Comunidades na África Ocidental e Central estão enfrentando os impactos das plantações industriais de dendê. Sob a falsa promessa de “desenvolvimento”, as empresas, apoiadas por governos, receberam milhões de hectares de terra para essa expansão. Este artigo destaca quatro lutas atuais que reivindicam a devolução das terras dessas comunidades.
Há muitas décadas, comunidades da África Ocidental e Central enfrentam as plantações industriais de dendê que invadem suas terras. Sob a falsa promessa de gerar “desenvolvimento” e empregos, as empresas, apoiadas por governos, têm recebido milhões de hectares de terras na forma de concessões para plantações industriais de dendê.
Os resultados dessa expansão foram desastrosos para as comunidades que vivem dentro e ao redor dessas plantações industriais, principalmente para as mulheres.
Em resposta, organizações de base e lideranças comunitárias de toda a região têm se organizado, mobilizado, levantado suas vozes e estabelecido redes para impedir essa ocupação destrutiva e violenta de suas terras. No centro dessas lutas está o desejo das comunidades de recuperar suas terras. Os intercâmbios com ativistas comunitários envolvidos em lutas semelhantes ajudam a romper o isolamento e expor o tamanho da violência que as comunidades costumam enfrentar quando se opõem a uma empresa multinacional e às forças armadas.
Este artigo destaca quatro lutas específicas de comunidades: na República Democrática do Congo, contra a PHC-Feronia (que recentemente passou à propriedade da KKM); no Gabão, contra a empresa Olam; em Camarões, contra a Socapalm (propriedade da Socfin); e na Nigéria, contra a empresa Okomu Oil Palm (também propriedade da Socfin).
PHC-Feronia/KNM, na República Democrática do Congo
Os moradores de comunidades que foram presos após manifestações pacíficas devem ser libertados imediatamente, e os responsáveis por mais uma morte brutal nas plantações de dendê da Feronia-PHC devem ser responsabilizados.
Em 13 de fevereiro, na cidade de Lokutu, na República Democrática do Congo, uma manifestação pacífica de comunidades para que a fabricante de óleo de dendê PHC respeitasse seus direitos foi recebida com violência brutal por seguranças da empresa e policiais. Pelo menos 17 pessoas foram presas em diferentes locais após as manifestações. Algumas foram brutalmente espancadas e torturadas por seguranças da PHC. (1) O jovem Blaise Mokwe morreu em 21 de fevereiro em consequência dos ferimentos que sofreu ao ser espancado e torturado alguns dias antes por seguranças da APS, após ser falsamente acusado de roubo de frutos de dendê. (2)
Essa última escalada de conflitos aconteceu enquanto um dos novos proprietários da empresa, Kalaa Mpinga, e uma nova empresa chamada Feronia KNM, traziam potenciais investidores estrangeiros para as plantações, em meio a uma pandemia global. Os moradores da comunidade de Mwingi participaram do protesto pacífico. O presidente da Sociedade Civil de Basoko, distrito onde Mwingi está localizada, explica: “Quando o avião chegou, nós levamos as faixas até lá, e no dia seguinte, apresentamos essas faixas na cidade e depois tentamos conversar com eles sobre as cláusulas sociais que a empresa havia firmado com as comunidades de Kisangani, na presença do governador. Queríamos dizer que até agora não foi feito nada”. (1) As plantações de dendezeiros da PHC ocupam grande parte das terras das comunidades em Mwingi.
Em Mwando, também na área de Lokutu, as comunidades estão cansadas de esperar que a empresa cumpra as tantas promessas descumpridas ao longo dos mais de 100 anos de ocupação de suas terras ancestrais pela PHC. A comunidade montou uma fábrica comunitária para processar frutos de dendê colhidos em plantações abandonadas pela PHC. “Com o acesso a essas terras, podemos retomar nossa produção de óleo de dendê, que foi violentamente interrompida com a colonização”, disse um membro da administração da operação.
