O ditador militar brasileiro Emílio Garrastazu Medici poderia ser lembrado como um dos representantes mais notáveis da abordagem racista e nociva das florestas que prevaleceu na maior parte dos países tropicais, na segunda metade do século XX. Exemplos semelhantes de promotores dessa abordagem podem ser facilmente encontrados na África, Ásia, Oceania e América Latina. Quando da inauguração da transamazônica, em 1970 (o começo do fim de muitos grupos indígenas e de grandes extensões da floresta amazônica), o ditador declarava que ela abriria uma "terra sem homens para homens sem terra". Para ele, os povos indígenas sequer existiam e as florestas apenas representavam uma terra a ser desmatada para "atividades produtivas".
Boletim Nro 62 – Setembro 2002
Os povos indígenas
O TEMA CENTRAL DESTE BOLETIM: OS POVOS INDÍGENAS
Os povos indígenas são os custódios das florestas. Ninguém mais do que eles tem interesse em assegurar a preservação de florestas que são seu lar, parte integrante de sua cultura e fonte de sustento. Embora em todos os números anteriores do boletim do WRM tenham sido tratadas muitas das lutas dos povos indígenas em favor das florestas, decidimos dedicar a totalidade deste número a essa questão, dando ênfase especial aos problemas enfrentados pelos povos indígenas e às soluções atualmente propostas e implementadas por eles para garantir o reconhecimento de seus direitos, como primeiro passo _ embora essencial _ para uma abordagem séria da atual crise das florestas. O presente número foi elaborado em estreita parceria com o Forest Peoples Programme, que atua, juntamente com Fern, como Escritório do WRM no Norte, e com outras pessoas, integrantes de organizações de povos indígenas, ou defensoras dos direitos dos povos indígenas. Independentemente da autoria dos artigos, eles refletem as esperanças e lutas dos próprios povos indígenas e a importância da colaboração externa para atingir seus objetivos. Esperamos que este boletim contribua para que mais pessoas e organizações preocupadas com a preservação das florestas percebam o papel fundamental que desempenham, nesse sentido, os povos indígenas, e, conseqüentemente, incrementem seu apoio, para defender o direito desses povos de continuar sendo custódios da floresta. Também aspiramos a que o presente número preste aos ativistas das florestas um maior esclarecimento quanto aos motivos pelos quais consideramos a defesa dos direitos humanos uma questão tão crucial para deter os processos de desmatamento. Aquilo que exigem os povos indígenas é que sejam respeitados seus direitos de posse e controle de suas terras e territórios, de aplicar a sua lei tradicional, de aceitar ou rejeitar os projetos de desenvolvimento planejados para suas áreas, de autodeterminação. O respeito por esses direitos não é apenas uma questão de justiça, mas, também, reverterá no fortalecimento dos povos indígenas na defesa daquilo que lhes pertence: as florestas.Boletim WRM
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Setembro 2002
NOSSO PONTO DE VISTA
LUTAS LOCAIS E NOTÍCIAS
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7 Setembro 2002Desde o século XIX, os direitos de propriedade dos habitantes das florestas de Camarões não figuram sequer nas decisões importantes dos governantes. Todos os territórios com floresta, considerados vazios e sem dono ("vacant et sans maitres"), tornaram-se propriedade do Estado, sendo que muitas florestas foram abertas à exploração madeireira, fato que provocou o fechamento dessas áreas para a caça praticada pelos Bagyeli, Baka e outras comunidades colhedoras e caçadoras, também conhecidas como "pigmeus", cuja presença em todo o sul de Camarões é anterior ao Estado colonial.
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7 Setembro 2002O dia 1º de outubro é a data agendada para a audiência do caso apresentado, perante o Supremo Tribunal de Justiça do país, por um grupo indígena que mora na floresta Mau de Quênia. Esta audiência representa a tentativa mais recente do povo Ogiek no seu esforço para proteger a floresta --seu próprio lar-- da destruição.
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7 Setembro 2002Os habitantes indígenas de Ruanda são os Twa, um povo "pigmeu" que originalmente vivia da caça e da colheita nas altas florestas em torno dos lagos da região de Albertine, na África Central, hoje território de Ruanda, Burundi, Uganda e República Democrática do Congo (RDC). Nalgumas partes da RDC, os Twa ainda podem ter uma existência baseada na floresta. Não obstante, na maior parte das outras regiões, os Twa tiveram que abandonar seu estilo de vida tradicional, pois suas florestas foram destruídas pela atividade madeireira, a lavoura e os projetos de "desenvolvimento".
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7 Setembro 2002Os Batwa (conhecidos como Pigmeus) são os povos indígenas que habitam o sudoeste da Uganda. Segundo os registros históricos e a tradição oral, os Batwa eram os únicos habitantes dessas terras, pelo menos até meados do século XVI. São principalmente caçadores e colhedores, alguns nas florestas montanhosas e outros nas florestas de savana, ou em ambientes lacustres.
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7 Setembro 2002Apesar de décadas de pressão sobre os sucessivos governos, para alcançar o pleno reconhecimento legal de seus direitos tradicionais de terra, em matéria de posse de terra, os 55 mil a 60 mil ameríndios da Guiana ainda estão numa das situações mais precárias da América do Sul: muitas comunidades não possuem nenhum tipo de título legal de terra, ao passo que outras apenas têm um título incerto, cobrindo apenas uma parte de seu território ancestral e podendo ser revogado, mais dia, menos dia, de forma unilateral pelo Ministério de Assuntos Ameríndios.
