas em combustíveis fósseis podem continuar e até mesmo expandir seus negócios, alegando que suas emissões estão sendo compensadas. Elas se beneficiam da alegação de que a compra de compensações de carbono as torna “neutras em carbono”, sugerindo que estão fazendo a sua parte para combater as mudanças climáticas.(2)

Entretanto, os poluidores que compram compensações de carbono não são os únicos que estão lucrando com essa nova oportunidade de negócios. Muitos outros “players”, como empresas que se dedicam ao negócio do carbono, comerciantes, auditores, agências de classificação, consultorias de certificação e fundos de investimento, descobriram que é possível ganhar dinheiro rápido com a geração e a comercialização de créditos de carbono.

Quanto mais esse mercado cresce, mais ele desvia e atrasa países industrializados – os maiores responsáveis pelo caos climático – de atacar as causas fundamentais do problema e tomar medidas como deixar os combustíveis fósseis no solo.

Compensando carbono com árvores

A lógica de compensar emissões por meio de projetos que evitam o desmatamento ou o plantio de árvores baseia-se no fato de que árvores absorvem o carbono da atmosfera e o armazenam em suas folhas, troncos e raízes. Dessa forma, qualquer pessoa que plante mais árvores e afirme que elas não teriam sido plantadas sem a renda esperada do mercado de carbono pode ganhar dinheiro vendendo créditos de carbono para empresas que afirmam não ser capazes de reduzir suas próprias emissões. O carbono extra supostamente armazenado pelo plantio de árvores adicionais cancela – ou “compensa” – o carbono fóssil extra. Em um balancete, o resultado do cálculo é zero (líquido). É por isso que muitas empresas poluidoras publicaram promessas de emissão “líquida zero” em vez de promessas de “emissão zero”: a adição do “líquida” permite que elas continuem poluindo desde que comprem créditos de carbono suficientes.
 


Por que corporações estão tão interessadas na compensação de carbono?

O carvão mineral, o petróleo e o gás são formados de biomassa antiga que viveu há milhões de anos. O carbono armazenado nessa biomassa fóssil é liberado na atmosfera quando esses combustíveis fósseis são queimados. Como uma grande quantidade de carbono fóssil foi adicionada à atmosfera, o clima está mudando rapidamente. A solução é parar de colocar o carbono fóssil na atmosfera, fechando a torneira dos combustíveis fósseis. Entretanto, muitas corporações teriam seus lucrosdrasticamente reduzidos se parassem de queimar combustíveis fósseis. Portanto, é muito conveniente para elas alegar que outras iniciativas (como o plantio de árvores) podem remover o carbono da atmosfera, abrindo espaço para suas emissões adicionais de carbono. As empresas argumentam que não causam danos ao clima, mesmo que continuem lançando carbono fóssil para a atmosfera.



A ideia equivocada de compensar as emissões com o plantio ou a conservação de árvores tem muitas contradições. A mais básica delas é o fato de que sua lógica ignora completamente as diferenças fundamentais entre “carbono fóssil” e “carbono biótico”, que também são chamados de ciclos lentos e rápidos de carbono (veja mais sobre as diferenças em Is All Carbon the Same?). Além disso, a certificação de projetos de compensação de carbono – em especial projetos de desmatamento evitado e de plantio de árvores – também é contraditória e intrinsecamente incapaz de fazer o que se propõe a fazer.

Como resultado, os projetos baseados em árvores têm gerado milhões de créditos “fantasmas”, ou seja, créditos não respaldados por nenhum carbono extra armazenado nas árvores. Além da profusão de créditos fantasmas, outros impactos recorrentes desses projetos incluem a apropriação de terras e outras formas de violência contra as comunidades que ocorrem quando esses projetos são implementados (clique aqui para consultar um banco de evidências). Por fim, a ideia de compensação de carbono torna invisíveis todos os outros impactos da extração de carbono fóssil.