Desde 2013, os bancos de desenvolvimento europeus subsidiaram a empresa de plantações da era colonial com mais de 150 milhões de dólares. Como aponta um relatório recente, o patrocínio à Feronia-PHC certamente não é o único investimento desastroso dos bancos de desenvolvimento europeus na agricultura – mas o desastre da Feronia tem que ser o último. Esses bancos devem respeitar as reivindicações das comunidades pela restituição de suas terras ancestrais. (2) Eles também devem assumir a responsabilidade que vem com seu investimento e garantir a libertação imediata dos moradores presos por exigirem que a empresa respeite seus direitos, bem como a responsabilização dos responsáveis pela morte brutal de Blaise Mokwe.
(1) RIAO-RDC (2021). Entrevista com Gilbert Lokombu Limela, Presidente da Sociedade Civil de Basoko (área de Lokutu). Disponível em inglês e francês aqui.
(2) Programa de TV Objectiv Vert, com entrevistas de membros de quatro das aldeias afetadas pela violência recente da empresa contra as comunidades.
(3) RIAO-RDC e outros (2021). Development finance as agro-colonialism: European development bank funding of Feronia-PHC oil palm plantations in the Democratic Republic of Congo.
Olam no Gabão
Salvemos a comunidade Pépéyo!
(Sauvons Pépéyo)
Em 2012, o governo do Gabão concedeu 35 mil hectares de terras para que a OLAM, empresa sediada em Cingapura, estabelecesse suas primeiras plantações industriais de dendê na província de Ngounie, destruindo mais de 10 mil hectares de florestas. A existência da comunidade de Pépéyo e muitas outras foi ignorada, e ela foi totalmente cercada pelas plantações de dendezeiros. Pépéyo também foi excluída do chamado contrato social que a OLAM assinou com as comunidades, com o apoio das autoridades gabonesas.
O fato de Pépéyo não existir para a OLAM fez com que tivesse que enfrentar ainda mais impactos do que outras comunidades da área. Por exemplo, profanação e destruição de túmulos, obstrução de estradas, secagem de rios usados pela comunidade e proibição de atividades agrícolas. Pépéyo tornou-se invisível, inexistente e condenada a desaparecer em meio à monocultura de dendezeiros da OLAM. Para acessar sua comunidade, os moradores são obrigados a usar uma carteira de identidade emitida pela OLAM.
Os documentos de concessão podem até alegar que Pépéyo não existe. Mas Pépéyo existe. A comunidade resistiu e seus habitantes estão escrevendo um novo capítulo em sua história de resistência. Em outubro de 2020, os moradores da aldeia se reuniram em Mouila, a capital da província, para discutir estratégias que avançassem na recuperação de suas terras e evitar o que a OLAM gostaria que acontecesse: que os moradores desistissem e abandonassem suas casas e terras. Após um debate produtivo, os moradores discutiram uma lista de ações e reivindicações nas quais trabalharão no próximo período, incluindo seu reconhecimento como comunidade pela OLAM e pelas autoridades, livre acesso às suas terras e, acima de tudo, a retomada do controle sobre pelo menos parte das terras.
Fonte: Relatório do Dia Internacional de Combate às Monoculturas de Árvores, celebrado em 30 de outubro de 2020 no departamento de Douya Onoye, Província de la Ngounie, em torno do tema “Salvemos Pepeyó” 2020
Socapalm (Socfin), em Camarões
As mulheres sustentem suas famílias enquanto continuam lutando para recuperar suas terras e, assim, a soberania alimentar
Em Camarões, as plantações industriais de dendê da Socapalm, empresa pertencente à multinacional Socfin, levaram a situações em que as mulheres não conseguem alimentar suas famílias. As condições são extremas. Às vezes, as crianças correm o risco de entrar na plantação da empresa para coletar frutos de dendê que ficaram no solo. Se forem pegas, correm o risco de ser mandadas à prisão. Mulheres e meninas correm o risco de ser estupradas, abusadas sexualmente e assediadas. Elas têm que caminhar longas distâncias para encontrar locais onde cultivar alimentos, ou coletar água ou lenha. A polícia estadual e os seguranças da empresa frequentemente acusam os moradores de roubar dendê das plantações. Eles entram nas casas das pessoas em busca de frutos ou óleo processado de forma tradicional e, se encontram uma garrafa de óleo que seja, as pessoas são mandadas para a prisão.
