O regime do setor de mineração de Gana: mau negócio para as comunidades locais afetadas

Apresentamos Nicholas Ennin, agricultor de 42 anos, de Etwebo, na região oeste de Gana. Em 2003 ou em torno daquele ano, as terras onde Lee e mais de mil agricultores plantavam foram tomadas pela Chirano Gold Mines Limited (então de propriedade da empresa canadense Red Back Mining Inc., mas agora, da Kinross Gold Corp., também canadense), que exercia seu direito depois de obter um contrato de arrendamento para mineração do governo de Gana. Infelizmente, para Nicholas e muitas pessoas como ele em todo o continente, o Estado insiste em que sua tutela ou guarda sobre os recursos minerais, e a exploração que faz deles, está acima de tudo. Isso se dá, em grande parte, porque os recursos minerais “pertencem” ao povo (ou ao país em geral) e não se deve permitir que o interesse econômico de uma pessoa ou de uma minoria impeça esse uso, tirando o direito das comunidades determinarem para quê suas terras devem ser usadas. Além disso, as instituições estabelecidas para garantir que as preocupações das comunidades, em caso de reassentamento involuntário, sejam tratadas de forma adequada são fracas e têm poucos recursos. Considerando-se a prioridade dada ao capital estrangeiro em detrimento dos empreendedores locais, como Nicholas, o apoio do Estado às agências que atraem investidores estrangeiros simplesmente reduz aquelas criadas para promover as atividades locais.

Já faz mais de uma década e a empresa ainda não deu a Nicholas sequer um centavo por sua terra e seus meios de subsistência que foram destruídos. Esta é uma violação direta da Constituição de Gana, bem como da Lei de Minérios e Minas, sendo que ambas exigem que qualquer pessoa cujos direitos de superfície forem prejudicados por atividades de mineração receba “imediato pagamento de indenização justa e adequada”. No entanto, Nicholas Ennin e outros 24 agricultores afetados pelas atividades da Chirano Gold Mines ainda esperam pelos benefícios de seu direito constitucional a esse pagamento imediato.

A realidade em Gana é que o atual regime de mineração oferece um mau negócio às comunidades locais afetadas por essas atividades. Uma vez que o arrendamento é concedido (juntamente com licenças e autorizações associadas), a empresa alega que o seu direito aos recursos minerais sob a terra está acima dos direitos de superfície de agricultores que ganham a vida nas terras em que os recursos minerais estão localizados. Consequentemente, as empresas de mineração muitas vezes conseguem acessar as terras enquanto as negociações para a compensação ainda estão em andamento. Nos casos em que as negociações são rápidas, os agricultores afetados conseguem receber sua indenização antes de iniciar a mineração. Mas, em muitos casos, as atividades começam antes de as negociações e os pagamentos de indenização serem concluídos. E quando as negociações se arrastam, muitas vezes envolvendo litígios, as comunidades afetadas realmente sofrem. O caso da Chirano Gold Mines, durante a última década, fortalece esse argumento.

Quando a empresa assumiu o controle das terras de mais de 1000 agricultores em 2003 ou próximo àquele ano, eles exigiram o pagamento de uma indemnização de 5 cedis (moeda da Gana) por pé de cacau maduro, mas a empresa rejeitou, e pagou 2,5 cedis por pé, entre 2004 e 2006, a mais de 1000 agricultores, depois de lhes informar que o valor da indenização aprovado pelo governo de Gana era de 2,3 cedis. Descobriu-se que isso não era verdade, já que o valor aprovado pelo Governo em 2003 havia sido de 5,22 cedis, mais do que o dobro do que foi pago. Vinte e quatro dos agricultores afetados rejeitaram o valor e recusaram a indenização da empresa. Esses agricultores ainda não receberam a sua indenização, já que o caso continua na justiça. Juntamente com aqueles que receberam a indenização, eles processaram a empresa já em 2006, quando descobriram que ela usava um valor que era menos de metade do aprovado como mínimo pelo governo. Em 2009, o então ministro responsável pelas Minas, Alhaj Collins Dauda, ​​interveio e tirou o assunto da justiça para fazer um acordo, que se arrastou por alguns anos, em meio a mudanças ministeriais. Em 2013, os agricultores levaram o assunto de volta à justiça. No início de 2015, os que inicialmente haviam aceitado a indenização receberam a diferença com algum juro. O resto ainda espera.

