Panamá: outras visões sobre “fazer conservação”

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Comarca Ngäbe-Buglé, Panama. Foto: Flickr/misc.mar

Os indígenas ngäbe-buglés tiveram que suportar criminalização, massacre e repressão brutal para enfrentar o ataque a seus territórios. Eles conseguiram que o governo do Panamá proibisse a mineração em sua região, bem como as usinas hidrelétricas. Mas outro ataque forte veio de ONGs conservacionistas.

Muitos governos, ONGs e até empresas estão planejando aumentar o número de Áreas Protegidas em todo o mundo, com o objetivo de reduzir a perda de biodiversidade e o desmatamento. Mas a experiência nos diz que o modelo de Conservação predominante, que continua sendo adotado, não leva em consideração os Povos Indígenas ou outras comunidades que dependem das florestas como agentes fundamentais na preservação e na proteção das florestas. Pelo contrário, as Áreas Protegidas proíbem a presença humana.

Apesar das dificuldades que enfrentam como resultado da pandemia de covid19, transcrevemos a seguir parte de uma conversa que tivemos com Rogelio Montezuma, chefe do Comitê de Defesa da Comarca de Ngäbe-Buglé. Em 2010, os indígenas ngäbe-buglés resistiram com força à entrega de seu território a mineradoras e usinas hidrelétricas. Eles tiveram que suportar criminalização, massacres e repressão brutal por parte da polícia, mas foi uma luta consciente pela vida de sua comunidade.

Como resultado dessa forte resistência, em 2010, o governo panamenho revogou a lei que reformaria o código de mineração e legislou para proibir a exploração e a mineração, bem como as usinas, na comarca de Ngäbe-Buglé. O projeto da usina hidrelétrica de Barro Blanco não pôde ser cancelada porque estava fora dos limites da comarca, embora afete as comunidades ngäbes que vivem às margens do rio onde a represa foi construída.

O Cerro Colorado, que seria aberto à indústria de mineração, é considerado lugar de importância biológica na Mesoamérica, e é o pulmão da comarca.

Foi durante o processo de construção do projeto Barro Blanco que o governo do Panamá, juntamente com organizações internacionais de conservação, avançou na implementação de programas de gestão de Áreas Protegidas (APs) em comunidades indígenas que estão dentro do chamado Corredor Biológico Mesoamericano do Atlântico Panamenho (CBMAP). Nesse corredor, são contempladas 14 Áreas Protegidas prioritárias. A Comarca de Ngäbe-Buglé faz parte de uma das três macrorregiões de grande biodiversidade.

WRM: Com base em sua experiência, o que significa “fazer conservação” para vocês?

Rogelio: Os povos, por natureza, sempre conservaram as florestas e sua relação com o meio ambiente, criando a convivência harmônica na existência de todos os seres vivos.

WRM: O que você considera essencial para que as florestas possam ser preservadas pelos povos indígenas?

Rogelio: A fim de preservar as florestas, é preciso ter consciência da importância disso, do uso e do benefício que uma fonte de água nos proporciona, da produção de alimentos para a sobrevivência – sem que isso represente uma ameaça e destrua o meio ambiente.

WRM: Na sua experiência, quais foram os impactos gerados com a criação da Área Protegida?

Rogelio: Existe uma área protegida limítrofe ao território da Comarca de Ngäbe-Buglé, que gera incerteza na população, pois certas práticas são restritas ali, como caça, uso de árvores, entre outras. Isso gera diretamente um conflito social, pois não houve acordo prévio sobre essas restrições. Só quando emitem a resolução para criar uma Área Protegida é que eles informam, e não deixam opções para as populações afetadas.

WRM: Como isso afetou a conservação da floresta e o tecido social nas comunidades?

Rogelio: A conservação sem a verdadeira participação das comunidades que vivem na e da floresta provoca muita preocupação e questionamentos. Isso ocorre porque várias decisões assumidas são arbitrárias e inconclusivas, ao usar esses recursos naturais como negócio, sem medir suas consequências para os povos indígenas.