Na próxima semana terá lugar em Mali uma conferência internacional de agricultores com o objetivo de deter a apropriação de terras. Organizada por La Via Campesina, visa a abrir um espaço para ouvir e aprender dos agricultores locais principalmente dos países africanos a respeito de que eles dizem da apropriação de terras; de unir forças para resistir ao processo e de construir futuras estratégias.
Poucos dias depois, em Durban, África do Sul, milhares de pessoas entre elas representantes dos governos, das maiores empresas poluidoras, das grandes ONG's conservacionistas como também dos povos que lutam por justiça climática irão se reunir na 17ª Convenção sobre Mudança Climática.
A apropriação de terras ocorre nos países do Sul a ritmos alarmantes. Na África essa tendência é escandalosa: 60 milhões de hectares de terra comercializados em 2009! (1) Governos estrangeiros, fundos de pensão, indivíduos e corporações ricos estão comprando enormes extensões de terras para abrir caminho para as monoculturas, desde plantações de árvores até a agricultura industrial, e inclusive como especulação financeira.
Dentro da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança Climática, o contexto para consolidar e amplificar a apropriação de terras vem sendo construído. Os governos e as corporações estão preparando o caminho para continuar com seus negócios em vez de abordar seriamente a mudança climática e reduzir drasticamente as emissões de carbono- energia e dinheiro demais foram gastos na criação e promoção de falsas soluções para a mudança climática.
Enquanto isso, sob REDD, as populações pobres são despojadas de muitos de seus direitos sobre o uso comunitário de terras florestais, e Nas palavras de La Via Campesina, em sua declaração “Apelo a Durban” “Sob a UNFCCC, aos países desenvolvidos e às corporações poluidoras, historicamente responsáveis pela maioria de emissões de gases de efeito estufa, lhes é permitido todo tipo de truques que evitam a redução de suas próprias emissões. Por exemplo, os mecanismos de mercado de carbono e a compensação de carbono permitem que os países e as companhias continuem poluindo e consumindo como até agora, enquanto pagam pequenas quantias de dinheiro para ajudar as populações pobres dos países em desenvolvimento. O que de fato ocorre é que as companhias tiram duplo proveito: continuam poluindo e vendem falsas soluções. Enquanto isso, sob REDD, as populações pobres são despojadas de muitos de seus direitos sobre o uso comunitário de terras florestais emergem novos usurpadores de terra que consolidam grandes áreas desapossando os agricultores para traficar com créditos de carbono” (2)
As falsas soluções para a mudança climática estão possibilitando a apropriação de terras no Sul. As comunidades são deslocadas e os territórios ocupados com plantações de monoculturas de árvores que funcionam como sumidouros de carbono ou para serem comercializadas como lascas de madeiras ou pellets para energia, ou no caso dos dendezeiros, para produzir óleo.
Os conflitos relacionados com as plantações de monoculturas de árvores na África vão em aumento. Um caso recente na Uganda envolve a empresa inglesa “New Forests Company” que é responsável pelo deslocamento forçado de cerca de 20.000 pessoas de suas terras para deixar lugar às plantações para sumidouros de carbono.