Criando e comercializando créditos de carbono

Os créditos de carbono são as unidades comercializáveis que compõem os mercados de carbono. Em teoria, um crédito de carbono representa a redução ou remoção de uma tonelada de dióxido de carbono da atmosfera. Em outras palavras, um crédito de carbono funciona como uma licença para que seu detentor emita uma tonelada de dióxido de carbono, daí o termo “compensação”. Assim, quando uma empresa afirma ser “zero líquido” ou “neutra em carbono”, geralmente é porque comprou tantos créditos de carbono quanto as emissões de carbono que continua produzindo.

Diferentemente de um produto físico ou commodity, um crédito de carbono se assemelha a instrumentos negociados no mercado financeiro, como ações, títulos e outros valores mobiliários. Isso explica por que os créditos de carbono não são comprados apenas por empresas e indivíduos que desejam compensar suas emissões, mas também por especuladores. Atualmente, um crédito de carbono vale algo entre menos de US$ 1 e muitas dezenas de dólares. De todo modo, no momento em que as emissões a serem compensadas ocorrem, a “licença para poluir” concedida pelo crédito de carbono termina e o crédito de carbono é retirado do mercado – ou “aposentado”, para usar o jargão do mercado.

Os créditos de carbono são gerados por projetos que alegam remover dióxido de carbono da atmosfera ou evitar novas emissões de carbono. Para que um esquema desse tipo seja considerado um projeto de compensação e participe dos mercados de carbono, ele deve ser certificado como tal. Normalmente, há três mecanismos diferentes sob os quais esses projetos podem ser desenvolvidos para gerar e vender créditos de carbono:

    • Mecanismos estabelecidos por tratados internacionais (como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo das Nações Unidas – MDL – e o Acordo de Paris);
    • Mecanismos desenvolvidos por governos regionais, nacionais ou subnacionais;
    • Mecanismos privados, oferecidos por entidades como a Verra, que criam e gerenciam padrões independentes (e altamente não regulamentados) para a certificação de projetos de crédito de carbono. Nos últimos cinco anos, esse mecanismo foi responsável pela maior parte do volume de créditos de carbono emitidos.(3)

Uma vez gerados, os créditos de carbono são negociados em dois tipos de mercados:

    • Os chamados mercados “voluntários”, nos quais as empresas compram créditos com o objetivo de cumprir compromissos de mitigação autoestabelecidos, evitar regulamentações, obter financiamento para a expansão de sua produção intensiva de combustível fóssil e permitir que anunciem seus produtos e serviços como “neutros em carbono”. Os créditos de carbono negociados em mercados voluntários são derivados principalmente de mecanismos privados de certificação carbono.
    • Mercados regulados criados por políticas públicas internacionais, nacionais ou regionais que exigem que as empresas reduzam ou compensem suas emissões. Um exemplo disso é o Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE). Há também uma forte pressão para incluir a compensação de carbono no Acordo de Paris da ONU. Quando as pessoas falam sobre o “Artigo 6” do Acordo de Paris, elas estão se referindo às polêmicas negociações sobre até que ponto os países podem usar compensações de carbono para atingir suas metas de redução de emissões no Acordo de Paris da ONU.

Por que a maioria dos créditos de carbono é emitida por projetos baseados no uso da terra?

Uma ampla gama de atividades pode ser usada para gerar créditos de carbono. Os exemplos incluem projetos de energia eólica e solar, gerenciamento de resíduos, distribuição de fogões “eficientes” para comunidades, captura de carbono industrial e tecnologias industriais aprimoradas, para mencionar apenas alguns. No entanto, os projetos que lideram a geração e a venda de créditos de carbono são enquadrados como “Silvicultura e Uso da Terra”, no jargão do mercado de carbono.

Quantidade de créditos de carbono emitidos por escopo

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Na atual corrida pelo carbono, liderada por empresas que querem ser vistas como “neutras em carbono”, projetos de conservação de florestas e de plantação de árvores têm características que os tornam muito atraentes para investidores. Em comparação com outras categorias, eles geralmente requerem investimentos menores em relação ao número de créditos que podem gerar. Além disso, é mais fácil manipular o cálculo do volume de créditos de carbono que esses projetos baseados no uso da terra podem gerar. Ao fazer isso, desenvolvedores de projetos podem exagerar a economia de carbono e, assim, aumentar os volumes de créditos que podem vender. (Para saber mais sobre essa questão metodológica, consulte o artigo Quais são os principais tipos de projetos de plantação de árvores no negócio de carbono?, deste boletim ).

