Os direitos comunitários devem ser o centro do controle dos recursos na África

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A África está se tornando rapidamente a Terra Prometida para as potências emergentes- como nos casos do Brasil, China e Índia- que tentam superar competitivamente as antigas potências coloniais na luta pelas riquezas desse continente. Ao mesmo tempo, outros países comparativamente menos poderosos- tais como a Arábia Saudita, Qatar, Kuwait, Coréia do Sul, Finlândia e outros- estão se apropriando de tudo o que puderem- terras agrícolas, florestas, mercados de carbono, mão-de-obra barata- nos espaços que os primeiros deixaram desocupados.

À medida que a paz se espalha sobre o continente que foi até recentemente destroçado pela guerra, governos nacionais e estrangeiros- do Norte e do Sul- abrem oportunidades para que as corporações internacionais tenham acesso aos recursos naturais da África. As palavras chave usadas para esconderem suas verdadeiras intenções- lucro e pilhagem- são mitigação da pobreza, geração de empregos, assistência sanitária, educação, desenvolvimento.

Nesse contexto, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável da Libéria (SDI pela sua sigla em inglês) foi anfitrião da oportuna “Conferência Internacional sobre Direitos Comunitários e Recursos Naturais”, realizada em Monróvia de 27 a 29 de abril e organizada conjuntamente com a Rede de Direitos Comunitários da África e o Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais.

O encontro reuniu 35 representantes comunitários de 9 municípios liberianos, delegados de ONGs de 10 países africanos (Camarões, República da África Central, Congo Brazzaville, Gabão, Gana, Quênia, Libéria, Nigérica, Tanzânia e Togo), bem como participantes do Brasil, Costa Rica, Equador, Países Baixos, Reino Unido e Uruguai.

As questões principais abordadas no encontro referiam à extração dos recursos naturais e os direitos comunitários, focalizando particularmente o setor florestal e abrangendo a extração industrial de madeira, as plantações de árvores em grande escala e os mercados de carbono relacionados com a floresta (REDD).

No caso da Libéria, a organização anfitriã (SDI) tinha recentemente alertado que “há evidência convincente de que as atividades de exploração madeireira em grande escala, contrariamente às expectativas generalizadas, não mitigam a pobreza nem geram empregos seguros e decentes para as comunidades florestais. De fato, constatou-se que essas atividades exacerbaram a pobreza nas comunidades florestais, e em outras instâncias tiveram um papel protagônico no financiamento de atores públicos e privados envolvidos em violentos conflitos.” (1)

A despeito da evidência, o governo liberiano está disponibilizando um terço das florestas do país -mais de 1 milhão de hectares- para a extração industrial de madeira, provocando sérias preocupações entre as comunidades florestais que serão afetadas por tais atividades.

A situação foi discutida no encontro de Monróvia e após um frutífero intercâmbio de experiências, os representantes comunitários da Libéria elaboraram uma declaração (2) explicando que embora “a nova lei florestal da Libéria possibilite a consulta às comunidades locais e sua participação livre e informada nos processos de tomadas de decisões sobre seus recursos florestais... os processos que levam à assinatura de acordos sociais entre as comunidades e os beneficiários das concessões não levam em consideração a participação informada das comunidades afetadas...” A declaração acrescenta que “as comunidades locais têm sido ignoradas reiteradamente quanto às decisões relacionadas com o uso de seus recursos florestais”, e que “os beneficiários do contrato e quem controla os recursos florestais sistematicamente não respeitaram os direitos comunitários e não garantiram o cumprimento de benefícios para as comunidades...”

Como resultado, uma das principais demandas foi “que todos os acordos sociais assinados entre as comunidades afetadas e os beneficiários das concessões sejam renegociados”.

Por sua vez, os membros da Rede de Direitos Comunitários da África (ACRN) também emitiram uma declaração (3) exigindo uma série de ações urgentes nos países da região, entre elas as seguintes:

- Que os direitos comunitários (DC) sejam o centro do manejo e controle dos recursos naturais
- Que o governo garanta a elaboração de leis de DC e se tal lei já existe que seja implementada integralmente e que estejam acessíveis para o conhecimento das comunidades.
- Que os governos garantam o acesso às informações sobre o manejo dos recursos naturais para as partes interessadas, em particular para as comunidades afetadas.
- Que o envolvimento da comunidade esteja baseado no consentimento prévio, livre e informado.
- Que os governos garantam que as mulheres tenham iguais direitos e acesso bem como participação equitativa no manejo dos recursos naturais.
- Que o governo garanta que serão pagos preços justos pela exploração dos recursos naturais na África.

O encontro também abordou a questão das plantações em grande escala -seringueira, dendezeiro, eucalipto- bem como do mercado de carbono em geral e do mecanismo REDD em particular, em relação aos potenciais impactos sobre as comunidades locais da África e sobre seus direitos. A esse respeito, a declaração da comunidade exigiu “que haja mais consultas à comunidade e que sejam diretas ao tratarem de questões emergentes tais como o Acordo de Parceria Voluntária, REDD, mercado de carbono e plantações em grande escala”.

Por sua vez, a declaração da ACRN “apontou o aumento na quantidade de terras que estão sendo alvo para a plantação em grande escala de monocultura na África nos últimos anos” e expressou que “tendo percebido os impactos negativos das plantações em grande escala pedimos vigilância a fim de proteger os meios de vida e o ambiente.” Ao mesmo tempo, eles “apontaram que o comércio de carbono providenciará uma desculpa perfeita para os países industrializados do Norte para escaparem da responsabilidade de reduzir drasticamente suas emissões de carbono” e portanto rejeitaram “o comércio de carbono como um meio de financiamento do manejo florestal sustentável.”

Tanto a declaração da comunidade quanto a da ACRN mostram as diferenças abismais entre os enfoques comunitário e corporativo no tocante à extração dos recursos naturais. Enquanto o primeiro está focalizado nos direitos comunitários, o último pensa em termos de acesso e de apropriação dos recursos de outros povos para gerar lucros. Enquanto o primeiro pode garantir benefícios no longo prazo para as comunidades florestais, o último resulta em aumento da pobreza e destruição dos recursos. Enquanto o primeiro pode conservar as florestas, o último resulta em sua degradação e em sua substituição por plantações de monoculturas de árvores.

Neste contexto, a mensagem proveniente da Rede de Direitos das Comunidades da África é alta e clara: “Os Direitos Comunitários devem ser o centro do manejo e controle dos recursos naturais.”

(1) Liberia – The Promise Betrayed, janeiro de 2010
http://www.wrm.org.uy/countries/Liberia/Promise_Betrayed.pdf
(2) http://www.wrm.org.uy/countries/Liberia/Position_statement.html
(3) http://www.wrm.org.uy/countries/Liberia/Africa_Community_Rights.htm