As plantações de dendezeiros também estão causando inúmeros conflitos em países como a Libéria, Camarões, Uganda e Gana, entre outros. Por exemplo, na Libéria, a empresa malaia Samy Darby que recebeu 220.000 hectares em uma concessão de terras para plantações de dendezeiros foi denunciada por comunidades locais por estar “envolvida no desmatamento de terras, destruição de nossos locais sagrados, destruição de nossas lavouras, construção de diques em nossos rios e arroios, aterro de pântanos, destruição de túmulos, destruição e poluição de nossas fontes de água, deslocamentos forçados de nosso povo sem a adequada compensação, plantação e cultivo de dendezeiros incluindo o estabelecimento maciço de um viveiro de dendezeiros sem nosso consentimento prévio e informado.” (3)
Em Camarões, a empresa americana SG Sustainable Oils (SGSO) está planejando uma plantação de dendezeiros de 30.000 hectares na Região Sudoeste em uma área diretamente contígua ao Parque Nacional Korup e à Reserva Florestal Rumpi Hills, e outras 40.000 há a leste daquela plantação e nas adjacências do Parque Nacional Bakossi e o Santuário de Vida Silvestre Banyang Mbo. As denúncias afirmam que “ A plantação de dendezeiros irá deslocar e afetar negativamente a situação social e econômica de uns 30 povoados (mais de 3.000 pessoas). Sua cultura e seu modo de vida estão intimamente ligados a essas florestas, que providenciam para esses povoados água limpa, alimentos, e a capacidade de gerar renda. A maior parte desses moradores dependem fortemente da agricultura para alimentar suas famílias e gerar uma renda. Não está claro como os moradores locais irão ser compensados pela perda de sua floresta e lavouras. Alguns documentos sugerem que os povoados irão ser reassentados e/ ou ser permitidos de ficar, mas estarão cercados por dendezeiros.” (4)
REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e a Degradação Florestal) é uma das novas falsas soluções que irão servir para expandir a apropriação de terras. Há vários casos informados pelas comunidades que são expulsas ou deslocadas de seus territórios ou comunidades cujos direitos a usar suas terras e florestas estão comprometidos por causa de projetos REDD.
A recente publicação do WRM sobre o projeto piloto REDD na Republica Democrática do Congo, desenvolvido pela Conservation International e a companhia Walt Disney nas duas reservas florestais de Tayna e Kisimba- Ikobo, descreve as numerosos falhas e a violação de direitos desse tipo de iniciativas. O relatório afirma que “nós podemos determinar que o consentimento para a implementação do projeto REDD na reserva Kisimba- Ikobo tem numerosas falhas e é, no melhor dos casos, apenas parcial. Além disso, o processo aprofundou um contínuo conflito no qual os direitos de uso florestal e territorial estão em risco. Parte da comunidade opõe-se ao projeto REDD porque simplesmente reforça a criação de uma reserva “comunitária” que, de fato, despojou essas comunidades de seus direitos sobre terras e florestas ancestrais. Em uma recente carta escrita pelas comunidades insatisfeitas com essa reserva e encaminhada ao governador da província, eles afirmam que se opõem ao projeto REDD porque não respeita seus direitos à terra e porque eles não tiveram a oportunidade de manifestar suas demandas.
A significativa porcentagem da população de Kisimba e Ikobo que já se opôs à criação da reserva natural e agora ao projeto REDD está sendo cada vez mais marginalizada. Os promotores do projeto REDD parecem ignorar o fato de que essa parte da população não providenciou o consentimento para o projeto, e não estão fazendo nada para tentar resolver o conflito.” (5)
As falsas soluções para a mudança climática são, no mínimo, para desviar a atenção por não dizer criminosas. Está na hora de conscientizar-se de que a solução real para a mudança climática é que os países poluidores cortem suas emissões de carbono de raiz.
Teresa Perez, WRM, teresap@wrm.org.uy
1- http://farmlandgrab.org/post/view/19559
2- http://viacampesina.org/en/index.php?option=com_content&view=article&id=
1109:la-via-campesina-call-to-durban&catid=48:-climate-change-and-agrofuels&Itemid=75
3- Carta de reclamação à Mesa Redonda sobre Dendezeiro Sustentável (RSPO) dos membros e habitantes das comunidades locais afetadas pela concessão planejada de 220.000 há de dendezeiros à Sime Darby, na Libéria, outubro de 2011.http://www.forestpeoples.org/topics/palm-oil-rspo/publication/2011/
letter-complaint-roundtable-sustainable-palm-oil-rspo-members-
4- Vide boletim 165 do WRM
5- Publicação do WRM “Conservation International REDD pilot project: a different kind of Disney production”. Pode ser acessado em :http://www.wrm.org.uy/subjects/REDD/DRC_REDD_en.pdf