O processamento tradicional do dendê para fazer óleo sempre foi uma importante fonte de renda para as mulheres que vendem o óleo e outros subprodutos nas feiras locais. Um dos principais pilares da resistência das mulheres camaronesas contra as plantações industriais tem sido a recuperação do conhecimento tradicional sobre o processamento do óleo de dendê, bem como dos muitos benefícios que as mulheres obtêm dos dendezeiros. Em muitas ocasiões, elas contaram que o uso do dendezeiro é muito importante porque, além de gerar renda, ajuda a fortalecer a autoestima e a vida familiar e comunitária.
Como as plantações industriais destruíram a maioria dos pomares de dendê e, com isso, uma fonte de renda que era importante para as mulheres, o processamento da mandioca é uma das poucas opções que elas têm para obter alguma renda. Às vezes, não há terra suficiente para cultivar mandioca perto das aldeias, e elas podem ter que comprá-la em aldeias mais distantes. E o que é pior, a pandemia de Covid-19 reduziu a disponibilidade e aumentou o preço da mandioca.
Nesse contexto, e contra todas as probabilidades, a organização camaronesa de base RADD deu apoio às mulheres que viviam perto dessas plantações industriais para que desenvolvessem atividades de geração de renda. O processamento da mandioca permite que as mulheres sustentem suas famílias enquanto continuam lutando para recuperar suas terras e, assim, a soberania alimentar.
Okomu Oil Palm Company (Socfin), na Nigéria
As violações da SOCFIN e de sua subsidiária Okomu Oil Palm Company PLC nas comunidades do estado de Edo
Na Nigéria, comunidades afetadas pela empresa de dendê Okomu, uma subsidiária do grupo franco-belga Socfin (cuja coproprietária Bolloré foi recentemente condenada por corrupção em tribunais franceses, por investimentos no Togo e na Guiné), realizaram uma manifestação pacífica em janeiro de 2021, denunciando grilagem de terras, poluição de rios e assédio por parte das forças militares que elas acreditam estar a serviço da empresa. As comunidades acusam a empresa de usar militares para bloquear a única estrada que os liga a Udo, a cidade mais próxima. Os moradores também acusaram o Governo do estado de Edo de escravizá-los em suas terras ancestrais, vendendo todas as áreas onde eles plantavam para a empresa e os deixando sem espaço para cultivar em suas próprias terras. (1)
Os moradores carregavam cartazes com reivindicações como: “Governo, mande a Okomu Oil Company abrir a nossa estrada”, “Okomu Oil Company, devolva nossas armadilhas de pesca que estão em seu poder”; “Pare de poluir o nosso rio com seus agrotóxicos, ele é nossa única fonte de água potável”; “Não somos terroristas; Pare de nos assediar com militares, Okomu Oil.”
Em uma entrevista coletiva após os protestos, um morador afirmou que “a empresa fechou a estrada que havia antes de ela ser fundada. A estrada foi fechada em 2019, e continua fechada. Eles usaram a COVID-19 como desculpa para finalmente fechar a estrada. A estrada alternativa é ruim.”
Esta não é uma notícia recente. Muitas denúncias e protestos foram realizados ao longo dos anos, desde que a Okomu Oil foi estabelecida na Nigéria em meados dos anos 1970. As acusações contra a empresa vão desde impedir cidadãos de entrar em suas comunidades, colocando portões ao longo da única estrada de acesso, até o assédio a pessoas que se manifestam contra a injustiça e as agressões, grilagem de terras, destruição de meios de subsistência, uso de força bruta, deslocamento e despejo de aldeias e assentamentos dentro de suas áreas de operação. Apenas nos últimos anos, as forças de segurança da empresa, junto com o Exército Nigeriano, incendiaram e deslocaram as aldeias de Agbede, Oweike, Lehmon e, recentemente, em maio de 2020, a aldeia de Ijaw-Gbene, apesar da pandemia de Covid-19. (2)
(1) Nigerian Tribune, Okomu Oil Palm host communities protest marginalisation, water pollution, 2021
(2) Farmlandgrab, SOCFIN and her subsidiary Okomu Oil Palm Company PLC rights violations in Edo State Communities/Villages: An S.O.S., 2020