Isso representa um aspecto dos problemas e desafios por que passam as comunidades afetadas por atividades de mineração. Outro aspecto importante é a dificuldade de encontrar outras atividades econômicas confiáveis ​​para exercer, uma vez que a agricultura deixe de abrir caminho para atividades de mineração. Com a mineração atual usando muito capital, as oportunidades de emprego para a população local que perde suas terras são limitadas. Além disso, o início das atividades de mineração faz com que a população aumente, à medida que as pessoas chegam para realizar trabalhos que não podem ser acessados ​​pelos moradores locais, em grande parte porque não possuem as habilidades e os conhecimentos necessários. Isso colocou muita pressão sobre a infraestrutura e os serviços sociais existentes. Uma visita a cidades mineiras em todo o país revela a baixa qualidade da infraestrutura e dos serviços sociais, principalmente para os moradores, já que os trabalhadores da mineração desfrutam de infraestrutura e serviços relativamente melhores. De certa forma, cria-se uma ilha de riqueza em um oceano de miséria e pobreza. Isso é agravado pelos problemas sociais, como assaltos à mão armada e prostituição, que surgem em cidades mineiras. As mesmas agências governamentais e estatais que deixam de proteger os direitos dos agricultores em relação às minas também deixam de garantir, em grande parte, que haja infraestrutura e equipamentos sociais adequados nas comunidades afetadas por atividades de mineração. A introdução de diretrizes de “responsabilidade social corporativa” melhorou ligeiramente a vida das comunidades afetadas pela mineração. É isso que as comunidades mineiras obtiveram com o regime de mineração em vigor em Gana.

Ao longo das últimas três décadas, o setor de mineração em Gana se recuperou, principalmente com base na produção de ouro, graças à introdução de um novo regime fortemente influenciado pelo Banco Mundial e pelo FMI, em meados da década de 1980. A produção de ouro responde por mais de 90% do valor total da produção mineral, bem como das receitas do governo oriundas dessa produção. Antes da introdução desse regime, a produção de ouro era de cerca de um quarto de milhão de onças. Nos últimos anos, a produção aumentou significativamente e tem ficando em torno de três a quatro milhões de onças. Além das receitas para o governo, o setor contribui significativamente para a obtenção de divisas, tendo sido responsável por 45% do total das receitas de exportação em 2009. No mesmo ano, quase 20% das receitas do governo foram obtidas a partir do setor de minérios.

O regime, que prevê incentivos enormes para as empresas de mineração (onde predominam o capital e o controle estrangeiros), concentra-se em retornos fiscais pequenos para o governo (uma porção diminuta dos quais é entregue às comunidades locais afetadas de várias maneiras por atividades de mineração, explicando a já mencionada situação de miséria das pessoas que prevalece em áreas de mineração). Portanto, há pouco interesse em acompanhar as reais necessidades das populações locais e, ao mesmo tempo, contribuir para um crescimento e um desenvolvimento para todas e todos.

No regime, os recursos minerais são de responsabilidade do Presidente, representando os ganeses (que são donos dos recursos). Ele emite ou concede licenças sobre os minérios e as arrenda a empresas de mineração, para que realizem atividades de exploração e extração, em grande parte, em benefício próprio. Em vez de os recursos minerais serem de propriedade dos ganeses e das atividades exploratórias serem realizadas por empresas locais, a lei permite que o governo tenha participação acionária de 10% em todas os empreendimentos de mineração. Isto não é aplicado rigorosamente, já que, assim como outras gigantes mineradoras, a Newmont Ghana Gold Limited, responsável por cerca de 20% da produção nacional de ouro, é 100% de propriedade da Newmont Gold Corporation, cuja sede está em Denver. Consequentemente, os benefícios que Gana obtém com seus recursos minerais insubstituíveis (de propriedade do povo) se limitam, em muito, a contribuições monetárias relativamente pequenas feitas pelas empresas de mineração ao governo (principalmente impostos e royalties).

A adoção da Diretiva sobre Mineração da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), em 2009, trouxe algum alívio aos ganeses, principalmente às comunidades afetadas pela mineração. Houve esperanças de que o regime fosse revisto para resolver os muitos desafios do setor. Por exemplo, a Diretiva da CEDEAO prevê o direito de consentimento livre, prévio e informado antes da exploração começar e antes de cada fase subsequente das operações de mineração e pós-mineração. Se forem ratificados pelo Parlamento de Gana para transformá-los em lei, os princípios da Diretiva darão às comunidades o direito de dizer não a futuras atividades de mineração. No entanto, depois de seis anos, não está claro se a ratificação das Diretivas da CEDEAO está sendo considerada. Várias partes interessadas no setor de mineração estão sendo instadas a exercer pressão sobre o governo para ratificá-la e para dar mais proteção às comunidades e aos seus direitos.

Alhassan Atta-Quayson, University of Education, Winneba, Gana,
aattaquayson@yahoo.com