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7 Setembro 2002No mês de dezembro de 2000, a empresa Pluspetrol, sediada na Argentina, ganhou a concessão de extração de gás natural da bacia de Camisea, no sudeste peruano. Não obstante, a intenção da Pluspetrol, de realizar operações sísmicas e de perfuração dentro da reserva federal dos Nahua/Kugapakori, deu início a uma controvérsia, devido aos impactos potenciais que seriam sofridos pelos habitantes indígenas que moram nessa área, em isolamento voluntário e em fase inicial de interação com a sociedade nacional. O Bloco 88 se sobrepõe à reserva dos Nahua/Kugapakori, estabelecida pelo Estado, em 1990, para proteger os grupos indígenas Nahua e Kugapakori (também conhecidos como Nanti) contra os perigos do contato com a sociedade nacional.
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7 Setembro 2002As empresas madeireiras chinesas são uma presença relativamente nova na América do Sul. No Suriname, pelo menos duas delas estão operando desde 1997. A amplamente divulgada proibição de derrubada dentro da China, em parte motivada pelas devastadoras enchentes provocadas pela perda de florestas, é uma das razões obvias para a internacionalização da atividade madeireira chinesa. Segundo estatísticas do governo surinamês, em 2000-01, as empresas madeireiras chinesas foram de longe as maiores produtoras de madeira roliça, e a China foi de longe o primeiro destino de exportação de rolos de madeira surinamesa, quadruplicando os valores do destino que ocupou o segundo lugar.
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7 Setembro 2002O rio Caura, na Venezuela, é o afluente mais comprido do Orinoco ainda não poluído ou dividido, em que não foram construídas represas nem foi desviado para a mineração, construção de estradas, atividade madeireira e projetos de desenvolvimento em grande escala. Nos trechos superiores, têm residência dois grupos étnicos, "indígenas amazônicos". Um desses grupos é o Ye'kwana, uma nação com tradição altamente desenvolvida de revezamento de cultivos e construção de grandes moradias coletivas em forma de cone, habitando nessa área pelo menos por tanto tempo quanto as crônicas podem relatar. O outro grupo _ este de caçadores, colhedores e agricultores incipientes, com maior mobilidade _ é o Sanema (Ianomâmi do norte), que veio à região pelo sul há aproximadamente um século.
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7 Setembro 2002Desde a queda da ditadura de Suharto, em 1998, uma intensa luta a nível nacional, pelo reconhecimento dos direitos indígenas, eclodiu na Indonésia. Personificado na Alianzi Masyarakat Adat Nusantara (AMAN - Aliança dos Povos Governados pela Tradição do Arquipélago), esse movimento reclama o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas sobre suas terras, assim como o direito de um governo autônomo. Baseado no reconhecimento constitucional da adat (tradição), o movimento procura devolver às comunidades o poder perdido para o Estado nas reformas centralizadoras das décadas de 1960 e 1970. Pak Nazarius, um Dayak de Kalimantan do Oeste e Coordenador da AMAN para a região central, afirma:
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7 Setembro 2002Em julho de 2002, o Banco Mundial publicou um "marco de referência" para seu envolvimento na proposta de construção da barragem Nam Theun 2. O documento explica como o Banco pretende decidir a respeito da aprovação -ou não aprovação- de um empréstimo de US$ 100 milhões como garantia, frente ao risco político da barragem proposta de 1.000 Mw. A barragem, que tem um custo de US$ 1,5 bilhão, tem sido estudada durante mais de uma década. A empresa responsável pelo projeto, a Nam Theun 2 Electricity Company (NTEC) é um consorcio, no qual têm participação a Electricité de France com a Harza Engineering, a Electricity Generating Company of Thailand, Ital-Thai e o governo de Laos. Sem a garantia do Banco Mundial, os financiadores comerciais não arriscarão o investimento no projeto.
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7 Setembro 2002O arquipélago filipino é extremamente rico tanto em diversidade cultural quanto em diversidade biológica. É um dos 12 países com megadiversidade biológica do mundo e possui mais de 127 grupos culturais.
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7 Setembro 2002As montanhas entre os rios Yenisei e Lena constituem uma das últimas áreas de floresta boreal ("taigá") não devastadas da Eurásia. Essa região é o hábitat de nativos caçadores e pastores, como os Evenki, Ket, Sel'kup, Sakha e Dolgan. Apesar dos colonizadores cossacos terem usado os rios Yenisei, Lena e o trecho inferior do rio Tunguska como rota principal para a dominação e integração do leste siberiano ao Império Russo no século XVII, o planalto central siberiano livrou-se da maior parte dos transtornos do industrialismo russo e soviético dos séculos XIX e XX.
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7 Setembro 2002A Coalizão Ambiental dos Povos Indígenas do Pacífico (Pacific Indigenous People's Environment Coalition, PIPEC pela sua sigla em inglês) realizou, durante o final de semana de 21 e 22 de setembro, um workshop sobre as Causas Subjacentes do Desflorestamento e a Degradação das Florestas. O novo Ministro da Preservação Ambiental de Nova Zelândia, Chris Carter, deu início ao workshop que teve representantes da maior parte das comunidades das nações do Pacífico que moram em Aotearoa (Nova Zelândia), conjuntamente com a representação Maori. Quase todos os acadêmicos do Pacífico que trabalham no setor terciário participaram, bem como um representante da Sociedade Siosiomaga de Samoa.
GERAL
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7 Setembro 2002A idéia de preservação através da criação de "parques nacionais" surgiu nos Estados Unidos, no século XIX, numa época em que era travada uma guerra contra os indígenas e iniciada a colonização do "Oeste Selvagem". O primeiro parque nacional do mundo, o Yosemite, foi criado em território Miwok depois de uma guerra sangrenta, seguida da expulsão dos sobreviventes de suas terras. A criação do parque Yellowstone também fez eclodir um conflito com os indígenas locais. Atualmente, quase todos os parques nacionais mais importantes dos Estados Unidos são habitados, ou estão sendo reclamados, por povos indígenas.