Não por acaso, projetos de conservação de florestas que vendem créditos de carbono têm atraído a atenção de dezenas de investigadores e pesquisadores nos últimos anos. Esses projetos afirmam reduzir emissões de carbono ao evitar desmatamento. Entretanto, estudos e artigos vêm revelando fraudes e superestimação crônica da redução do desmatamento – ou seja, na meta declarada desses projetos,sobre a qual se baseia o cálculo de seus créditos de carbono.(4) Como consequência direta dessas investigações, a demanda por créditos “baseados na natureza” (5) caiu drasticamente. A categoria de projetos de desmatamento evitado, que detinha a maior participação no mercado voluntário de carbono em 2022, tornou-se a menos significativa em 2023, de acordo com o serviço de relatórios de preços Quantum Commodities Intelligence (QCI).(6)

Dado que a Verra, o principal órgão de normatização para esses projetos de compensação baseados na conservação de florestas, foi forçado a colocar muitos projetos “em espera”, houve também uma diminuição no lado da oferta, com a emissão de créditos de projetos de desmatamento evitado diminuindo abruptamente em mais de 40% no mesmo período. Em resposta, empresas do mercado de carbono lançaram uma série de iniciativas de “integridade”. A promessa dessas iniciativas é fornecer créditos de “alta qualidade” e, assim, restaurar os danos à reputação causados pelos muitos casos de créditos fantasmas. As falhas inerentes da compensação de carbono, entretanto, permanecem intocadas por essas iniciativas.

Esses projetos de conservação que alegam evitar o desmatamento têm estado em evidência porque ficou claro que muitos se baseiam em histórias implausíveis sobre a ameaça de desmatamento, exagerando a redução de emissões resultante das atividades do projeto. Com a rápida aceleração da crise climática, as discussões internacionais sobre o clima começaram a se concentrar mais em projetos que pudessem remover o carbono “excessivo” da atmosfera, em vez de apenas reduzir a liberação de mais dióxido de carbono na atmosfera. Portanto, as “remoções de carbono” (em vez da redução das emissões de dióxido de carbono reivindicada pelos projetos de conservação ou desmatamento evitado) estão rapidamente se tornando o tipo preferido de crédito de carbono.

Uma categoria de projeto que lucra com esse novo interesse em atividades que removem carbono da atmosfera é o “florestamento e reflorestamento”, na qual estão incluídas monoculturas de árvores. Tanto o número quanto o tamanho desses projetos de plantação de árvores cresceram significativamente nos últimos anos, atraindo novos tipos de investidores e revelando novas estratégias usadas para tirar proveito do lucrativo comércio de compensações de carbono.


    (1) Global Market Insights, 2023.
    (2) Considerando que essa prática de greenwashing corporativo se tornou muito difundida e tendo em vista os escândalos que vieram à tona, a UE está proibindo produtos anunciados como “ecologicamente corretos”, “neutros em relação ao clima”, “ecológicos” e outros rótulos sem comprovação, além de introduzir uma proibição total do uso de esquemas de compensação de carbono para comprovar as alegações. The Guardian, 2024. Veja aqui.
    (3) The World Bank, 2022. State and Trends of Carbon Pricing 2022, p. 34.
    (4) Os exemplos incluem as reportagens do The Guardian, 2023; Follow the Money, 2023; e Rainforest Foundation UK, 2023, pp. 34 and 38.
    (5) No jargão do mercado de carbono, os créditos “baseados na natureza” são aqueles gerados por projetos de desmatamento evitado, florestamento, reflorestamento, agricultura regenerativa, melhor gestão florestal etc.
    (6) Quantum Commodity Intelligence, 2024.